Etiologia

As variações torcionais do membro inferior são extremamente comuns e são definidas como diferenças rotacionais que estão dentro de 2 desvios padrão (DPs) da média.[2]A maioria dos problemas rotacionais em lactentes e crianças normais é fisiológica ou de variação postural.

Deformidades torcionais são definidas como anormalidades rotacionais fora do intervalo normal de 2 DPs. Deformidades são causadas por:

  • Genética: similar a outras deformidades congênitas. Embora haja uma predisposição genética para anormalidades torcionais, nenhuma causa isolada foi identificada.

  • Posicionamento intrauterino: moldagem anormal das estruturas causada por forças mecânicas. Estas são deformações distinguíveis das displasias (as quais são anormalidades celulares ou genéticas que resultam em anormalidades estruturais).

  • Ação muscular: anormalidades na função e tônus dos músculos (por exemplo, paralisia cerebral, mielomeningocele, pólio). Estas afetam fortemente o desenvolvimento torcional durante o crescimento.[13][16][17][18][19][20]

Esses fatores podem causar deformidades torcionais em qualquer dos três níveis dos membros inferiores: pé, tíbia e fêmur.[2] A rotação excessiva do quadril também pode contribuir para anormalidades da marcha, especialmente em crianças com paralisia cerebral.

A torção femoral medial (interna) descreve a quantidade de angulação entre os eixos do colo do fêmur e o côndilo femoral. Quando o ângulo está aumentado, há aumento da rotação medial (interna) do quadril.[21] A torção femoral medial é muito comum em crianças com desenvolvimento normal, mas também pode estar associada com frouxidão ligamentar, displasia do desenvolvimento do quadril, paralisia cerebral e hipotonia.[22]​ O hábito de sentar na posição "W" pode ser observado em crianças co torção femoral medial, pois elas apresentam mais rotação interna do quadril do que rotação externa. No entanto, sentar na posição "W" não causa torção femoral medial.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Foto de uma criança sentada na posição "W"Do acervo de Tamir Bloom, MD [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@3772381e​​

Causas de desvio dos pés para dentro ("in-toeing")[1][23][24]

  • Torção femoral medial: é a causa mais comum de desvio dos pés para dentro ("in-toeing") em crianças com mais de 6 anos. A torção femoral medial diminui ao longo da adolescência, com correção de "in-toeing" na terceira infância na maioria dos casos.

  • Torção tibial medial (interna): quase sempre é uma variação durante o desenvolvimento normal. Torção tibial medial é a causa mais comum de "in-toeing" em crianças com menos de 5 anos. Entretanto, muitas crianças, independente da idade, apresentam uma combinação de torção tibial medial e torção femoral medial como causa de "in-toeing".

  • Metatarso varo: há hipóteses de que é causado por forças mecânicas intrauterinas anormais que atuam sobre o pé.

  • Pé torto equinovaro (pé torto): uma deformidade congênita na qual o pé é voltado para dentro e aponta para baixo. Pode ser idiopático ou pode estar associado a mielomeningocele, artrogripose e outras síndromes.

  • Pé em serpentina pode ser causado por imobilização inadequada do metatarso varo. A maioria dos casos ocorre devido a uma causa desconhecida.

Causas de desvio dos pés para fora ("out-toeing")

  • O desvio dos pés para fora ("out-toeing") é menos comum que o desvio dos pés para dentro ("in-toeing"), e as seguintes causas são incomuns.

  • Contraturas em abdução persistentes do quadril: em lactentes, o desvio dos pés para fora ("out-toeing") geralmente resulta de uma contratura em abdução persistente do quadril desenvolvida no útero. As contraturas em abdução geralmente melhoram durante o primeiro ano de caminhada.

  • Torção tibial lateral (externa): um em cada cinco fetos está posicionado com os membros inferiores em rotação externa, causando torção tibial lateral e pés calcâneos valgos.

  • Epifisiólise proximal do fêmur (EPF): uma causa de desvio dos pés para fora ("out-toeing") em adolescentes devido a um deslocamento da epífise femoral proximal em torno do eixo da metáfise femoral. Isso resulta em uma deformidade de rotação externa do membro inferior afetado.

Crianças com lesões cerebrais (por exemplo, paralisia cerebral) apresentam perda do controle muscular seletivo, dificuldades de equilíbrio e tônus muscular anormal (anormalidades primárias). Deformidades torcionais se desenvolvem porque os efeitos da lesão cerebral impõem forças anormais tanto nos músculos quanto nos ossos. Deformidades esqueléticas podem emergir gradualmente, sendo diretamente proporcionais à taxa de crescimento esquelético.

Fisiopatologia

Desvio dos pés para dentro ("in-toeing")

  • Torção tibial medial: caso seja grave, a marcha pode ser comprometida pela interrupção da absorção de choque do pé durante a fase de resposta à carga, e pode comprometer a liberação do membro na fase de balanço.[25][26]​ Estudos de análise quantitativa da marcha de pacientes que apresentam "in-toeing" extremo em decorrência de torção tibial medial demonstraram carga em varo aumentada do joelho durante a fase de apoio, além de outros desvios primários e compensatórios da marcha.[26][27][28]​ A torção tibial medial grave de longa duração, relacionada a desvios dinâmicos da marcha, e a carga anormal associada podem estar relacionadas à artrite degenerativa dos joelhos em adultos, embora a natureza dessa associação não seja clara.[26][27][29][30][31][32]

  • Torção femoral medial: a anteversão femoral no útero é cerca de 55°. Quando a criança começa a andar, o quadril se estende e o ligamento iliofemoral anterior se alonga sobre o fêmur proximal, empurrando-o para trás.[33] Esse mecanismo remodela o fêmur proximal. A anteversão femoral mede, em média, 10° a 15° na idade adulta. A frouxidão ligamentar ou doenças neuromusculares podem não proporcionar tensão suficiente para provocar o remodelamento normal, resultando em alinhamento fetal persistente.[34] Remodelamento limitado do fêmur proximal é comum em paralisia cerebral devido ao início protelado da deambulação e a forças musculares anormais. Quando a deambulação começa, os quadris são flexionados. Esses fatores enfraquecem a tensão do ligamento iliofemoral, promovendo anteversão. Para acomodar a cabeça do fêmur no acetábulo e para otimizar a força do abdutor do quadril, as crianças com torção femoral medial andam com o fêmur em rotação interna, o que resulta em rotação interna de todo o membro inferior.[33] Embora tenha sido sugerido que sentar na posição "W" (quadris com rotação interna) pode promover a manutenção da anteversão femoral ao colocar maior carga de torção no fêmur, não há evidências de que isso seja verdade. É mais provável que os pacientes com maior anteversão escolham se sentar dessa maneira porque é mais confortável do que se sentar com as pernas cruzadas (com o quadril rotacionado externamente).

  • Metatarso varo: anormalidades na anatomia óssea, como uma deformidade do cuneiforme medial, e desequilíbrio ou contratura muscular foram sugeridos.

  • Pé em serpentina: essa é uma deformidade complexa do pé, composta de adução do antepé, abdução do mediopé e retropé em valgo.

  • Pé torto equinovaro (pé torto): essa é uma deformidade rígida que consiste de tornozelo em equino, mediopé cavo, calcanhar em varo e mediopé e antepé em adução.

  • Doença de Blount: o tipo infantil (0-4 anos de idade) é uma forma não fisiológica de geno varo e torção tibial medial causada por um distúrbio do crescimento na tíbia proximal medial. A deformidade é restrita à tíbia proximal e está associada a início precoce da deambulação e obesidade. O tipo adolescente (após os 9 anos de idade) compartilha fisiopatologia similar com o tipo infantil, com cargas excessivas em um joelho varo resultando em crescimento anormal da fise tibial proximal. Ao contrário do tipo infantil, a deformidade também pode comprometer o fêmur distal.

Desvio dos pés para fora ("out-toeing")

  • Torção tibial lateral (externa): caso seja grave, pode comprometer a estabilidade e a função de alavanca do pé durante a fase média e terminal de apoio do ciclo da marcha.[35]

  • Torção tibial lateral (externa): o posicionamento intrauterino das pernas causa contraturas (abdutoras) em rotação lateral do quadril, que resultam em maior rotação externa do quadril em relação à rotação interna e "out-toeing" aparente na primeira infância.[3][36] Isso geralmente remite no começo da deambulação.[37]

  • EPF: o colo do fêmur desliza anteriormente e lateralmente ao longo da fise (placa epifisária), resultando em um deslocamento posterior aparente da epífise. O aumento da rotação externa do quadril, a diminuição da rotação interna do quadril e o aumento do ângulo de progressão do pé externo, além de outras anormalidades anatômicas, clínicas e da marcha estão associados à deformidade do fêmur proximal. A EPF normalmente é unilateral e resulta em progressão do pé assimétrica, com membro inferior rotacionado externamente sintomático. Anormalidades funcionais podem melhorar após tratamento e recuperação, e são influenciadas pela gravidade da deformidade anatômica residual.[38][39]

  • Pé chato flexível: essa é uma variação normal do alinhamento do pé na primeira infância, que apresenta remissão espontânea na primeira década de vida em quase todas as crianças. A altura do arco é determinada pelo complexo osso-ligamento do pé e não é influenciada pelo uso de calçados.

Efeito da torção na articulação patelofemoral

  • O alinhamento ósseo é um fator que pode contribuir para a mecânica da articulação patelofemoral.[40] Alinhamento anormal do membro no plano axial pode alterar o equilíbrio da transferência do peso corporal ao solo, sobrecarregando os tecidos biológicos (ligamentos, cartilagens articulares, ossos, músculos e tendões).

  • Rotação interna do joelho acima do normal durante a marcha, por excesso de anteversão femoral ou torção tibial lateral, ou ambas, aumenta as forças de compressão lateral da articulação patelofemoral e a tensão dos ligamentos patelofemorais mediais. Se for grave o suficiente, o limiar fisiológico dos tecidos biológicos pode ser excedido, produzindo dor anterior do joelho, instabilidade patelar ou osteoartrose em épocas tardias da vida.[29][30][31][41][42][43] Isso é chamado de síndrome do mau alinhamento miserável.[44]

Deformidades em crianças com doença neuromuscular

  • Deformidades torcionais surgem em decorrência de forças anormais que atuam no esqueleto em crescimento por meio dos efeitos de lesão cerebral primária.[33] Os ossos são incapazes de modelar-se, remodelar-se ou modelar-se normalmente com o crescimento.

  • Mau alinhamento torcional é um tipo de disfunção de alavanca de braço. Orientação imprópria no plano transversal do osso causa marcha patológica. Os ossos são alavancas e corpos rígidos sobre os quais atuam carga e força. Seu objetivo é produzir uma vantagem mecânica sobre a carga ou um movimento rápido da carga. Na marcha normal, ter a alavanca de braço do membro inferior (fêmur, tíbia e pé) e as articulações associadas (quadril, joelho, tornozelo e articulações do pé) alinhadas perto do ângulo de progressão do pé é mais vantajoso mecanicamente e aumenta a eficiência do caminhar. Má rotação das alavancas produz disfunção patológica ao rotacionar fora desse plano, o que reduz a eficiência da marcha por meio de:

    1. Redução da magnitude dos movimentos, reduzindo a capacidade de os músculos rotacionarem as articulações do membro. Um momento é o ímpeto rotatório que ocorre em uma articulação pivô (fulcro) gerado por forças que atuam em uma distância de um braço de alavanca.

    2. Introdução de momentos secundários que alteram a alavancagem necessária para a marcha normal e promovem deformidades adicionais dos ossos longos por meio da aplicação de estresses anormais em ossos plásticos em crescimento.

Classificação

Direção da deformidade[1]

A avaliação clínica da direção do alinhamento rotacional dos membros inferiores é classificada da maneira a seguir.

  • Desvio dos pés para dentro ("in-toeing"): o eixo longo do pé é rotacionado internamente (medialmente ou em direção à linha média) em relação à linha de progressão no momento da caminhada ou corrida.

  • Desvio dos pés para fora ("out-toeing"): o eixo longo do pé é rotacionado externamente (lateralmente ou em afastamento da linha média) em relação à linha de progressão no momento da caminhada ou corrida.

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