Abordagem

O tratamento da hérnia inguinal em adultos é, em grande parte, cirúrgico, pois representa o único potencial de cura. A cirurgia também é importante para prevenir o estrangulamento das hérnias e para tratar as hérnias que são doloridas e difíceis de reduzir.

Em adultos, a vigilância ativa é uma opção sensata nos casos de hérnia inguinal minimamente sintomática ou assintomática, sobretudo se eles estiverem fragilizados, forem idosos ou de alto risco para qualquer tipo de procedimento cirúrgico.

Vigilância ativa

A decisão quanto ao fato de todas as hérnias precisarem ser tratadas ou não, é controversa. Em adultos, a vigilância ativa é uma estratégia segura nos casos de hérnia inguinal minimamente sintomática ou assintomática e isso está refletido nas recomendações das diretrizes.[2][27][56]

Com o tempo, muitos pacientes com hérnias inicialmente assintomáticas desenvolverão os sintomas e se submeterão a uma correção eletiva.[11][56][57][58][59][60] Um estudo de 720 homens (≥18 anos de idade) com hérnia inguinal minimamente sintomática ou assintomática constatou que 23% que foram designados aleatoriamente para a vigilância ativa passaram para a cirurgia em 2 anos devido ao desenvolvimento de sintomas, geralmente desconforto.[56] O encarceramento se desenvolveu em 2 pacientes designados para a vigilância ativa. Aos 7.5 anos após a randomização, 72% dos pacientes do grupo de vigilância ativa (46% em acompanhamento) passaram por reparo cirúrgico.[58]

Um estudo do Reino Unido de 160 homens em idade avançada (≥55 de idade) designados aleatoriamente à cirurgia ou vigilância ativa constatou que 29% passaram da vigilância ativa para a cirurgia após 1 ano.[60] Ocorreram 3 eventos adversos graves relacionados à hérnia nos pacientes que precisaram de cirurgia e um desses eventos resultou em morte (infarto do miocárdio pós-operatório) após deterioração significativa decorrente de doença cardiovascular comórbida durante a observação. Em 10 anos após a randomização (71% de acompanhamento), 68% dos pacientes do grupo de vigilância ativa precisaram de reparo cirúrgico.[59]

Em um estudo na Holanda (496 pacientes do sexo masculino; >50 anos de idade), as taxas de complicações pós-operatórias e de recorrência em 2 anos não foram muito diferentes entre 99 (37.7%) dos 262 pacientes randomizados para vigilância ativa, e que subsequentemente se submeteram ao reparo cirúrgico, e os pacientes que foram designados originalmente para o reparo eletivo (8.1% vs.15.0%, P = 0.106; 7.1% vs. 8.9%, P = 0.668, respectivamente).[61]

Complicações da hérnia aguda, como obstrução intestinal e encarceramento/estrangulamento, ocorrem raramente com uma estratégia de vigilância ativa. Uma revisão recomendou informar aos pacientes que a taxa de emergência cirúrgica durante a vigilância ativa é 1.8 por 1000 pessoas-ano.[62] Os pacientes devem ser aconselhados a buscar atendimento médico imediatamente se desenvolverem sinais e sintomas de complicações graves (por exemplo, dor abdominal, náuseas, vômitos e constipação).[56]

Cirurgia

O reparo com tecido primário (sem tela) (por exemplo, usando a técnica de ligamento de Bassini, Cooper ou Shouldice) era a base do tratamento cirúrgico da hérnia inguinal antes de 1990; no entanto, essas técnicas foram quase totalmente substituídas pelo reparo aberto com tela utilizando a técnica de Lichtenstein ou pelo reparo laparoendoscópico minimamente invasivo.[63] As três abordagens parecem ser igualmente eficazes.[64][65]

Reparo por técnica aberta

A técnica de Lichtenstein envolve a colocação de uma prótese de tela de polipropileno plana (geralmente, medindo cerca de 5 cm x 12 cm) que cobre a parede posterior do assoalho inguinal e o oblíquo interno, do púbis à espinha ilíaca, cercando as estruturas do cordão.[63] A tela precisa ser presa ao púbis, à borda do ligamento inguinal e à fáscia oblíqua interna. A dormência inguinal, que diminui gradualmente com o tempo, é um efeito colateral comum deste procedimento.

O reparo em técnica aberta com tela pré-peritoneal, no qual o espaço pré-peritoneal é aberto para colocação da tela através de uma pequena incisão suprapúbica ou inguinal, é uma alternativa segura e eficaz para o reparo com tela pela técnica de Lichtenstein.[66][67]

O sistema "plug-and-patch" é a técnica de reparo aberto com tela menos desejável. Este procedimento insere um tampão de tela de polipropileno no defeito, o qual fica preso ao anel interno no caso de uma hérnia indireta, ou ao pertuito do defeito em uma hérnia direta, a qual deve ser coberta pela tela protésica. Esta técnica não é executada com tanta frequência quanto a técnica de Lichtenstein devido às altas taxas de complicações, incluindo a migração do tampão, com erosão no intestino ou bexiga.[68][69]

O reparo aberto com tela está associado a uma taxa de recorrência muito mais baixa do que o reparo com tecido primário ou outras técnicas de reparo sem tela.[11][70][71] [ Cochrane Clinical Answers logo ] [Evidência A] Também é um procedimento de baixo risco que pode ser realizado sob anestesia espinhal, geral ou local com sedação leve. Caso seja viável, a anestesia local pode ser preferida em relação à anestesia espinhal.[72] Caso contrário, a anestesia espinhal e a anestesia geral são opções igualmente boas.[73]

Reparo cirúrgico minimamente invasivo (laparoscópico)

O reparo laparoscópico minimamente invasivo com tela é uma alternativa para o reparo aberto com tela. O reparo laparoscópico com tela requer anestesia geral e é tecnicamente mais desafiador e tem uma curva de aprendizagem mais longa para o cirurgião do que o reparo aberto com tela. Ele envolve a colocação de uma tela protética grande (aproximadamente 12 cm de diâmetro) no espaço pré-peritoneal, estendendo-se do púbis à espinha ilíaca, sobrepondo os vasos ilíacos.[74][75]

As vantagens do reparo laparoscópico com tela comparado com o reparo aberto com tela são:[2][11][76][77][78][79][80]

  • menos dor pós-operatória

  • retorno mais breve à atividade física

  • melhor aparência estética.

As taxas de recorrência e complicação são similares às do reparo aberto com tela, embora os pacientes submetidos aos procedimentos laparoscópicos possam sofrer menos dor inguinal do que os submetidos a um procedimento de Lichtenstein.[2][81][82] O risco de lesão grave no intestino, bexiga e estrutura vascular é mais alto com os procedimentos laparoscópicos.[83]

Existem duas abordagens laparoscópicas: totalmente extraperitoneal (TEP) e transabdominal pré-peritoneal (TAPP). O procedimento TEP envolve abrir o espaço pré-peritoneal, geralmente com um dispositivo de balão, para criar um espaço no qual um grande remendo de tela cobrindo a área inguinal é colocado a partir de baixo. O procedimento TAPP envolve a colocação do laparoscópio na cavidade peritoneal e a incisão do peritônio sob o canal inguinal para abrir o espaço pré-peritoneal visando a colocação da tela, após o que a incisão peritoneal é fechada sobre a tela. Cada abordagem tem seus defensores, mas não há uma superioridade clara de uma abordagem sobre a outra para reparo da hérnia inguinal unilateral primária ou para reparo de hérnia inguinal recorrente após um reparo primário aberto prévio.[83][84] A escolha da técnica pode ser influenciada pelas habilidades e experiência do cirurgião.[2]

Escolha de reparo

A decisão de oferecer ao paciente um reparo aberto ou laparoscópico depende da anatomia da hérnia, se a hérnia é primária ou recorrente, da experiência do cirurgião e da opinião do paciente.[6][76][83][85][86] Os riscos e as complicações variam entre as duas abordagens.[78][83] A cirurgia por via aberta é a mais comum, perfazendo a maioria dos reparos de hérnia inguinal.[6][74] Uma abordagem aberta pode ser preferível em relação a uma abordagem laparoscópica para uma hérnia primária unilateral, embora uma abordagem laparoscópica possa ser apropriada para alguns pacientes, dependendo da disponibilidade de recursos suficientes e da especialidade cirúrgica.[2]

O reparo laparoscópico pode ser preferível para pacientes com recorrência após o reparo aberto ou para aqueles com hérnias bilaterais que possam ser reparadas simultaneamente.[2][74][76][86][87][88]

Duas revisões breves recentes oferecem algoritmos para decisões de tratamento.[11][62] As metanálises mais recentes constataram que os três reparos mais comuns são comparáveis.[64]

Tela protésica

A malha de polipropileno é o material protético mais popular usado na reparação da hérnia. É importante utilizar uma prótese que seja do tamanho apropriado. Estudos com acompanhamento de longo prazo não demonstram vantagem em usar telas leves mais modernas em relação às versões mais antigas e pesadas.[89][90] A tela mosquiteira de baixo custo tem sido usada com sucesso em países de baixa renda na África Subsaariana e pode ser usada em países em desenvolvimento.[91][92] No entanto, um tipo adequado de tela pode não estar prontamente disponível em países em desenvolvimento.[93] Caso a tela seja infectada, geralmente ela precisa ser removida. É incomum haver recorrência da hérnia após a remoção de uma tela infectada.[94]

Biopróteses obtidas de pele cadavérica ou de mucosa intestinal de origem suína são indicadas em um reparo de hérnia que esteja associado a áreas cirúrgicas contaminadas.[95][96] Neste caso, o uso de tecido local está associado a uma alta taxa de recorrência, e a tela protética padrão está associada a um significativo risco de infecção. As biopróteses não são utilizadas rotineiramente em reparos eletivos de hérnia inguinal.

Questões iniciais com relação à dor pós-operatória atribuída a próteses de tela mostraram-se injustificadas.[97] Da mesma forma, questões com relação à infertilidade também foram refutadas.[98][99]

Hérnia encarcerada ou estrangulada

Uma hérnia é encarcerada quando os conteúdos da hérnia não podem ser reduzidos para dentro da cavidade abdominal. O intestino e o omento, que passam através do estreito pertuito da hérnia, podem se tornar encarcerados e edematosos, o que pode causar o aumento do edema e o sequestro de fluidos no lúmen intestinal. Isso pode causar obstrução intestinal, comprometimento do suprimento de sangue ao intestino e, consequentemente, estrangulamento.

O reparo cirúrgico urgente é indicado para as hérnias agudas encarceradas.[2] A abordagem cirúrgica ideal não é conhecida,[2] mas uma abordagem laparoscópica pode ser considerada na ausência de estrangulamento.[100] Às vezes, é possível reduzir uma hérnia encarcerada com o paciente sedado, mas é preciso tomar cuidado para se evitar empurrar uma porção morta do intestino com o saco herniário para dentro da cavidade peritoneal (hérnia em massa). O reparo com tela é indicado se o intestino for viável, mas o reparo sem tela é indicado se o intestino for inviável ou se a sua viabilidade for duvidosa.

Os pacientes devem ser submetidos ao reparo cirúrgico urgente para suspeita de hérnia inguinal estrangulada, pois o intestino pode necrosar se a obstrução subjacente não for rapidamente aliviada.[2][100] Frequentemente, é necessário realizar ressuscitação fluídica, intubação nasogástrica e cateterismo uretral adequados. Na ausência de necrose ou contaminação, o intestino pode ser reduzido e a hérnia reparada com uma tela.[2][100][101] Se o intestino não for viável (gangrenoso) ou for constatada contaminação durante a cirurgia, geralmente a ressecção do intestino é necessária, sendo feito um reparo da hérnia com tecido primário sem tela .[2][100] Deve-se evitar o reparo com tela nesta situação por causa do risco de infecção da tela.

Antibioticoterapia profilática

O uso de profilaxia antibiótica durante o reparo de uma hérnia não complicada é controverso, particularmente porque a taxa de infecção do sítio cirúrgico é baixa.

Em um ambiente de baixo risco (incidência de infecção da ferida ≤5%), a profilaxia antibiótica é:[2][102] [ Cochrane Clinical Answers logo ]

  • sugerida em um paciente de alto risco submetido ao reparo aberto com tela

  • desnecessária em um paciente de risco médio submetido ao reparo aberto com tela

Em um ambiente de alto risco (incidência de infecção da ferida >5%), a profilaxia antibiótica é recomendada para qualquer paciente submetido ao reparo aberto com tela.[2]

A profilaxia antibiótica para o reparo laparoscópico não é recomendada.[2][103][102]

Os pacientes com hérnias inguinais agudamente encarceradas/estranguladas devem receber profilaxia antibiótica.[2] No entanto, o uso de antibióticos é comum nos EUA.

A escolha do esquema de antibioticoterapia depende da orientação local. Uma única dose de uma cefalosporina (por exemplo, cefazolina) tem sido recomendada. Se o paciente tiver fatores de risco para MRSA, a vancomicina deverá ser incluída. Clindamicina ou vancomicina podem ser usadas como uma alternativa para a cefazolina em pacientes alérgicos a antibióticos betalactâmicos.[104] Uma metanálise constatou que os inibidores de beta-lactam/beta-lactamase e as cefalosporinas de primeira geração parecem ser os antibióticos mais eficazes para pacientes adultos submetidos ao reparo de hérnia inguinal.[105] Na falta de evidências definitivas, a profilaxia antimicrobiana em dose única com uma cefalosporina de primeira geração é uma abordagem aceitável para o reparo aberto com tela.

Recorrência após cirurgia

Antes da introdução dos reparos com tela, as taxas de recorrência após o reparo primário da hérnia inguinal foram estimadas entre 10% e 30%.[106] As taxas de recorrência após reparos abertos ou laparoscópicos com tela são bem menores, menos de 2%.[106][107][108] Uma revisão sistemática e metanálise constatou que uma recorrência de hérnia poderia ser evitada a cada 46 reparos com tela em vez de reparos sem tela.[70] O risco de evoluir para uma nova hérnia no lado contralateral após o reparo em um lado foi estimado em 7% a 11% ao longo de dez anos.[109]

Funda para hérnia

Uma funda para hérnia (ou dispositivo que comprime os tecidos sobre o canal inguinal) é um tratamento não cirúrgico tradicional para hérnia inguinal. Quando usada, deve ser aplicada após a redução da hérnia e o alívio dos sintomas. A funda deve manter a hérnia reduzida, minimizando a dor e o desconforto. No entanto, muitos pacientes a consideram incômoda. Além disso, podem ocorrer acidentes com a hérnia (quando a hérnia escapa da funda e pode acabar sendo estrangulada por ela) e atrofia da pele sob a funda. A funda para hérnia não é uma cura. O uso em longo prazo deve ser reservado para pacientes para quem a cirurgia não é adequada, com expectativa de vida limitada, ou que recusam o reparo cirúrgico.

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