Abordagem

O objetivo do tratamento é minimizar os sintomas produzidos pelos geradores da dor identificados usando terapia focada. Além disso, o manejo de comorbidades psiquiátricas é essencial para melhorar os desfechos. Os resultados da anamnese e do exame físico cuidadoso são usados para identificar o diagnóstico individual da dor presente. Em seguida, cada diagnóstico é abordado separadamente.

Dor ginecológica

Um princípio fundamental da medicina é a associação de uma etiologia específica do tecido como um diagnóstico. Dor pélvica crônica em mulheres, que é relacionada ao período da menstruação ou que é reproduzida pela manipulação uterina, geralmente pode ser denominada de dor ginecológica. Dentro dessa categoria, há uma ampla variedade de diagnósticos, incluindo adenomiose, endometriose e mioma uterino.[12]

Para a maioria das dores ginecológicas, o manejo começa com medicamentos anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs), tipicamente combinados com alguma forma de supressão da ovulação.[25]​ As opções de tratamento de primeira linha incluem supressão ovariana clínica com um contraceptivo oral combinado cíclico. A dosagem intermitente resulta na supressão do sangramento mensal. Uma história completa deve ser obtida e os Critérios Clínicos de Elegibilidade para uso de contraceptivos devem ser aplicados para determinar o uso seguro de contraceptivos para supressão menstrual.[43][44][45]​​​​​​ Se o tratamento contraceptivo falhar ou se a paciente apresentar sintomas intensos, pode-se fazer uma tentativa de supressão ovariana contínua usando um contraceptivo oral combinado contínuo, com o objetivo de se eliminar a menstruação de forma geral.

As outras opções de segunda linha incluem o uso de contracepção hormonal de ação prolongada (por exemplo, medroxiprogesterona) ou de um dispositivo intrauterino (DIU) de levonorgestrel.[25]

A medroxiprogesterona fornece uma opção injetável de tratamento com o objetivo de induzir amenorreia. No entanto, foi relatado aumento do risco de meningioma em pacientes que recebem doses altas de medroxiprogesterona por vários anos (inclusive formulações injetáveis) em estudos epidemiológicos e relatos de casos, embora o risco absoluto pareça ser baixo.[46] Assim, doses altas de medroxiprogesterona podem ser contraindicadas em pacientes com meningioma ou história de meningioma, e o tratamento deve ser interrompido em pacientes diagnosticadas com meningioma durante o tratamento.[47]

O DIU de levonorgestrel foi estudado de maneira mais extensiva e tem eficácia comprovada na dor pélvica crônica.[48]

Para pacientes sem resposta ao tratamento clínico inicial, a laparoscopia pode atuar para o diagnóstico e para fins terapêuticos, embora haja limitações significativas aos seus benefícios em longo prazo.[25]​​[49] Como um procedimento diagnóstico, endometriose, aderências e outros problemas anatômicos relacionados a dor pélvica crônica podem ser encontrados. Frequentemente, essas entidades podem ser lidadas ao mesmo tempo através de fulguração ou excisão da endometriose e da lise de aderências. Quando a endometriose é encontrada e tratada, o acompanhamento com supressão menstrual melhora o efeito da cirurgia. Ainda permanecem questões significativas referentes à relação da endometriose e da dor.[50] O surgimento de nervos dentro de implantes de endometriose e a sensibilização central podem ser importantes fatores no desenvolvimento e manutenção da dor em alguns pacientes.[51]

A indução da menopausa com agonistas do hormônio liberador de gonadotrofina (GnRH, que podem incluir terapia de reposição de estrogênio add-back) é a opção final de tratamento clínico para pacientes que não apresentaram resposta ao tratamento de supressão ovariana cíclico e contínuo e laparoscopia. Vários medicamentos e vias estão disponíveis. Por conveniência e para melhorar a adesão terapêutica, alguns podem ser administrados a cada 3 meses. Consulte Endometriose.

Pacientes com endometriose não operável podem ser candidatos à menopausa clinicamente induzida. Sem induzir a menopausa (seja clínica ou cirurgicamente), a recorrência da endometriose é esperada, resultando em laparoscopias repetidas. Devido à elevação nas complicações após cada cirurgia subsequente, essa abordagem deve ser evitada, se possível. Os benefícios do tratamento cirúrgico em comparação ao clínico não foram demonstrados de maneira conclusiva; uma abordagem individualizada com base no aconselhamento cuidadoso da paciente e no manejo de expectativas pode fornecer os melhores resultados.[52]

Se não houver pretensão de nova gestação, a histerectomia pode ser muito eficaz no combate da dor com base ginecológica,​​ mas até 20% das pacientes poderão retornar para realizar uma ooforectomia mais tarde.[53] [ Cochrane Clinical Answers logo ] ​ Para erradicar a endometriose de maneira completa, uma ooforectomia concomitante também pode ser necessária. Avaliação cuidadosa para outras causas da dor pélvica crônica é necessária para se oferecer os desfechos cirúrgicos ideais.

Cistite intersticial

O diagnóstico e o tratamento da cistite intersticial (síndrome da bexiga dolorosa) evoluíram para incorporar uma abordagem multimodal que categoriza os tratamentos em comportamental, clínico, instilação, procedimento e cirurgia.[3]

Muitas pacientes com cistite intersticial podem descobrir fatores dietéticos desencadeantes da dor, os quais podem incluir cafeína, alimentos ácidos, comidas picantes e uma ampla variedade de outros itens alimentares. Algumas pacientes conseguem alívio significativo através da modificação cuidadosa dos hábitos alimentares. Manter um diário alimentar pode ajudar a identificar possíveis alimentos desencadeantes.[3][54]​​

As terapias iniciais incluem anti-histamínicos, polissulfato sódico de pentosana e analgésicos leves. Podem ser usadas combinações desses medicamentos. A pentosana é eficaz somente em cerca de 50% das pacientes, após 6 meses de tratamento.[55] A pentosana está relacionada à heparina e, portanto, deve ser evitada em pacientes que tomam anticoagulantes concomitantes ou naqueles com risco de consequências graves decorrentes de sangramento. A exposição a pentosana também foi associada à maculopatia; portanto, a fundoscopia periódica é necessária durante o tratamento.[3]

A terapia de instilação vesical (também conhecida como instilação intravesical) pode ser feita com várias combinações diferentes de medicamentos, administrados 2 ou 3 vezes por semana por 6 semanas.[56]​ A instilação é então repetida quando necessária. Muitos componentes individuais foram experimentados, incluindo a lidocaína alcalinizada, a heparina, o dimetilsulfóxido e outros, usados em várias combinações.[3] A uretra e a vulva são higienizadas usando uma solução antisséptica estéril, e uma seringa urológica de geleia de lidocaína é aplicada na uretra, passando a geleia de lidocaína dentro da bexiga. Um cateter vesical fino e reto é então passado pela uretra para dentro da bexiga e a mistura de instilação é derramada dentro da bexiga. As pacientes são incentivadas a segurar a solução pelo maior tempo possível e indicar a extensão, se houver, do alívio que sentiram com a solução dentro da bexiga. Alguns pacientes podem sentir alívio prolongado, mesmo após a micção, e a mudança nos sintomas ajuda a medir a probabilidade de cistite intersticial. Os riscos em geral são muito baixos, mas incluem infecção do trato urinário, que deve ser descartada antes do início do tratamento.

O alívio dos sintomas da dor vesical no momento da instilação com lidocaína alcalinizada é o diagnóstico de dor de origem vesical, isto é, cistite intersticial, se infecções já tiverem sido descartadas. Pacientes que relatam alívio da dor vesical com a instilação (por qualquer período de tempo) geralmente podem esperar alívio de longo prazo com a hidrodistensão.

Para pacientes com cistite intersticial, a hidrodistensão é um tratamento de segunda linha que pode ser tanto diagnóstico quanto terapêutica. Há muitos protocolos diferentes que foram sumarizados e revisados.[57] No entanto, nem todas as pacientes responderão à distensão. A cistite intersticial é uma doença recidivante em muitos casos. Portanto, as pacientes devem esperar tratamentos múltiplos, possivelmente a cada 3 meses. A otimização do tratamento clínico diminui a necessidade de repetir a hidrodistensão. A complicação principal específica à distensão é a ruptura da bexiga, que pode ocorrer em até 10% em algumas séries.[58]

A implantação de neuroestimulador é usada quando todos os outros esforços para controlar a dor falharam.[3][59]​​ Vários aparelhos diferentes estão disponíveis, sendo que todos eles se baseiam na colocação de um eletrodo no nervo pudendo ou outra raiz nervosa, sob anestesia. Em seguida, um pulso elétrico é tonicamente produzido para suprimir a ação do nervo. A taxa de resposta varia entre 40% e 70%; no entanto, dados que justifiquem o uso de neuroestimulador são limitados.[60]

A neuromodulação química com toxina botulínica tornou-se um tratamento padrão para pacientes com urgência miccional e polaciúria resistentes a medicamentos. Há evidências de que a injeção de toxina botulínica do tipo A intradetrusora também reduz a dor e melhora a qualidade de vida, mas os efeitos são de curta duração.[3] A toxina botulínica do tipo A injetada no contexto ambulatorial permite o alívio dos sintomas e minimiza o risco de retenção urinária aguda que requer autocateterismo. Pequenos estudos demonstraram a eficácia desse tratamento combinado com a hidrodistensão.[61]

Os pacientes com úlceras de Hunner requerem manejo procedimental inicial. A American Urological Association recomenda a fulguração (com eletrocauterização) e/ou injeção de triancinolona. A ciclosporina por via oral é uma opção para os pacientes com sintomas persistentes ou refratários.[3] Consulte Cistite intersticial (síndrome da bexiga dolorosa).

Fibromialgia

A fibromialgia deve ser individualizada e multimodal. Pode incluir educação do paciente, automanejo, atividade física, farmacoterapia e terapias psicológicas. A terapia farmacológica pode incluir antidepressivos tricíclicos, gabapentina ou inibidores da recaptação de serotonina-noradrenalina (IRSNs).[62][63][64][65]​​​​​​​ A terapia farmacológica é, no melhor dos casos, levemente eficaz para a minoria dos pacientes.[66]​ Consulte Fibromialgia.

A injeção no ponto-gatilho é uma terapia de segunda linha e pode ser feita usando uma variedade de agentes.[26]​ Inicialmente, a infiltração precisa da área sensível com anestésicos locais (como a lidocaína 1%) pode promover alívio imediato e atuar para o diagnóstico e para fins terapêuticos. A resposta da paciente à injeção no ponto-gatilho pode incluir alívio prolongado, alívio mínimo ou uma exacerbação de curto prazo dos sintomas depois que o efeito do anestésico acaba. Pacientes que não conseguem identificar um ponto-gatilho distinto (ou pontos) provavelmente não obterão benefícios. Uma área de dor reproduzível deve ser discernida antes da injeção. As pacientes devem ser questionadas durante a injeção para garantir que o ponto-gatilho real seja tratado. A falha em aliviar os sintomas indica que o ponto-gatilho não foi encontrado ou que a paciente não tem um ponto-gatilho passível de terapia de injeção. Pacientes cujos pontos-gatilho foram corretamente injetados relatarão alívio imediato dos sintomas, o que deve ser reproduzível pelo examinador. Devido à ação de anestésicos locais, uma sensação de queimação sempre precederá o alívio da dor.

Pode ser necessário repetir as injeções, e elas também podem ser feitas usando toxina botulínica ou punção seca (acupuntura). Alguns pacientes responderão à liberação do ponto-gatilho com massagem ou fisioterapia.[36]

Síndrome do músculo elevador do ânus (mialgia tensional do assoalho pélvico)

O manejo inicial inclui AINEs e fisioterapia, geralmente chamada de massagem Thiele. A maioria das pacientes consegue tolerar um certo nível de fisioterapia, especialmente massagens. Frequentemente, a adição da fisioterapia pode melhorar os sintomas em pacientes que aderem ao tratamento.[26][67] Exercícios de alongamento dos grupos musculares afetados também podem ser benéficos. Exercícios físicos podem exacerbar os sintomas originados em músculos.

Injeções no ponto-gatilho têm demonstrado benefícios.[36]

Vulvodinia

O uso de um anestésico tópico aplicado à área afetada, antes da relação, pode controlar a vulvodinia e permitir uma relação sexual confortável.[68][69]​ O uso de lidocaína em longo prazo falhou em fornecer resposta significativa além do placebo.[70]

A amitriptilina ou a gabapentina podem ser usadas como adjuvante de maneira similar à fibromialgia.[71] No entanto, devido aos crescentes relatos de abuso e aos potenciais riscos associados com gabapentina, os médicos devem considerar opções de tratamento alternativo à gabapentina para o manejo da dor pélvica crônica, particularmente em pacientes sem patologia pélvica identificável.[72][73]​​

Se a abordagem de primeira linha falhar, a excisão cuidadosa da área dolorida pode ser considerada.[74]​ A remoção parcial do vestíbulo pode ser considerada em pacientes cuidadosamente selecionados.[69]​ Tais pacientes devem ter evidência clara de dor provocada, localizada em pequenas áreas do vestíbulo e não terem respondido aos manejos conservadores. Deve haver cautela para evitar estenose vaginal após a excisão.

O uso deste conteúdo está sujeito ao nosso aviso legal