Etiologia

Os gânglios da base desempenham um papel importante no controle dos movimentos. Os circuitos entre o córtex-gânglios da base-tálamo-córtex estabelecem a base anatômica para as funções dos gânglios da base. A distonia é caracterizada por um desequilíbrio entre as vias excitatórias e inibitórias nos circuitos. Os principais neurotransmissores nessas vias são o ácido gama-aminobutírico (GABA), glutamato e dopamina.[11]

As distonias são classificadas de acordo com as características clínicas (eixo `1 de classificação) e etiologia (eixo 2 de classificação).[6][7]​ A classificação ao longo do eixo das características clínicas considera a idade ao início, a distribuição corporal, o padrão temporal e a presença e o tipo das características associadas. A classificação ao longo do eixo etiológico inclui a presença ou ausência de neurodegeneração ou de lesões estruturais estáticas, bem como a etiologia específica, a qual pode ser adquirida, hereditária ou idiopática.

O elemento de características associadas ao eixo clínico também pode ajudar a separar as diferentes etiologias de distonia. A distonia com ou sem tremor que ocorre na ausência de quaisquer outras características motoras é classificada como distonia isolada, enquanto a distonia combinada envolve a distonia e outros distúrbios do movimento. As distonias complexas são síndromes onde a distonia é o sintoma predominante em meio a outras características neurológicas ou sistêmicas.

Onde uma causa genética específica da distonia é conhecida, ela pode ser denominada de acordo com o tipo de distúrbio combinado com o nome do gene: por exemplo, DYT-TOR1A.[12][13]​​ É importante considerar que as distonias genéticas ou 'herdadas', como nomeadas na classificação de consenso, muitas vezes não são familiares. Os pacientes com distonias genéticas podem ter doença 'esporádica' com nenhum parente afetado devido à herança recessiva da condição, variantes de novo (ou seja, uma nova alteração no paciente) ou penetrância incompleta (um dos pais carrega a variante da doença sem apresentar sintomas).[2]​ Além disso, embora as distonias genéticas possam ser geralmente combinadas com padrões de distonia e outros envolvimentos neurológicos, é importante não descartar um possível diagnóstico genético em um paciente que não corresponda exatamente ao padrão 'clássico' dessa síndrome. O sequenciamento de última geração revelou ampla variabilidade clínica, onde muitos pacientes com distonias genéticas têm fenótipos 'atípicos'. Aqui revisamos alguns exemplos ilustrativos de síndromes de distonia no contexto da classificação das distonias. ​​​

Distonia hereditária, não degenerativa, de início na infância

São conhecidas várias causas genéticas para a distonia de início na infância, sem evidência de neurodegeneração significativa. No entanto, nem todos os loci genéticos foram identificados e a etiologia pode continuar desconhecida em alguns pacientes, mesmo naqueles cuja história familiar indica distonia hereditária. Além disso, a distonia transitória e o desvio tônico paroxístico do olhar da infância frequentemente são idiopáticos quando nenhuma lesão estrutural pode ser identificada.

A distonia isolada sem degeneração, previamente classificada como distonia de torção primária, tem várias causas genéticas, das quais a DYT-TOR1A pode se apresentar na infância.[14] O DYT-TOR1A é um distúrbio autossômico dominante com penetrância incompleta (30%) e expressividade variável, significando que pode ser herdado de um dos pais não afetado ou levemente afetado. Quase todos os pacientes têm uma deleção de 3 pares de bases específica na região codificadora do gene TOR1A (DYT1), que tem um efeito negativo dominante.[15] O gene TOR1A codifica a proteína torsinA, que é altamente expressada, principalmente nos neurônios dopaminérgicos da pars compacta da substância negra, nas células granulosas e piramidais da formação hipocampal, nos neurônios de Purkinje e do núcleo dentado do cerebelo e nos neurônios colinérgicos do neoestriado.[16] Sua função não é conhecida com clareza.

Uma distonia combinada envolvendo mioclonia proeminente em um lactente com distonia focal não progressiva do braço ou cervical, sem neurodegeneração, sugere mioclonia-distonia. A DYT-SGCE, identificada em aproximadamente metade dos casos familiares de mioclonia-distonia, pode ter início na infância. Este é um distúrbio autossômico dominante causado por mutações de perda de função no gene que codifica o épsilon-sarcoglicano, que normalmente se liga ao complexo transmembrana distrofina-glicoproteína.[17] O SGCE é impresso maternalmente, então pode parecer que a DYT-SGCE tem um padrão de herança autossômica recessiva devido à penetrância muito baixa das mutações herdadas maternalmente.[18] A distonia com mioclonia também ocorre na discinesia relacionada a ADCY5.[19]

As distonias paroxísticas podem ocorrer na primeira infância em várias distonias hereditárias.

  • Os distúrbios autossômicos dominantes relacionados a ATP1A3 (incluindo DYT/PARK-ATP1A3) podem envolver as distonias paroxísticas e as não paroxísticas.[20][21]​ Os pacientes com hemiplegia alternante da infância tipicamente têm paroxismos envolvendo uma distonia assimétrica, a qual pode se generalizar, e depois é seguida por hemiplegia ou tetraplegia, e resolvida pelo sono; os pacientes também têm anormalidades do movimento ocular e atraso no desenvolvimento, com epilepsia em cerca de 40%.[22] Outro padrão temporal é o início abrupto de deficits motores desencadeados por febre (como distonia, fraqueza generalizada e/ou ataxia) associados com encefalopatia, seguidos por deficits persistentes ou de remissão lenta. Esta apresentação ocorre nos pacientes com ataxia cerebelar, arreflexia, pé cavo, atrofia óptica, síndrome de perda auditiva neurossensorial (CAPOS), bem como com outros fenótipos de mutação do ATP1A3, variadamente referidos como distonia-parkinsonismo atípico de início rápido, fraqueza paroxística induzida por febre e encefalopatia ou encefalopatia recidivante com ataxia cerebelar.

  • A discinesia relacionada a ADCY5 (CHOR/DYT-ADCY5), um distúrbio autossômico dominante, envolve um padrão temporal flutuante e paroxísticos de discinesias mistas, incluindo distonia, coreia e mioclonia.[19] Essas discinesias envolvem tipicamente a face e também o pescoço e os membros. A discinesias podem ocorrer durante o sono, o despertar e o torpor, e em outros momentos do dia ou da noite. As variantes com evidência sugerindo tanto ganho de função (com algumas variantes de sentido incorreto) quanto perda de função (com uma variante de splicing de um sítio) foram observadas.

  • Distúrbio do movimento paroxístico (PxMD)-PRRT2: o espectro de distúrbios autossômicos dominantes associados com PRRT2 incluem discinesia paroxística cinesiogênica (PKD), PKD/convulsões infantis, epilepsia infantil familiar benigna, ataxia episódica e enxaqueca hemiplégica.[23][24][25]​ Os paroxismos são breves, desencadeados por movimento ou estímulo, e envolvem distonia unilateral ou bilateral e/ou outras discinesias. O distúrbio é causado por variantes de perda de função no PRRT2, incluindo microdeleções raras envolvendo o gene inteiro.

  • PxMD-PNKD, um distúrbio autossômico dominante, contribui para alguns casos de discinesia paroxística não cinesiogênica (PNKD) familiar. Os paroxismos envolvem tipicamente coreia e distonia afetando os membros, a face e o tronco, com 10 a 60 minutos de duração. Além deste quadro clínico, um padrão de características pode ajudar a distinguir os pacientes positivos dos negativos para mutação do PNKD: início na primeira infância ou infância, história familiar dos parentes afetados com crises desencadeadas por cafeína e álcool, exame neurológico normal entre as crises e resposta aos benzodiazepínicos.[26]

  • O PxMD-SLC2A1 faz parte do espectro de distúrbios autossômicos dominantes associados às variantes do SLC2A1 (transportador 1 da glicose [GLUT1]).[27] As variantes patogênicas do SLC2A1 podem causar discinesias paroxísticas induzidas por exercícios na ausência de outras manifestações neurológicas, ou como parte da síndrome de deficiência de GLUT1 com encefalopatia epilética, espasticidade e outros sintomas motores.

Distonia hereditária de início na infância devido a distúrbios dos neurotransmissores

Os distúrbios do metabolismo ou transporte dos neurotransmissores provocam várias distonias combinadas e complexas.

  • A distonia dopa-responsiva (síndrome de Segawa, distonia-parkinsonismo com variação diurna) resulta de defeitos no metabolismo dos neurotransmissores de monoamina (serotonina, dopamina, noradrenalina e adrenalina).[28] Ela é caracterizada pela excelente resposta sustentada ao tratamento com levodopa. A maioria dos pacientes tem flutuação diurna, com piora no fim do dia e o início costuma envolver as pernas. A forma mais frequente, a deficiência de guanosina trifosfato ciclo-hidrolase I (DYT/PARK-GCH1), é um distúrbio autossômico dominante com um fenótipo autossômico recessivo alélico mais grave. O GHC1 codifica a enzima que limita a taxa de biossíntese da tetraidrobiopterina (BH4), um cofator necessário para as reações de fenilalanina, tirosina e triptofano hidrolase durante a biossíntese dos neurotransmissores de monoamina.[29] Uma forma autossômica recessiva mais rara de distonia dopa-responsiva é a deficiência de tirosina hidroxilase (DYT/PARK-TH). A tirosina hidroxilase é a enzima que limita a taxa de biossíntese das catecolaminas dopamina, noradrenalina e adrenalina.[30] Outras formas de deficiência de BH4 também podem causar distonia dopa-responsiva, como a 6-piruvoil-tetraidropterina sintase (DYT/PARK-PTS), di-hidropteridina redutase (DYT/PARK-QDPR) e sepiapterina redutase (DYT/PARK-SPR).[28]

  • A deficiência de descarboxilase L-aminoácidos aromáticos (AADC) (DYT-DDC), um distúrbio autossômico recessivo, também envolve deficiências de serotonina, dopamina, noradrenalina e adrenalina porque a AADC é responsável pela descarboxilação da dopa para dopamina e 5-hidroxitroptofano para serotonina. O fenótipo inclui distonia dos membros e facial, que às vezes tem flutuação diurna, bem como crises oculogíricas, torcicolo, coreoatetose, mioclonia, parkinsonismo, atraso no desenvolvimento e manifestações autonômicas.[28] Poucos pacientes melhoram com a levodopa ou com agonistas dopaminérgicos. Uma terapia de substituição genética usando vetores virais injetados nos núcleos da base está em desenvolvimento clínico e foi aprovada para uso na Europa.[31][32][33]

  • A síndrome de deficiência do transportador de dopamina (DYT/PARK-SLC6A3, distonia-parkinsonismo infantil) é uma distonia complexa autossômica recessiva que pode envolver distonia, parkinsonismo e coreia.[34] As outras características incluem hipotonia axial, anormalidades do movimento extraocular, como falha na iniciação dos movimentos sacádicos e flutter ocular, mioclonia palpebral, atraso no desenvolvimento e transtorno de deficit da atenção com hiperatividade. O início em todas as faixas etárias até a idade adulta foi descrito, mas a forma com início na infância começa tipicamente nos primeiros 6 meses de vida. Os pacientes podem ter status dystonicus recorrente e crises oculogíricas. O distúrbio resulta de variantes bialélicas de perda de função no SLC6A3, que codifica um transportador da dopamina expressado nos neurônios da substância negra e da área tegmental ventral. A diminuição da atividade do transportador da dopamina resulta em comprometimento da recaptação da dopamina pela sinapse e depleção da dopamina no neurônio pré-sináptico.[34][35]

  • A doença do transporte vesicular de dopamina-serotonina é uma distonia complexa autossômica-recessiva relatada em algumas famílias consanguíneas devido a variantes de sentido incorreto homozigóticas no SLC18A2.[36][37][38]​ O fenótipo motor incluir distonias (persistente, paroxística e durante a caminhada) com crises oculogíricas e também parkinsonismo, tremor, coreia, mioclonia, outras anormalidades do movimento ocular e ataxia. As outras manifestações podem incluir hipotonia, hiporreflexia, atraso no desenvolvimento, epilepsia e disfunção autonômica. Os sintomas pioram com o levodopa, mas melhoram com o pramipexol. O SLC18A2 codifica o transportador 2 de monoaminas vesiculares, que carrega as vesículas pré-sinápticas com neurotransmissores de monoamina e é necessário nos neurônios monoaminérgicos para sinalizar a dopamina, a serotonina e o GABA.

  • Embora não seja a característica primária desses distúrbios, a distonia também pode ser observada na deficiência de folato cerebral, deficiência de succinato semialdeído desidrogenase (um distúrbio do metabolismo de GABA), dependência de piridoxina e dependência de piridoxal fosfato.[28]

Distonia hereditária de início na infância devido a outros distúrbios metabólicos

Outros erros inatos do metabolismo podem causar distonias complexas que envolvem frequentemente uma combinação de distonia generalizada, outros distúrbios do movimento, manifestações neurológicas como a encefalopatia e convulsões e manifestações sistêmicas.[39] A neuroimagem pode exibir lesões dos gânglios da base e os pacientes podem ter status dystonicus.

  • As acidemias orgânicas com metabólitos neurotóxicos podem causar lesões agudas nos gânglios da base ou 'AVC metabólico' durante as crises encefalopáticas e lesões progressivas crônicas. A acidemia orgânica associada com mais frequência à distonia é a acidúria glutárica tipo 1. Ela é causada pela deficiência na atividade da glutaril-CoA desidrogenase, uma enzima da matriz mitocondrial que age na descarboxilação oxidativa do glutaril-CoA em crotonil-CoA na via de degradação para lisina, hidroxilisina e triptofano.[40]​​ A distonia também pode ser vista na: acidemia metilmalônica, na acidemia propiônica e na encefalopatia aguda por leucina devida à doença da urina em xarope de bordo; e como um sintoma crônico nos distúrbios do metabolismo intracelular da cobalamina, como a deficiência de cobalamina C e os distúrbios degenerativos como a síndrome MEGDEL com aciduria 3-metilglutacônica.

  • Síndrome de Lesch-Nyhan (DYT/CHOR-HPRT) é um distúrbio recessivo ligado ao X do metabolismo da purina com um fenótipo motor caracterizado por comportamento autolesivo e paralisia cerebral discinética com distonia proeminente.[41] Os pacientes podem ter coreoatetose, balismo, hipotonia com atraso motor, disartria, disfagia e espasticidade, bem como manifestações sistêmicas de hiperuricemia, cristaluria, cálculos renais, nefropatia por uratos e anemia megaloblástica. Esse distúrbio é causado por variantes de perda de função no HPRT (hipoxantina-guanina fosforribosiltransferase), o qual codifica uma enzima de salvamento de purinas necessária para recuperar nucleotídeos de inosina ou guanosina monofosfato, respectivamente, das bases livres hipoxantina ou guanina.

  • Entre as encefalomielopatias mitocondriais, a síndrome de Leigh é caracterizada por perda neuronal, gliose e lesões necrosantes globais bilaterais e simétricas, preferencialmente localizadas nos gânglios da base, no tálamo e no tronco encefálico.[42] Além disso, a relativa preservação da função cognitiva e a ausência de disfunção muscular e cardíaca, apesar das lesões necróticas nos gânglios da base, podem ser observadas na distonia de início na infância e na atrofia óptica decorrente de variantes patogênicas de MECR, um distúrbio autossômico recessivo que afeta a última etapa da via de novo da síntese de ácidos graxos mitocondriais.[43]

  • A síndrome de Allan-Herndon-Dudley (ADHS, deficiência ligada ao cromossomo X do transportador 8 de monocarboxilato) ocorre em meninos com variantes patogênicas no gene MCT8/SLC16A2, que geralmente têm hipotonia ao nascer com atraso acentuado no desenvolvimento global observado aos 6 meses de vida e depois distonia e outras discinesias.[44] A ressonância nuclear magnética (RNM) mostra atraso na mielinização. Os testes diagnósticos mostram resultados anormais patognomônicos do exame tireoidiano, incluindo T3 elevado, T3 reverso reduzido, T4 e hormônio estimulante da tireoide normais ou às vezes ligeiramente anormais, e variantes patogênicas no MCT8/SLC16A2.

  • As síndromes de deficiência de creatina cerebral se apresentam com atraso global no desenvolvimento, epilepsia e hipotonia, com alguns pacientes tendo distonia, coreoatetose, ataxia e/ou comportamento autolesivo. Três desses distúrbios se devem reconhecidamente à perda de enzimas de biossíntese da creatina (guanidinoacetato metiltransferase autossômica recessiva [GAMT] e arginina:glicina amidinotransferase [AGAT/GATM]) ou o transportador da creatina cerebral (SLC68A ligado ao X); todos os três demonstram depleção da creatina cerebral na espectroscopia por ressonância magnética.[45]

  • Doença dos núcleos da base responsiva a biotina-tiamina (BTBGD, DYT-SLC19A3), um distúrbio autossômico recessivo devido a variantes patogênicas no gene que codifica o transportador 2 de tiamina, tem um fenótipo clássico de episódios encefalopáticos agudos ou subagudos desencadeados por febre ou outros estressores, que envolvem distonia, rigidez, espasticidade, convulsões e, em alguns casos, envolvimento cerebelar.[46] A RNM durante a fase aguda mostra lesões bilaterais e simétricas dos gânglios da base (com lactato elevado na espectroscopia por ressonância magnética), com subsequente atrofia crônica. Outras apresentações infantis deste distúrbio são os espasmos infantis atípicos e uma síndrome semelhante à de Leigh com acidose láctica.

Distonia hereditária de início na infância, com fenótipo complexo

Nos distúrbios neurodegenerativos, a distonia ocorre tipicamente como um dos vários sintomas progressivos, como a encefalopatia, epilepsia, espasticidade, microcefalia adquirida ou manifestações sistêmicas.

  • Os distúrbios do armazenamento lisossomal associados à disfunção neurológica progressiva incluem a doença de Niemann-Pick tipo C, as gangliosidoses GM1 e GM2 e a doença de Gaucher.[47]​ Por exemplo, postura anormal, rigidez (distonia ou espasticidade decorrente de disfunção do tronco encefálico) e atetose podem observadas no estágio avançado da doença de Gaucher neuronopática aguda do tipo 2 de início precoce, ou na doença de Gaucher neuropática crônica (tipo 3).[48]

  • A neurodegeneração com acúmulo cerebral de ferro (NBIA) inclui um grupo de distúrbios diversos caracterizados por deposição excessiva de ferro no cérebro e sobreposição de fenótipos, incluindo distonia progressiva, coreoatetose, parkinsonismo, anormalidades oculomotoras, envolvimento piramidal, degeneração retiniana, encefalopatia e manifestações sistêmicas. Muitos pacientes (mas, nem todos) com neurodegeneração decorrente de mutações nesses genes têm deposição excessiva de ferro nos núcleos da base, visível como hipointensidade T2 à RNM.[49] Os achados da RNM podem variar entre os pacientes, mas o reconhecimento dos padrões de envolvimento pode auxiliar no diagnóstico.[50]

  • Hipermagnesemia, com distonia e parkinsonismo decorrente de neurotoxicidade: dois desses distúrbios autossômicos recessivos são conhecidos devido a variantes de perda de função em genes que codificam transportadores de cátions divalentes, SLC30A10 e SLC39A14.[51][52][53]​ Em ambos os distúrbios, os pacientes geralmente têm uma evolução progressiva, começando com perturbações motoras (hipotonia, perda de marcos motores, distúrbio da marcha) e depois piora da distonia, parkinsonismo, espasticidade e outros sintomas neurológicos com preservação relativa da cognição e achados à RNM característicos de deposição de manganês. A maioria dos pacientes com mutações do SLC30A10 também tem doença hepática e policitemia. A terapia de quelação para reduzir a carga sistêmica total de manganês pode levar à melhora clínica em ambos os distúrbios.

  • Leucodistrofias/distúrbios com hipomielinização se apresentam frequentemente com hipotonia seguida por espasticidade. Incluem a doença de Pelizaeus-Merzbacher recessiva ligada ao cromossomo X e outras leucodistrofias de hipomielinização herdades de modo autossômico, como a doença GJC2 parecida com Pelizaeus-Merzbacher e a leucodistrofia de hipomielinização relacionada ao TUBB4A. Na hipomielinização com atrofia dos gânglios da base e do cerebelo (H-ABC), representando o grave final da forma de início na infância do espectro fenotípico TUBB4A, a distonia ocorre no contexto de outras perturbações de movimento progressivas, sinais cerebelares e envolvimento piramidal.[54] Disfunções nos genes das aminoacil-tRNA sintetases podem ter apresentações um tanto parecidas: por exemplo, variantes patogênicas bialélicas na AARS (alanil-tRNA sintetase codificada no núcleo) causam encefalopatia epilética com mielinização gravemente atrasada, neuropatia periférica e discinesias (distonias de membros, coreia, blefaroespasmo, discinesia orobucal).[55] Variantes patogênicas no BCAP31, envolvido no transporte do retículo endoplasmático e dos corpúsculos de Golgi, causam a síndrome recessiva ligada ao cromossomo X de distonia com surdez e hipomielinização.[56]

  • A síndrome de Aicardi-Goutières (AGS) é uma interferonapatia do tipo I (distúrbio monogênico com up-regulation anormal da sinalização da interferona do tipo I) resultando das variantes patogênicas em qualquer um dos sete genes relacionados ao metabolismo e à detecção de nucleotídeos.[57][58]​​​​ A maioria dos pacientes tem herança autossômica recessiva, mas vários tipos podem envolver herança dominante. O fenótipo clássico é o início agudo/subagudo de irritabilidade, regressão no desenvolvimento, pirexia estéril recorrente, perniose, hepatoesplenomegalia e manifestações neurológicas, incluindo distonia, espasticidade, hipotonia axial, convulsões e microcefalia adquirida; o curso subsequente pode ser estático/não progressivo.[59][60]​​​​​ A tomografia computadorizada ou RNM do cérebro mostra calcificações intracerebrais, edema do lobo temporal seguido por atrofia e atrofia cerebral global precoce.[58][61][62][63]​​​​​​​​​ Um diagnóstico genético confirmado é fundamental, dada a sobreposição de características clínicas em vários distúrbios autoinflamatórios.[58] As mutações nos seguintes genes causadores de doenças devem ser incluídas nas análises genéticas: TREX1, RNASEH2A, RNASEH2B, RNASEH2C, SAMHD1, ADAR1, IFIH1, LSM11 e RNU7-1.[58]​ Notadamente, os pacientes com mutações ADAR1 (AG56) podem apresentar distonia aguda ou subaguda e RNM mostrando necrose estriatal bilateral.[57] Geralmente, a análise do líquido cefalorraquidiano (LCR) mostra linfocitose.[58][63][64]

  • Outros genes associados com fenótipos envolvendo a regressão do desenvolvimento infantil e a distonia incluem CYB5R3 (metemoglobinemia tipo II), TBCD e VAC14. O TBCD codifica uma chaperona da tubulina envolvida na estruturação dos microtúbulos. Vários grupos relataram variantes patogênicas bialélicas associadas com encefalopatia progressiva neonatal ou de início na infância, com perda de marcos do desenvolvimento, hipotonia, subsequente espasticidade e convulsões e microcefalia adquirida com atrofia cerebral e cerebelar e hipomielinização. Alguns pacientes têm distonia grave.[65] O VAC14 codifica parte de um complexo que regula os níveis de fosfatidilinositol 3,5-bifosfato nos endossomos; dois pacientes com variantes patogênicas VAC14 bialélicas tiveram início rápido de distonia (progredindo das extremidades inferiores para as superiores, mandíbula, pescoço e costas), hipertonia, perda da fala e anormalidades do corpo estriado à RNM.[66]

Em muitos distúrbios do desenvolvimento, a distonia faz parte de um fenótipo complexo junto com outras características sugestivas, porém inespecíficas, como a deficiência intelectual, microcefalia, atrofia cerebral, epilepsia ou cegueira cortical.

  • O ARX está associado a um espectro de transtornos do neurodesenvolvimento ligados ao cromossomo X que abrangem malformações cerebrais graves como lisencefalia, encefalopatia epilética infantil precoce sem malformação e deficiências intelectuais sindrômicas e não sindrômicas.[67] A distonia manual focal bilateral é um padrão característico observado com várias outras manifestações neurológicas, como deficiência intelectual (síndrome de Partington) ou encefalopatia epiléptica infantil precoce (encefalopatia epiléptico-discinética infantil). Também foram observados início generalizado e progressão envolvendo os membros.[68]​ As variantes de perda de função mais graves estão associadas com malformações cerebrais importantes.[67]

  • DYT-KMT2B é uma distonia progressiva generalizada autossômica dominante.[69][70] O início da distonia é tipicamente na infância, com envolvimento inicial dos membros inferiores; poucos pacientes têm distonia começando na primeira infância.[70] Alguns pacientes também têm atraso no desenvolvimento/deficiência intelectual, microcefalia, características dismórficas e outras manifestações sistêmicas.[71] Os sintomas motores respondem à estimulação cerebral profunda do globo pálido interno. KMT2B (MLL4) codifica uma histona H3 lisina 4-específica de lisina metiltransferase, que gera marcas epigenéticas associadas à ativação transcricional.[71]

  • A encefalopatia GNAO1 (transtornos do neurodesenvolvimento com movimentos involuntários [NEDIM]) é um distúrbio autossômico dominante com um espectro incluindo a encefalopatia epilética infantil precoce e os distúrbios do movimento hipercinéticos, com ou sem epilepsia.[72][73] O fenótipo do movimento envolve distonia generalizada progressiva, coreoatetose e discinesias faciais. As exacerbações paroxísticas com status dystonicus e coreia grave podem necessitar de cuidados intensivos. O comportamento autolesivo, as estereotipias e a disfunção autonômica também são observados. Um processo degenerativo subjacente foi proposto com base no curso progressivo e na presença de lesões estruturais, incluindo a atrofia global e a gliose periventricular.[72]

  • Outros genes onde as mutações foram ligadas à malformação cerebral, epilepsia e movimentos hipercinéticos incluem o FOXG1 (distonia, coreia, estereotipias) e GRIN1 (com movimentos hipercinéticos, incluindo as crises oculogíricas aparentes).[74][75]

Distonia adquirida em consequência de medicamentos/toxinas

Na distonia relacionada a medicamentos, a maioria dos medicamentos desencadeantes é antagonista dos receptores de dopamina. Eles podem causar distonia por meio dos receptores de dopamina nos gânglios da base.

Distonia adquirida, outra

No kernicterus, a bilirrubina causa neurotoxicidade seletiva nos núcleos da base, principalmente no globo pálido e no núcleo subtalâmico, cerebelo e núcleos do tronco encefálico pelo comprometimento da homeostase intracelular de cálcio. Isso desencadeia a liberação de citocromo C das mitocôndrias, o que resulta na indução de apoptose.[76]

AVCs isquêmicos ou hemorrágicos, infecções congênitas ou pós-natais, incluindo com o Zika vírus, e encefalite autoimune são possíveis causas de distonia em lactentes, bem como de hipertonia em geral.[7][77]​​​[78]​ Portanto, a distonia pode ocorrer como parte da paralisia cerebral discinética ou espástica, para a qual existem diretrizes de tratamento baseadas na opinião de especialistas.[79]​ No entanto, as lesões estruturais na paralisia cerebral não descartam a possibilidade de uma causa genética subjacente. A etiologia ainda deve ser avaliada conforme apropriado, uma vez que cerca de 30% das crianças com paralisia cerebral em uma coorte apresentaram diagnóstico genético.[80]

Doenças que mimetizam a distonia

Várias doenças mimetizam a distonia. No torcicolo infantil secundário, causado pela infecção na região da cabeça e pescoço, um processo inflamatório irrita os músculos, nervos ou vértebras cervicais.[81]

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