Abordagem

Um cenário clínico comum para os médicos é o achado acidental de um cisto ovariano na ultrassonografia realizada como rotina ou por outras indicações. Independentemente de uma mulher apresentar abdome agudo ou não apresentar sintomas, o objetivo final do diagnóstico é identificar um cisto e determinar o risco de malignidade e a necessidade e o momento da intervenção cirúrgica.[26]​ A idade e o estado menopáusico representam dois componentes críticos da história da paciente, que impactam a escolha do algoritmo diagnóstico. As várias populações de pacientes que apresentam cistos ovarianos e requerem uma modalidade diagnóstica individualizada incluem as mulheres com abdome agudo ou choque, mulheres no pós-menopausa, mulheres em idade pré-menopausa e adolescentes.

Mulheres em choque ou com abdome agudo

Mulheres que não se sentem bem agudamente, com anormalidades nos sinais vitais, sinais de choque e um abdome agudo devem levar o médico a considerar a presença de cisto ovariano que se virou e sofreu uma torção.

Após uma anamnese breve e focada e um exame físico, que inclui o exame pélvico completo, deve-se realizar uma ultrassonografia transvaginal como o primeiro teste diagnóstico. A maioria dos achados ultrassonográficos em torção ovariana é o aumento ovariano.[27] Ocasionalmente, é possível observar outros achados como líquido livre no peritônio, septação e debris dentro de uma massa complexa, e estruturas císticas periféricas.

Anormalidades no fluxo venoso na ultrassonografia com Doppler também apoiam o diagnóstico de torção ovariana.[27] Dor abdominal associada a aumento do ovário e ausência de fluxo venoso ovariano na ultrassonografia com Doppler devem levar a uma exploração cirúrgica para possível torção ovariana. A ultrassonografia pode proporcionar informações importantes, mas elas não devem ser a única base de diagnóstico quando o quadro clínico é preocupante e se justifica uma exploração cirúrgica.

Se o quadro clínico da paciente for sugestivo de torção, mas a ultrassonografia não tiver caráter diagnóstico, a próxima modalidade diagnóstica é a laparoscopia, que não é apenas diagnóstica, mas também terapêutica. A histopatologia do ovário pode ser realizada para confirmar a natureza do cisto.

Mulheres menopausadas

A avaliação do risco de neoplasia maligna é essencial. A importância de um estadiamento cirúrgico preciso e uma cirurgia citorredutora para melhorar os desfechos no câncer de ovário torna esta determinação crucial.

A avaliação deve iniciar com uma anamnese completa para analisar a presença de dor abdominal/pélvica, distensão abdominal, aumento da circunferência abdominal, saciedade precoce e polaciúria/urgência urinária. Dois estudos do tipo caso-controle evidenciaram uma associação significativa desses sintomas com o câncer de ovário, sobretudo quando a duração do sintoma tiver sido <12 meses e a frequência tiver sido >12 vezes ao mês.[28]

Os exames pélvico e bimanual têm pouca sensibilidade e são, portanto, ferramentas de rastreamento limitadas.[29] Nos EUA, o Department of Health and Human Services e o National Cancer Institute não endossam esses exames como exames de rastreamento para cistos ovarianos. A presença dos sintomas acima, ou preocupação com o fato de o exame pélvico não ter fornecido avaliação anexial adequada, deve levar a um exame ultrassonográfico da pelve.

A disponibilidade, a relação custo-efetividade, a tolerabilidade da paciente, a alta concordância interobservador e a excelente sensibilidade tornam a ultrassonografia transvaginal a única modalidade de imagem de escolha.[30][31] A especificidade do exame isoladamente é fraca para diferenciar os cistos malignos dos benignos. O índice morfológico ultrassonográfico de DePriest baseado no volume tumoral, na estrutura da parede e na estrutura septal proporciona um valor preditivo negativo de 100% quando o escore for <5.[32] O valor preditivo positivo para malignidade é de 45%.

Um exame de imagem power Doppler bidimensional pode ser utilizado por ocasião da ultrassonografia, para investigar as características vasculares do cisto e para melhorar a sensibilidade e especificidade da malignidade.[32][33]

Os exames de tomografia computadorizada (TC), ressonância nuclear magnética (RNM) e tomografia por emissão de pósitrons (PET) não acrescentam capacidade diagnóstica na diferenciação de massas benignas de malignas, e o alto custo desses exames impedem o seu uso como exames de rotina.[1][31] A RNM pode melhorar a especificidade quanto à malignidade, mas à custa da sensibilidade.[34]

O marcador tumoral antígeno de câncer (CA)-125 encontra-se elevado em 80% das mulheres com câncer de ovário epitelial, e deve ser o próximo teste a ser solicitado.[31] Não se trata de um teste de rastreamento, uma vez que apenas 50% das pacientes com a doença no estádio 1 demonstram elevações. Mulheres menopausadas com o CA-125 elevado acima do limite superior do normal (35 U/mL) e pré-menopáusicas com valores marcadamente elevados (>200 U/mL) justificam a suspeita de malignidade.[35] Se o soro CA125 for 35 U/mL ou superior, solicite uma ultrassonografia do abdome e da pelve.[36] Medir o nível do biomarcador de HE4 em associação com o biomarcador de CA-125 pode identificar com mais precisão a doença benigna.[37]

Por fim, a compilação de todas essas informações acima em um índice de risco de neoplasia (IRN) auxilia na diferenciação dos cistos benignos dos malignos, com sensibilidade de 78% e especificidade de 87%, quando se usa um escore com um limite de 200.[30] Esse escore incorpora o estado menopáusico (M), a morfologia ultrassonográfica (U) e CA-125 sérico em uma equação, resultando na capacidade de categorizar as mulheres com cisto ovariano em risco baixo, risco moderado ou alto risco de malignidade.[30]

IRN = U x M x CA-125

As ultrassonografias são pontuadas com 1 ponto para cada uma das seguintes características:

  • Cisto multilocular

  • Evidência de áreas sólidas

  • Evidência de metástases

  • Presença de ascite

  • Lesões bilaterais

U = 0 (escore 0 na ultrassonografia)

U = 1 (escore 1 da ultrassonografia)

U = 3 (escore 2 a 5 da ultrassonografia).

M = 3 para todas as mulheres menopausadas como definidas por esta diretriz.

CA-125 é a medição do CA-125 sérico em U/mL.

  • IRN de risco baixo = <25 (40% das mulheres; o risco de câncer é <3%).

  • IRN de risco moderado = 25 a 250 (30% das mulheres; o risco de câncer é de 20%).

  • IRN de risco alto = >250 (30% das mulheres; o risco de câncer é de 75%).

Aspiração com agulha fina (AAF) e citologia do cisto ovariano não são recomendadas por causa da baixa sensibilidade (25% a 82%), valor preditivo negativo e preocupação quanto à possibilidade de o tumor disseminar-se pelo trajeto da agulha.[38] Caso sejam realizadas laparotomia e ooforectomia, a histopatologia do ovário confirmará a natureza do cisto.

Mulheres pré-menopáusicas

Muitas das estratégias de diagnóstico são semelhantes às das mulheres menopausadas. Considera-se que uma mulher está na pré-menopausa até 1 ano depois que as menstruações cessaram.[1] A maioria dos cistos ovarianos nesta faixa etária são benignos, mas o algoritmo de diagnóstico é o mesmo utilizado para as mulheres menopausadas, com exceção do CA-125. Este marcador sérico não é importante porque níveis elevados estão associados a muitas afecções benignas como miomas uterinos, doença inflamatória pélvica (DIP), endometriose, adenomiose, gravidez e menstruação. A avaliação deve começar com uma história completa, incluindo uma história pessoal e familiar detalhada para câncer de mama, câncer ginecológico e câncer de cólon e exame físico. Não foi demonstrado que a investigação para a detecção precoce do câncer de ovário com ultrassonografia transvaginal ou marcadores tumorais, isoladamente ou em combinação, reduz a mortalidade em mulheres que estão em risco médio, e pode resultar em resultados falsos positivos que levam a testes diagnósticos invasivos.[39]

A ultrassonografia transvaginal é recomendada para avaliação de massa anexial.[26][31]​​​ Para avaliar as características vasculares de uma massa complexa, deve-se considerar o exame de imagem com power Doppler bidimensional, que tem um desempenho diagnóstico comprovado em relação ao Doppler colorido padrão.[40] Várias etiologias benignas (endometriomas, DIP, teratomas císticos e hidrossalpinge) podem induzir interpretações falso-positivas em uma ultrassonografia.

O uso de ressonância nuclear magnética na rotina para avaliação de massas ovarianas não melhora a sensibilidade ou especificidade obtida pela ultrassonografia transvaginal na detecção de neoplasia maligna ovariana.[41] Em uma série, a RNM classificou todos os teratomas e endometriomas císticos corretamente, resultando em uma taxa de falso-positivos de apenas 16%.[34] Resultados de RNM negativos não descartam o câncer de ovário em estádio precoce ou limítrofe, e todas as massas que parecem suspeitas na ultrassonografia requerem avaliação cirúrgica com histopatologia para confirmar a natureza do cisto.[40][42]

Se uma massa contiver septações, componentes císticos e sólidos, ou arquitetura francamente sólida na TC ou RNM, a estratégia diagnóstica seguinte é utilizar marcadores tumorais de células germinativas: CA-125, alfafetoproteína (AFP), gonadotrofina coriônica humana beta (beta-hCG), lactato desidrogenase (LDH).[31]

Gestação

Muitos cistos ovarianos serão detectados em ultrassonografias de rotina no primeiro ou segundo trimestre da gestação. A ultrassonografia seriada é realizada para monitorar o crescimento e a torção. A ausência de fluxo venoso na ultrassonografia com Doppler indica a possibilidade de torção. Um crescimento que acelera rapidamente, ou que continua após 16 a 20 semanas, pode identificar cistos que vão continuar a complicar a duração da gestação.

Adolescentes

Os cistos ovarianos representam um desafio diagnóstico entre as mulheres de 10 a 19 anos, pois as neoplasias benignas ultrapassam numericamente as massas malignas e o quadro clínico geralmente não define o diagnóstico.[43][44]

Nas mulheres adolescentes com dor na parte inferior do abdome, é necessário realizar uma investigação clínica cuidadosa, incluindo um exame abdominal, exame bimanual e exame retal. É importante obter os sinais vitais e o hemograma completo inicial para assegurar a estabilidade clínica.

O exame ultrassonográfico (transabdominal e transvaginal) continua sendo o teste diagnóstico inicial de escolha. Em um estudo em que 44 adolescentes apresentaram esses sintomas, a ultrassonografia teve acurácia de 100% no diagnóstico de patologia ovariana.[43]

Para identificar o risco de malignidade especificamente, a ultrassonografia com Doppler colorido e TC ou RNM podem proporcionar informações adicionais. No entanto, são utilizados seletivamente nos casos em que a incerteza permanece após a ultrassonografia. A RNM pode auxiliar especificamente na caracterização de tecidos moles.

A avaliação da distribuição de vasos e do fluxo vascular com o Doppler colorido aumenta a detecção diagnóstica de neoplasia. Se uma massa contiver septações, componentes císticos e sólidos, ou arquitetura francamente sólida na TC ou RNM, a estratégia diagnóstica seguinte é utilizar marcadores tumorais de células germinativas: CA-125, alfafetoproteína, beta-hCG, LDH.[31]

Aproximadamente 20% de todos os cistos ovarianos nesta faixa etária originam-se da linhagem de células germinativas, mas <5% são malignos.[45] Não se identificou nenhum estudo que detalhasse a associação desses marcadores tumorais de células germinativas com o diagnóstico da patologia.

Entre as pacientes que estão na pré-menarca com um cisto ovariano suspeito, deve-se solicitar o cariótipo para confirmar o complemento cromossômico XX e, assim, descartar um testículo não descido em um genótipo masculino com insensibilidade androgênica.[43]

Depois de concluir a investigação acima, pode-se realizar uma exploração cirúrgica para aquelas pacientes com cistos com suspeita de etiologia não fisiológica. No entanto, deve-se adotar uma terapia cirúrgica conservadora para preservar a função ovariana.

Novos exames

O risco de câncer de ovário em mulheres com massa ovariana (para a qual a cirurgia é planejada) pode ser avaliado usando um algoritmo (sistema de teste de escore de avaliação de massa anexial ovariana) que incorpora os resultados de 5 biomarcadores séricos (transtirretina [pré-albumina]), apolipoproteína A-1 , beta-2 microglobulina, transferrina e CA-125) com informações sobre a situação de menopausa. Early Detection Research Network, National Cancer Institute: OVA1 Opens in new window O teste não é destinado a ser um teste rastreamento ou de diagnóstico só por si.

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