Abordagem

O tratamento da síndrome das pernas inquietas (SPI) primária tende a ser sintomático. O tratamento da causa subjacente na SPI secundária pode potencialmente curar a SPI.

A gravidade dos sintomas pode ser classificada usando escalas de gravidade, mas a decisão sobre o tratamento também depende do impacto dos sintomas no sono e na qualidade de vida do paciente.

Considerações gerais em todos os pacientes

Avalie o estado de ferro e considere a reposição adequada de ferro conforme necessário.[23][27][33]

  • Há evidências substanciais de que os pacientes com SPI têm estoques de ferro abaixo do normal em algumas regiões do cérebro e que o tratamento com ferro pode ser benéfico, mesmo na ausência de anemia ou de deficiência de ferro sistêmica. O estado do ferro deve ser avaliado em todos os pacientes.

  • Uma avaliação completa do ferro deve incluir ferro sérico, ferritina, capacidade total de ligação do ferro e porcentagem de saturação de transferrina (TSAT), e deve ser medida no início da manhã após um jejum noturno.

  • Se a ferritina sérica estiver ≤169 picomoles/L (≤75 nanogramas/mL) e a TSAT for <45%, trate com reposição oral de ferro e vitamina C (para aumentar a absorção). A ferritina sérica pode estar falsamente elevada na presença de inflamação, daí a justificativa para incluir a TSAT na decisão de tratamento.

  • Nenhum tratamento com ferro deve ser usado se a TSAT estiver >45% para minimizar o risco de sobrecarga periférica de ferro.

  • A ferritina deve ser verificada novamente após 3-4 meses e, a seguir, a cada 3-6 meses até que a ferritina sérica esteja >225 picomoles/L (>100 nanogramas/mL). Se não houver uma causa para deficiência de ferro continuada, o tratamento poderá ser interrompido. Ele deve ser reiniciado se a SPI se agravar, a menos que a ferritina sérica esteja ≥674 picomoles/L (≥300 nanogramas/mL) (o limite superior seguro geralmente aceito).

  • Considere ferro intravenoso se estiver presente uma SPI persistente crônica moderada a grave ou refratária grave e a ferritina estiver <225 picomoles/L (<100 nanogramas/mL) e a TSAT <45% e qualquer um dos seguintes estiver presente:

    • Falha no tratamento com ferro oral: intolerância ou falta de eficácia apesar de uma tentativa de 3 meses

    • Uma condição que bloqueie a absorção do ferro oral ou torne a resposta improvável (por exemplo, cirurgia bariátrica, síndrome de má absorção, doença inflamatória intestinal ou sangramento uterino intenso)

    • Contraindicação a ferro oral

    • Necessidade clínica de uma resposta mais rápida do que com ferro oral.

  • Se houver uma resposta adequada ao ferro intravenoso, mas os sintomas ocorrerem novamente, infusões repetidas podem ser administradas a intervalos de 12 semanas, desde que a ferritina sérica esteja <674 picomoles/L (<300 nanogramas/mL) e a TSAT esteja <45%.

Considere e trate quaisquer distúrbios do sono coexistentes.

  • Pergunte sobre sintomas de apneia obstrutiva do sono e providencie exames para isso, se indicados. Em alguns casos, o tratamento da apneia do sono pode resultar em melhora dos sintomas de SPI. Verifique e maneje outras causas de insônia, como depressão, ansiedade ou ingestão excessiva de cafeína ou bebidas alcoólicas.[23]

Verifique se há medicamentos que possam causar ou exacerbar a SPI e descontinue-os, se possível.

  • Considere se antidepressivos, neurolépticos, agentes bloqueadores da dopamina, como a metoclopramida, ou anti-histamínicos sedativos podem estar contribuindo para os sintomas e descontinue-os, se possível, sem causar prejuízos ao paciente.[23]

Aconselhe os pacientes a implementarem modificações no estilo de vida.

  • Opções de estilo de vida ou de atividade estão disponíveis, incluindo massagens, exercícios, alongamentos e banhos quentes antes de deitar, embora faltem evidências de alta qualidade para apoiar a eficácia destes.[34] As diretrizes recomendam atividades de alerta mental, como videogames ou palavras cruzadas, para reduzir os sintomas nos momentos de tédio, bem como uma tentativa com abstinência de cafeína e bebidas alcoólicas.[23]

SPI intermitente

A SPI intermitente é definida como sintomas de pernas inquietas que são problemáticos o suficiente para exigir tratamento, mas ocorrem em média menos de duas vezes por semana.

Se os sintomas não forem frequentes o suficiente ou significativamente problemáticos o suficiente para justificar o tratamento farmacológico, as opções de estilo de vida ou atividade, conforme detalhado acima, devem ser tentadas inicialmente.

Se for necessário tratamento farmacológico, a carbidopa/levodopa pode ser usada sob demanda para a SPI que ocorre intermitentemente à noite, na hora de deitar ou ao se despertar durante a noite, ou para a SPI associada a atividades específicas, como avião ou longa viagens de carro ou idas a teatros. Uma formulação de liberação prolongada pode ser usada antes de dormir para a SPI que acorda o paciente durante a noite.[23]

Os problemas com o tratamento com carbidopa/levodopa incluem o aumento (agravamento dos sintomas induzido pelo medicamento) e o efeito rebote (sintomas que ocorrem no final da noite ou no início da manhã após o efeito do medicamento). Como resultado, ele deve ser prescrito apenas para uso intermitente.[23]

Um opioide ou agonista de receptores benzodiazepínicos (incluindo os benzodiazepínicos) de baixa potência também pode ser considerado para uso intermitente antes de dormir.[23][35]​​​ A carbidopa/levodopa deve ser interrompida antes de se iniciar a nova medicação. A prescrição deve ser baseada na experiência clínica, e deve-se ter cautela devido ao potencial para abuso, dependência e eventos adversos.[36][37] [ Cochrane Clinical Answers logo ] Os efeitos adversos dos opioides incluem a constipação e a náusea. O tramadol raramente pode causar convulsões e é o único medicamento não dopaminérgico ocasionalmente associado ao desenvolvimento de potencialização.[23]

Os benzodiazepínicos e os agonistas dos receptores de benzodiazepínicos são especialmente úteis nos pacientes que têm outra causa de má qualidade do sono além da SPI, como ansiedade. Os agentes de ação curta, como o zolpidem ou o zaleplon, podem ser úteis para a insônia inicial causada por SPI, enquanto os agentes de ação intermediária, como o temazepam, podem ser úteis para a SPI que desperta o paciente no final da noite. Os efeitos adversos incluem risco de quedas, distúrbios cognitivos, sonambulismo e transtornos alimentares durante o sono. Doses mais baixas devem ser usadas em mulheres e pacientes idosos. Não há estudos controlados adequados de benzodiazepínicos na SPI e acredita-se que os medicamentos atuem tratando a insônia ou ansiedade associadas, em vez dos sintomas sensoriais ou motores do distúrbio.[23]

SPI persistente crônica

Definida como sintomas de pernas inquietas que são frequentes e problemáticos o suficiente para exigir tratamento diário, geralmente ocorrendo em média pelo menos duas vezes por semana e resultando em sofrimento moderado ou grave.[23]

As opções não farmacológicas devem ser instituídas (como para sintomas intermitentes) e os estoques de ferro avaliados (e suplementados, se apropriado) em todos os pacientes.[2][23][27]

Os gabapentinoides (por exemplo, pregabalina, gabapentina) são a opção farmacológica de primeira linha. Eles podem fornecer benefício terapêutico extra nos pacientes com insônia, ansiedade ou dor crônica comórbidas. O tratamento deve começar com uma dose baixa e ser ajustado a cada poucos dias de acordo com a resposta.[23] Mostrou-se que a gabapentina enacarbil, que é um pró-fármaco da gabapentina que tem propriedades de liberação prolongada, melhora os sintomas da SPI quando comparada ao placebo.[2][35]​​​[38][39][40][41][42]​ Ela está aprovada pela Food and Drug Administration (FDA) dos EUA para o tratamento da SPI primária. A maioria das pessoas não vai precisar, mas ela pode ser uma boa opção para a SPI não tratada que estiver presente durante grande parte do dia e da noite.[23] Os efeitos adversos dos gabapentinoides incluem torpor diurno, tontura, instabilidade, distúrbios cognitivos, edema, ganho de peso, depressão, aumento do potencial para abuso nos pacientes com história de uso indevido de substâncias e depressão respiratória ocasional em pacientes com doença pulmonar subjacente.[23]

Se os gabapentinoides forem contraindicados ou não tolerados, um agonista da dopamina (por exemplo, pramipexol, ropinirol, rotigotina) pode ser usado como uma alternativa razoável.[23] Eles demonstraram melhorar a qualidade de vida e reduzir os sintomas em pacientes com SPI.[43][44] Os agonistas da dopamina eram usados como tratamento de primeira linha para a SPI anteriormente, mas a alta incidência de aumento dos sintomas (sugerida por um agravamento da SPI acompanhada pela necessidade de se aumentar a dose do agonista da dopamina) e o risco de desenvolvimento de transtornos do controle de impulsos levaram a uma mudança em direção aos gabapentinoides serem a primeira linha.[23][28][45] Se medicamentos dopaminérgicos forem escolhidos como tratamento inicial, a dose diária deve ser a menor possível e não exceder a recomendada para SPI.[26]

O aumento dos sintomas é mais provável com o pramipexol e o ropinirol, ocorrendo em 40% a 70% dos pacientes durante um período de 10 anos. Ele é menos provável com o adesivo transdérmico de rotigotina; 36% dos pacientes desenvolverão aumento após 5 anos de uso.[23] Se ocorrer aumento, o agonista da dopamina pode ser continuado dividindo-se ou adiantando-se a dose, ou aumentando-se a dose se houver sintomas noturnos irruptivos, com monitoramento rigoroso para se detectar um aumento progressivo. De forma alternativa, o paciente pode ser alternado para um adesivo transdérmico de gabapentinoide ou rotigotina.

Um opioide pode ser usado nos casos mais graves de aumento.[23][26]

SPI refratária

A SPI é considerada refratária ou sem resposta clínica à monoterapia com doses toleráveis de gabapentina ou dopamina devido à eficácia reduzida, agravamento ou efeitos adversos.[23][37] Deve ser considerado o encaminhamento a um especialista em SPI, se disponível, .

O status do ferro deve ser verificado novamente e a reposição de ferro iniciada se os estoques estiverem baixos. O ferro intravenoso pode ser considerado se a ferritina sérica estiver <225 picomoles/L (<100 nanogramas/mL) e os sintomas permanecerem graves após uma tentativa com ferro oral, ou se o paciente for intolerante ou incapaz de absorver ferro oral, ou uma resposta mais rápida for necessária devido à gravidade dos sintomas.[23][27]

Outros fatores de exacerbação devem ser rastreados, incluindo medicamentos que puderem agravar os sintomas, mudanças no estilo de vida, como comportamento mais sedentário ou trabalho em turnos noturnos, e outras causas de perturbação do sono, como apneia do sono.[23]

A terapia combinada com medicamentos de diferentes classes pode ser considerada; um segundo agente é adicionado enquanto se tenta reduzir a dose do medicamento inicial. Os segundos agentes podem incluir:[23]

  • Um agonista da dopamina para os pacientes tratados com um gabapentinoide

  • Um gabapentinoide para os pacientes tratados com um agonista da dopamina

  • Um benzodiazepínico (particularmente se a insônia for um sintoma predominante)

  • Um opioide de baixa ou de alta potência.

A monoterapia com opioides em baixa dose também pode ser considerada em pacientes devidamente rastreados. Os opioides são muito efetivos no tratamento da SPI grave e refratária, melhorando o sono e a qualidade de vida e reduzindo o cansaço diurno. Quando adequadamente usados, a necessidade de se aumentar a dose é incomum, e o uso indevido é pouco frequente naqueles sem histórico de transtorno por uso indevido de substâncias. É importante triar os pacientes perguntando sobre os fatores de risco para abuso de opioides, incluindo histórias pessoal e familiar de abuso de substâncias, e um contrato sobre opioides deve ser assinado pelo paciente e pelo médico.[23]

Os efeitos adversos dos opioides incluem náuseas, constipação, retenção urinária, coceira, torpor diurno, disfunção cognitiva, quedas, baixa testosterona, insuficiência adrenal secundária e apneia central do sono. Portanto, é necessário um monitoramento rigoroso; no entanto, esses medicamentos geralmente são bem tolerados às doses baixas recomendadas. Preparações de ação prolongada ou de liberação prolongada são recomendadas, pois a maioria dos pacientes que mudam para opioides terá sintomas aumentados presentes por >12 horas por dia.[23]

Populações especiais

Gestação e lactação

A maioria dos pacientes pode ser tratada com modificações no estilo de vida e correção dos estoques de ferro, se necessária.[23][46][47] A vitamina C pode aumentar a absorção de ferro oral. No entanto, há debate sobre a segurança do uso da vitamina C durante a gravidez e, portanto, ela deve ser evitada.[46] Os tratamentos não farmacológicos incluem exercícios de intensidade moderada, ioga, massagens, dispositivos de compressão pneumática, tratamento da apneia obstrutiva do sono e evitação dos fatores agravantes.[46][47]

Os medicamentos devem ser reservados para a SPI grave e devem ser evitados no primeiro trimestre, se possível. A menor dose efetiva deve ser usada pelo menor tempo possível (e de forma intermitente, em vez de contínua, se possível). A relação risco-benefício dos medicamentos na gravidez deve ser cuidadosamente discutida com cada paciente, e a necessidade de medicação contínua reavaliada periodicamente, particularmente depois que os estoques de ferro estiverem completos e no momento do parto.[23]

O clonazepam em baixa dose (um benzodiazepínico) pode ser considerado no segundo e no terceiro trimestres. O uso concomitante com anti-histamínicos e anticonvulsivantes deve ser evitado. A carbidopa/levodopa é outra opção.[23][46][47] O inibidor de dopa-descarboxilase alternativo à carbidopa benserazida não deve ser usado devido aos riscos de malformações congênitas.[23]

A oxicodona em baixa dose antes de dormir pode ser considerada para sintomas refratários graves no segundo e terceiro trimestres, mas o neonato precisaria ser monitorado quanto a sintomas de abstinência de opioides.[23][46][47]

Em pessoas que estiverem amamentando, o clonazepam e gabapentina em baixas doses são opções possíveis. O tramadol em baixa dose pode ser considerado para sintomas graves refratários.[23][46][47] O levodopa/carbidopa e agonistas da dopamina devem ser evitados durante a lactação, pois a dopamina inibe a produção de prolactina.[23][46][47]

Doença renal crônica

O manejo é semelhante ao de pacientes com função renal normal. Um único estudo controlado sugeriu que a suplementação de vitaminas C e E pode ser benéfica em pacientes com uremia.[48] O estado do ferro deve ser verificado e tratado com ferro intravenoso ou eritropoetina, se indicado. As doses dos medicamentos podem precisar ser ajustadas, pois os gabapentinoides e a maioria dos agonistas da dopamina são excretados pelos rins. A rotigotina transdérmica é uma exceção, pois ela sofre metabolismo hepático. A SPI geralmente melhora ou se resolve após o transplante renal.[23]

O uso deste conteúdo está sujeito ao nosso aviso legal