Abordagem

Os pacientes com sinais de intoxicação por cocaína (por exemplo, perda da consciência, dor torácica ou queixas neurológicas focais) precisarão de investigação e tratamento de emergência. Para obter detalhes sobre o manejo da intoxicação aguda por cocaína e o manejo da toxicidade relacionada a "body packing", consulte Toxicidade por cocaína.

Quando os sinais e sintomas urgentes tiverem sido tratados, encaminhe o paciente para um profissional do tratamento para dependência. O envolvimento e a retenção no tratamento de transtornos por uso de substâncias podem ser um grande desafio clínico; é recomendado que os profissionais de saúde envolvam proativamente as pessoas que se beneficiariam do tratamento em todos os estágios de prontidão para a mudança, incluindo aquelas que não estiverem interessadas ou estiverem ambivalentes sobre receber tratamento.

As seguintes estratégias estão entre aquelas recomendadas pela American Society of Addiction Medicine:[50]

  • Cultivar a confiança do paciente criando um ambiente acolhedor, sem julgamentos, e sensível aos traumas.

  • Não exigir a abstinência como uma condição para o início ou retenção no tratamento.

  • Estabelecer conexões com as pessoas com transtornos por uso de substâncias que não estiverem buscando tratamento no momento.

  • Buscar reintegrar os indivíduos que se afastarem dos cuidados.

  • Desenvolver planos de tratamento que sejam adequados às necessidades e prioridades do indivíduo.

  • Concentra-se em estratégias terapêuticas em vez de ações punitivas.

Os tratamentos psicossociais são as opções primárias.[51]​ O tratamento se baseia na classificação do uso como leve, moderado ou grave, de acordo com os critérios do DSM-5.[27]

Considere e aborde condições de saúde física e mental concomitantes, conforme necessário, que podem interferir na participação efetiva no tratamento do transtorno por uso de cocaína. O ideal é que os programas de uso de substâncias estejam equipados para abordar problemas de saúde mental concomitantes, incluindo traumas, no curso de rotina do tratamento da dependência.[50] ​Os pacientes com a presença de sintomas psiquiátricos significativos em um cenário de uso agudo de cocaína ou história de problemas de saúde mental preexistentes podem beneficiar-se de um encaminhamento externo para saúde mental.

Farmacoterapia

Evidências sugerem que a farmacoterapia tem eficácia limitada no tratamento do transtorno por uso de cocaína.[52][53][54] [ Cochrane Clinical Answers logo ]

A discussão com um psiquiatra/especialista em dependência química sobre a necessidade de farmacoterapia sintomática, por exemplo, com um medicamento benzodiazepínico ou antipsicótico, pode ser justificada na presença de sofrimento grave, dependendo do quadro clínico do indivíduo (por exemplo, quando há agitação intensa, confusão, psicose ou insônia aguda grave).[27][34]

Apesar da ausência de evidências, medicamentos não psicoestimulantes e estimulantes podem ser considerados para certos pacientes com transtorno relacionado ao uso de cocaína, principalmente quando há transtornos ou doenças coexistentes (por exemplo, uso de nicotina/tabaco, depressão, transtornos decorrentes do uso de bebidas alcoólicas, transtorno de deficit da atenção com hiperatividade).[27]​ Consulte Novidades para obter mais informações.

Transtorno por uso de cocaína leve

Em geral, o tratamento de primeira linha é com aconselhamento sobre drogas individual ou em grupo, ou uma combinação dessas abordagens.[55] Um componente educacional é combinado com elementos de terapia cognitiva, comportamental e/ou de apoio. Abordam-se tópicos como a identificação e a evitação de fatores desencadeantes, e os indivíduos são incentivados a comparecerem continuamente às reuniões dos grupos de apoio. Consulte também as diretrizes clínicas do Reino Unido, que abordam o tratamento psicossocial de maneira detalhada.[34]

Caso o aconselhamento sobre drogas padrão fracasse, a terapia ambulatorial intensiva pode ser uma opção, embora não haja evidências suficientes de desfechos melhores.[56]

Após 2-3 meses de terapia ambulatorial intensiva, se o indivíduo precisar de tratamento adicional, dependendo da disponibilidade e das preferências pessoais, as opções incluem intensificar o manejo das contingências ou substituir o componente individual da terapia ambulatorial intensiva por TCC ou entrevistas motivacionais.

Uma terapia familiar ou terapia de casal pode ser considerada se o indivíduo com transtorno por uso de cocaína estiver disposto a permitir que seu cônjuge ou sua família se envolvam nos cuidados.[57][58]​ Para os pais, uma intervenção psicossocial que integre habilidades parentais com um componente sobre o uso de substâncias pode ser útil.[59]

Transtorno por uso de cocaína moderado a grave

A terapia ambulatorial intensiva comprovou ser tão eficaz quanto os programas domiciliares ou em regime de internação.[60]​​[61][62]​ Com frequência, os aconselhamentos individuais e em grupo são combinados com uma terapia de casal/familiar, normalmente com mais de 9 horas de terapia por semana ao longo de várias semanas. No entanto, há evidências de que o tratamento com menor intensidade (por exemplo, 6 horas por semana) pode ser igualmente efetivo nos pacientes com transtorno por uso de cocaína.[63]

As outras opções de tratamento incluem o manejo das contingências, TCC ou entrevistas motivacionais.[51]​ Elas podem ser usadas de maneira isolada ou combinada, dependendo da preferencia do médico e do paciente, e da disponibilidade dos serviços.

  • O manejo das contingências usa técnicas comportamentais operantes. Os exemplos incluem a terapia de reforço baseada em vouchers (TRBV), para recompensar o alcance de metas terapêuticas acordadas. Um grande corpo de evidências indica que o manejo das contingências aumenta o período de abstinência e reduz a frequência de consumo de drogas para indivíduos com transtorno por uso de estimulantes e, especificamente, pelo transtorno por uso de cocaína.[51][64]

  • A TCC para o transtorno por uso de cocaína envolve o reconhecimento dos fatores desencadeantes e o ensino de habilidades de enfrentamento para evitar o uso de drogas. Ensaios clínicos realizados com pacientes com transtorno por uso de cocaína, comparando a TCC com grupos de controle (treinamento de meditação e relaxamento) ou outras intervenções psicossociais, apresentaram resultados mistos; no entanto, há algumas evidências de que as habilidades de enfrentamento ensinadas com a TCC podem ser efetivas mesmo quando o tratamento já tiver terminado.[51][65][66]

  • Os indivíduos com sintomas mais graves do transtorno por uso de substâncias ou com depressão comórbida têm maior probabilidade de se beneficiarem da TCC.[57][67]

  • A TCC computadorizada oferecida em ambiente clínico comprovou ser tão eficaz quanto a TCC tradicional em um grupo diversificado de pacientes com transtornos por uso de substâncias. A TCC computadorizada também foi associada a taxas mais baixas de perdas.[68]

  • A entrevista motivacional é uma abordagem de aconselhamento diretiva e voltada para o paciente, com o objetivo de aumentar a motivação das pessoas para mudar seus comportamentos e atingir seus próprios objetivos. Ensaios clínicos constataram que as entrevistas motivacionais só são efetives quando comparadas com a ausência de tratamento, mas não quando comparadas com intervenções de controle, como o treinamento em relaxamento.[51][69] [ Cochrane Clinical Answers logo ]

Transtorno por uso de cocaína resistente a tratamento

Se após 12 semanas do tratamento psicossocial mais intensivo o paciente continuar a apresentar recaídas, considere encaminhá-lo a um especialista em dependência para uma possível medicação adjuvante; no entanto, as evidências para isso são muito limitadas e não há orientação estabelecida.[70]

Gestação

O foco do tratamento são as intervenções psicossociais, e a farmacoterapia não é recomendada para o tratamento de rotina.[27]​ No entanto, devido ao risco de danos pelo uso continuado da cocaína para a mãe e para o feto, há um limiar mais baixo para o tratamento em regime de internação, o que pode incluir medicamentos não teratogênicos para o manejo em curto prazo dos sintomas que causem sofrimento psíquico.[48]

O manejo deve ser realizado por serviços especializados no uso de substâncias durante a gestação. Além das intervenções psicossociais, é importante oferecer apoio social adequado, incluindo assistência com acomodação, treinamento vocacional e em habilidades de vida, orientação jurídica, visitas domiciliares e auxílios.[48]

Um local de trabalho terapêutico (uma forma de manejo das contingências com salário em vouchers vinculado à abstinência) demonstrou ser superior aos cuidados habituais para reduzir o uso de opioides e cocaína em gestantes e mulheres no pós-parto com transtorno por uso de substâncias.[48][71]

Uso de substâncias secundárias

Recomenda-se que os pacientes tenham acesso a tratamento baseado em evidências para todas as preocupações com o uso de substâncias, e que o uso secundário de substâncias não seja considerado uma barreira ao tratamento. Os planos de tratamento devem considerar os fatores subjacentes ao uso secundário, mesmo que a cessação não seja uma meta imediata. O uso de risco pode ser abordado ao longo do tempo por meio de intervenções psicossociais, desde que não ameace a segurança ou os desfechos do tratamento. Se o uso secundário prejudicar o progresso, colabore com o paciente para incorporar medidas para lidar com isso em seu plano de tratamento.[50]

Continuidade da assistência

A assistência continuada, em vez de cuidados limitados aos períodos de exacerbação aguda, provavelmente ajuda a reduzir o uso recorrente, sobretudo no/s indivíduos com problemas familiares ou sociais.[72]​ Recomenda-se atenção cuidadosa à efetividade das transições entre os níveis de assistência.[50]​ Os grupos de apoio mútuo podem ajudar a manter a abstinência.

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