Abordagem
O principal objetivo do tratamento inicial é controlar o sangramento, prevenir qualquer complicação relacionada ao mesmo, eliminar a causa subjacente sempre que possível e identificar pacientes com risco de ressangramento ou aqueles que necessitarão de internação hospitalar para tratamento adicional.
Ressuscitação inicial
Pacientes que apresentam sangramento ativo e/ou com múltiplas comorbidades clínicas devem ser atendidos como emergência. Pacientes em choque devem ser tratados em um ambiente de cuidados intensivos sempre que possível. A avaliação diagnóstica inicial deve ter incluído uma avaliação da estabilidade hemodinâmica e manobras de ressuscitação se necessário, implementando a abordagem do ABC (vias aéreas [do inglês Airway], respiração [Breathing] e circulação [Circulation]).[42]
O acesso intravenoso bilateral, periférico ou central é importante para manter uma reposição de fluidos adequada (cristaloides), que é o aspecto isolado mais importante da reanimação inicial. A transfusão de sangue (concentrado de eritrócitos) pode ser necessária em certos casos (sangramento contínuo ou hemoglobina [Hb] baixa na apresentação). As diretrizes diferem nos limites exatos. O American College of Gastroenterologists recomenda transfusão em casos de Hb <70 g/L (<7 g/dL) ou <80 g/L (<8 g/dL) em pacientes com doença cardiovascular (DCV), hemodiluição relacionada à ressuscitação fluídica ou múltiplas comorbidades.[39] O International Consensus Group estava preocupado com a DCV não diagnosticada e sugere um limite ligeiramente superior de transfusão de Hb de 80 g/L (8 g/dL).[40] Uma meta de Hb ≥100 g/L (≥10 g/dL) deve ser almejada em pacientes com DCV, enquanto um nível mais baixo de Hb 70-90 g/L (7-9 g/dL) é considerado apropriado para pacientes sem DCV.[1] Da mesma forma, embora não especifique intervalos, o American College of Chest Physicians recomenda uma estratégia de transfusão restritiva em vez de uma estratégia de transfusão permissiva em pacientes gravemente enfermos, incluindo principalmente aqueles com hemorragia digestiva aguda, mas em pacientes gravemente enfermos com síndrome coronariana aguda, eles sugerem não usar uma estratégia de transfusão restritiva.[41] Plaquetas e fatores de coagulação devem ser administrados em certas circunstâncias. Pacientes que fazem tratamento antiplaquetário não devem receber transfusões de plaquetas.[59] A avaliação diagnóstica é realizada simultaneamente.
Para descomprimir o estômago e permitir a lavagem gástrica, uma sonda nasogástrica ou orogástrica pode ser colocada cuidadosamente em pacientes com sangramento contínuo ou naqueles com suspeita de fontes concomitantes de hemorragia digestiva alta, como úlcera péptica, varizes esofágicas e lesões de Dieulafoy, embora na prática isso raramente seja realizado. Uma análise retrospectiva de propensão correspondente de 632 veteranos dos EUA com hemorragia digestiva mostrou que a lavagem nasogástrica não afetou a mortalidade, as transfusões, o tempo de internação hospitalar ou a cirurgia, mas foi associada a um tempo mais rápido para endoscopia.[60] Muitas diretrizes não fazem nenhuma recomendação sobre a colocação de sondas nasogástricas ou orogástricas.[39][40][43]
Intubação endotraqueal eletiva deve ser considerada em pacientes com hematêmese contínua ou estado respiratório ou mental alterado. A intubação endotraqueal eletiva protegerá as vias aéreas e facilitará a endoscopia.
Anormalidades eletrolíticas devem ser corrigidas com os fluidos de reposição adequados.
O prolongamento do tempo de protrombina/razão normalizada internacional (TP/INR) deve ser corrigido com plasma fresco congelado e/ou vitamina K (fitomenadiona) em todos os pacientes, exceto aqueles que fazem tratamento com varfarina.[59] O concentrado de complexo protrombínico pode ser considerado nos pacientes que fazem uso de varfarina e apresentam hemorragia digestiva de risco de vida ou naqueles com INR supraterapêutica que exceder substancialmente a faixa terapêutica. O concentrado de complexo protrombínico também pode ser considerado para os pacientes em quem uma transfusão de sangue maciça for indesejável devido ao seu efeito sobre a coagulopatia ou a diluição dos componentes sanguíneos.[59] Pacientes que fazem uso e anticoagulantes orais diretos (AODs) não devem receber rotineiramente concentrado de complexo protrombínico; aqueles que tomam dabigatrana não devem receber rotineiramente idarucizumabe, e aqueles que tomam rivaroxabana ou apixabana não devem receber fator de coagulação Xa recombinante (alfa-andexanete). Essas recomendações são baseadas em evidências de benefícios limitadas. No entanto, a reversão da anticoagulação com esses agentes pode ser considerada em pacientes hospitalizados com hemorragia digestiva que causa risco de vida, que tomaram AOD nas últimas 24 horas.[59]
Pacientes que fazem uso de aspirina para prevenção secundária devem dar continuidade ao tratamento; caso a aspirina seja interrompida, deve ser reiniciada no dia que a hemostasia for confirmada endoscopicamente.[59]
Vários escores de risco foram desenvolvidos e validados, mas cada um deles demonstrou ter o desempenho mais preciso para prever desfechos específicos: por exemplo, mortalidade, risco de ressangramento, necessidade de transfusão ou necessidade de terapia cirúrgica ou endoscópica. Em resumo, as principais diretrizes internacionais, americanas e europeias sobre hemorragia digestiva alta sugerem apenas o escore de sangramento de Glasgow-Blatchford (GBS) para identificar, com alta certeza, pacientes de risco muito baixo que podem ser tratados com segurança por endoscopia ambulatorial.[39][40][43] O GBS (escore pré-endoscópico) é calculado utilizando os seguintes parâmetros: ureia, Hb, pressão arterial sistólica, pulso, melena, história ou evidências de doença hepática e doença arterial coronariana.[38][44][45] Os pacientes com um escore de 0 a 1 são classificados como de risco muito baixo, o que indica uma taxa de falsos-negativos ≤1% para necessidade de intervenções hospitalares ou morte.[39][40][43] Os pacientes com um escore ≥2 devem ser internados imediatamente e receber uma endoscopia em até 24 horas.[1][39] [ Escore de Blatchford para sangramento gastrointestinal Opens in new window ]
Tratamento farmacológico
O tratamento farmacológico inicial pode incluir um antiemético, eritromicina e um inibidor da bomba de prótons (IBP).
Eritromicina
Considera-se que a eritromicina estimula os receptores de motilina, com um aumento subsequente da contração do estômago, o que pode ajudar a mobilizar coágulos gástricos e permitir uma melhor avaliação por endoscopia digestiva alta (EDA).[39][51][52][53][54]
Em uma revisão sistemática conduzida pelo American College of Gastroenterologists, a eritromicina reduziu o número de endoscopias repetidas e a duração das hospitalizações em pelo menos 1 dia.[39]
Os agentes de motilidade não devem ser usados de maneira rotineira antes da endoscopia para aumentar o rendimento diagnóstico.[1][40] Eles podem ser considerados se houver suspeita de grande volume de comida ou sangue no estômago.[61]
Existem poucos dados que dão suporte ao uso de metoclopramida.[39]
Terapia antissecretora
O papel dos IBPs na laceração de Mallory-Weiss não está claro. As diretrizes fizeram recomendações conflitantes sobre a administração de IBPs antes da EDA diagnóstica, quando a causa exata do sangramento ainda não está clara.[39][40] [
]
Dada a falta de certeza em torno dos dados, sugere-se que os protocolos locais sejam seguidos. Alguns especialistas ainda sugerem IBPs pré-endoscopia para diminuir qualquer lesão de alto risco, principalmente quando a endoscopia precoce não pode ser realizada ou se houver contraindicações para avaliação endoscópica.[50] Na experiência deste autor, os benefícios de administrar IBPs antes da endoscopia superam os danos potenciais e os IBPs são amplamente administrados para hemorragia digestiva alta não varicosa.
O tratamento com IBP iniciado antes da endoscopia pode reduzir a necessidade de tratamento endoscópico em pacientes sem hemorragia por varizes.[62] [
] No entanto, o benefício de usar um IBP para prevenir ressangramento e reduzir a mortalidade ou a necessidade de cirurgia não foi demonstrado em pacientes sem hemorragia por varizes.[62][63][64] [
] Em pacientes com úlceras que apresentam sangramento, o bolus intravenoso seguido de infusão contínua demonstrou diminuir efetivamente o ressangramento em pacientes que receberam terapia endoscópica bem-sucedida, mas esses dados são difíceis de interpretar à luz da laceração de Mallory-Weiss.[65]
Se administrados antes da endoscopia, os IBPs geralmente são administrados por via intravenosa. Os IBPs comuns usados para lesões com sangramento ativo incluem pantoprazol ou esomeprazol intravenoso. Deve-se considerar terapia com IBP por via oral em pacientes sem sangramento ativo.[63][64] Pode ser usado esomeprazol ou rabeprazol por via oral.
Os antagonistas H2 podem ser considerados como uma terapia alternativa aos IBPs, quando estes forem contraindicados. Entretanto, o tratamento com IBPs atinge uma supressão ácida mais profunda e sustentada que com antagonistas H2.[66][67] Para as lesões com sangramento ativo, pode ser administrada famotidina intravenosa seguida de famotidina por via oral. Para lesões sem sangramento ativo, podem ser administradas famotidina ou cimetidina por via oral.
Antieméticos
Antieméticos são úteis para o controle de náuseas e vômitos, que podem ser uma causa ou um fator agravante em pacientes com laceração de Mallory-Weiss, e são administrados antes da endoscopia, se necessário.
Os antieméticos comumente recomendados incluem prometazina, ondansetrona, proclorperazina e trimetobenzamida.
Tratamento endoscópico
A EDA é o procedimento de escolha para pacientes com hemorragia digestiva alta não varicosa.[50][57] Geralmente é realizada após ressuscitação, estabilização e tratamento farmacológico.
Diversas modalidades endoscópicas são eficazes para o tratamento de lesões com sangramento de alto risco, como uma laceração com perda de sangue lenta ou sangramento ativo/em jato. A escolha dos métodos usados vai depender da familiaridade, da experiência e do treinamento do endoscopista e da disponibilidade do equipamento.
Estudos não demonstraram uma clara superioridade de uma técnica em relação às outras.[68][69][70] Entretanto, a terapia dupla é superior à terapia simples, tal como a injeção de adrenalina. Recomenda-se exame endoscópico completo, pois lesões coexistentes estão comumente associadas à laceração de Mallory-Weiss.
As diferentes modalidades de tratamento incluem as seguintes:
A terapia por injeção é comumente usada no tratamento da ulceração causadora de hemorragia digestiva alta, em combinação com terapia térmica ou mecânica. Seu papel no tratamento do sangramento por laceração de Mallory-Weiss foi estudado em uma pequena série.[71][72] Geralmente, o agente mais comumente usado é uma injeção de adrenalina; esse agente interrompe ou reduz a velocidade do sangramento por vasoconstrição ou tamponamento. É injetada ao redor ou dentro do ponto de sangramento. Agentes esclerosantes, como etanolamina e álcool, têm sido descritos na literatura; no entanto, eles são raramente usados na prática.[73][Figure caption and citation for the preceding image starts]: a laceração com sangramento ativo aparece como um defeito longitudinal vermelho com mucosa circundante normalDo acervo de Juan Carlos Munoz, MD, University of Florida [Citation ends].
[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Adrenalina é injetada localmente ao redor do local da laceração de Mallory-WeissDo acervo de Juan Carlos Munoz, MD, University of Florida [Citation ends].
[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Laceração de Mallory-Weiss após injeção de adrenalina (sangramento interrompido, permitindo melhor visualização da lesão)Do acervo de Juan Carlos Munoz, MD, University of Florida [Citation ends].
Os clipes do tipo "through-the-scope" (TTSC), isolados ou em combinação com injeção de adrenalina, podem controlar efetivamente lesões com sangramento ativo; os clipes são tão eficazes e seguros quanto outros métodos.[74][75][76] De acordo com a experiência dos autores, esta é a técnica de escolha em pacientes com laceração ou ruptura com sangramento ativo. A aplicação de TTSCs e ligadura com nó de forca no esôfago também foi descrita como um método para fechamento de grandes lacerações de Mallory-Weiss.[77][Figure caption and citation for the preceding image starts]: Um clipe do tipo "through-the-scope" instalado no centro da lesão (sem infusão prévia de adrenalina, neste caso)Do acervo de Juan Carlos Munoz, MD, University of Florida [Citation ends].
[Figure caption and citation for the preceding image starts]: coágulo aderente sem sangramentoDo acervo de Juan Carlos Munoz, MD, University of Florida [Citation ends].
[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Três clipes tipo "through-the-scope" para o fechamento completo do defeito na mucosaDo acervo de Juan Carlos Munoz, MD, University of Florida [Citation ends].
Os clipes do tipo "over-the-scope" (OTSC) estão disponíveis em vários fornecedores e são clipes maiores, geralmente permanentes, que demonstraram ser eficazes no tratamento de uma ampla variedade de fontes de hemorragia digestiva alta não varicosa, incluindo lacerações de Mallory-Weiss.[78][79][80]
Vários agentes hemostáticos tópicos que promovem a hemostasia demonstraram ser uma terapia de resgate promissora ou um complemento aos métodos convencionais para tratar a hemorragia digestiva alta, incluindo lacerações de Mallory-Weiss.[1][40][81][82][83] Eles podem ser administrados através do endoscópio superior durante a EDA.[84][85][86]
A terapia por termocoagulação (também conhecida como terapia térmica) inclui a eletrocoagulação multipolar (ECMP), sonda térmica e coagulação com plasma de argônio (CPA). Ela pode ser usada como terapia isolada; contudo, ela é mais comumente usada em combinação com terapia com injeção. As terapias térmicas, incluindo ECMP ou sonda de aquecimento, são reservadas para lesões com sangramento ativo. Elas geralmente são bem-sucedidas e administradas com segurança por operadores experientes; no entanto, a terapia térmica de contato deve ser usada com cautela quando usada no esôfago para uma laceração de Mallory-Weiss com sangramento devido ao risco de perfuração.[1][87][88] As evidências para CPA, nesse cenário, são limitadas. No entanto, a falta de contato entre o cateter e o tecido resulta em uma hemostasia superficial, reduzindo dano e perfuração teciduais não desejados e tornando essa técnica atrativa em casos nos quais outros métodos de tratamento não estão disponíveis.[89]
Laceração de Mallory-Weiss após cauterização com sonda bipolarDo acervo pessoal de Douglas Adler; usado com permissão
A ligadura endoscópica com bandas elásticas foi descrita em relatos de casos e pequenos ensaios controlados, mas, na experiência deste autor, não é comumente usada para tratamento de laceração de Mallory-Weiss. O mecanismo é semelhante ao descrito para ligadura de varizes com bandas: a mucosa afetada é sugada para o interior do dispositivo de ligadura e, em seguida, é aplicada uma banda elástica. A ligadura endoscópica com bandas elásticas é simples e segura.[90][91][92] Na maioria dos casos, o procedimento é usado como terapia isolada, na qual o ponto de sangramento é aspirado e ligado. Em alguns casos raros, nos quais o ponto de sangramento não é facilmente localizado, a ligadura endoscópica com bandas elásticas tem sido usada como terapia combinada com adrenalina. A injeção de adrenalina pode reduzir ou lentificar o sangramento e ajudar a localizar o ponto de sangramento.
Cirurgia
A cirurgia que, na prática, raramente se justifica em pacientes com laceração de Mallory-Weiss, deve ser reservada para situações em que a hemostasia endoscópica do sangramento tenha falhado ou quando tiver ocorrido perfuração esofágica transmural.[57] A ressutura laparoscópica da laceração na junção gastroesofágica pode ser prontamente realizada sob controle de vídeo com orientação endoscópica, com excelentes resultados.[93]
A angiografia é indicada para sangramento maciço quando a EDA e a cirurgia não estão prontamente disponíveis, ou quando os pacientes têm uma contraindicação absoluta à cirurgia ou terapia endoscópica.[94][95]
A terapia por angiografia pode ser realizada através de qualquer um dos seguintes métodos:
Infusão de um agente vasoconstritor, como vasopressina, no interior da artéria mesentérica superior ou da artéria gástrica esquerda ou por infusão direta em um vaso que conduza à artéria que apresenta sangramento.[96]
Embolização por transcateter com um material artificial, como Gelfoam®, ou, menos frequentemente, com o próprio sangue coagulado do paciente.[97][98]
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