Etiologia
A doença do olho seco é uma doença multifatorial da superfície ocular caracterizada pela perda da homeostase do filme lacrimal devido à hiperosmolaridade e instabilidade do filme lacrimal, inflamação e danos à superfície ocular e anormalidade neurossensorial.[1][2] Isso resulta em desconforto ocular, ressecamento e distúrbio visual.[3]
O olho seco ocorre com deficiências aquosas (devido à DED causada ou não pela síndrome de Sjögren) ou anormalidades evaporativas (intrínsecas ou extrínsecas e devidas à evaporação aumentada do filme lacrimal).[3][9][10] Os pacientes geralmente apresentam um componente de ambos os tipos de olho seco. Assim, cada componente subjacente deve ser considerado em conjunto, não como entidades separadas.[3]
Causas de deficiência aquosa:
Síndrome de Sjögren
Primária: inflamação autoimune e destruição das glândulas lacrimais e salivares, que ocorre sem nenhuma outra doença sistêmica associada
Secundária: pode ocorrer em artrite reumatoide, lúpus eritematoso sistêmico, esclerose sistêmica (esclerodermia) e doença mista do tecido conjuntivo.
Sem síndrome de Sjögren
Deficiência da glândula lacrimal (por exemplo, infiltração por células T das glândulas lacrimais na infecção por HIV, sarcoidose, relacionada à idade)
Obstrução da glândula lacrimal (por exemplo, tracoma)
Bloqueio reflexo (por exemplo, diabetes mellitus, dano ao nervo craniano VII)
Medicamentos (por exemplo, contraceptivos orais, anti-histamínicos, betabloqueadores, anticolinérgicos, diuréticos, alguns medicamentos psicotrópicos).
Causas evaporativas:
Intrínsecas
Deficiência de óleo meibomiano: afeta diretamente a evaporação do filme lacrimal
Doenças da pálpebra (por exemplo, blefarite): inflamação na margem das pálpebras e obstrução das glândulas meibomianas podem reduzir as camadas de lipídeos nos filmes lacrimais e aumentar a evaporação do filme lacrimal[3][Figure caption and citation for the preceding image starts]: BlefariteAcervo privado de Dr. Jonathan Smith e Dr. Philip Severn; usado com permissão [Citation ends].
Número baixo de piscadas (por exemplo, doença de Parkinson): afeta diretamente a evaporação do filme lacrimal[11]
Medicamentos (por exemplo, retinoides).
Extrínsecas
Deficiência de vitamina A: decorre de reduções nos números de células caliciformes conjuntivais e instabilidades do filme lacrimal (deficiência aquosa também pode ocorrer em alguns pacientes)[3]
Conservantes em medicamentos oftálmicos tópicos (por exemplo, cloreto de benzalcônio): podem causar danos celulares na superfície corneana que interferem na umidificação da superfície[3][12]
Uso de lentes de contato: decorre do aumento do tempo de ruptura do filme lacrimal, o que causa hiperosmolaridade do filme lacrimal[13]
Doença da superfície ocular (por exemplo, diabetes, conjuntivite alérgica).[3][14]
Causas ambientais
Milieu interieur
Número baixo de piscadas
Envelhecimento: pacientes idosos apresentam função das glândulas lacrimais naturalmente reduzida em decorrência da obstrução ductal[3][6]
Baixa reserva de androgênio: a deficiência de androgênio associada à terapia de reposição hormonal em mulheres menopausadas pode contribuir para a disfunção das glândulas meibomianas e anormalidade evaporativa[3][15][16]
Medicamentos
Posição do olhar na abertura completa da pálpebra.
Milieu exterieur
Baixa umidade relativa: aumenta a evaporação do filme lacrimal[3]
Velocidade alta do vento: aumenta a evaporação do filme lacrimal[3]
Ambientes ocupacionais: ocupações que exigem atenção visual prolongada (por exemplo, uso de computador) podem causar anormalidades evaporativas intrínsecas devido ao número baixo de piscadas, o que afeta diretamente a evaporação do filme lacrimal.[3]
Outras causas incluem cirurgia de córnea e cristalino (por exemplo, ceratoplastia prévia, cirurgia de catarata e cirurgia ceratorrefrativa), cirurgia de pálpebra (por exemplo, cauterização pontual, reparo prévio de ptose, blefaroplastia, reparo de entrópio/ectrópio), má posição da pálpebra (por exemplo, lagoftalmia, retração palpebral, proptose), doença ocular tireoidiana, doença do enxerto contra o hospedeiro e síndrome de Stevens-Johnson.[2]
Fisiopatologia
A fisiopatologia da DED é multifatorial. Os fatores mais importantes são hiperosmolaridade do filme lacrimal, instabilidade do filme lacrimal e inflamação da superfície ocular.
A hiperosmolaridade do filme lacrimal decorre da deficiência aquosa ou do aumento das perdas das lágrimas por evaporação. O aumento da osmolaridade do filme lacrimal (que pode ocorrer como evento primário) causa a inflamação da superfície ocular, induzindo a perda de células epiteliais da córnea e células caliciformes. Consequentemente, isso aumenta a instabilidade do filme lacrimal, o que pode aumentar também sua osmolaridade, levando a um "ciclo vicioso" que perpetua o estado da doença do olho seco.[3]
Recomenda-se que o diagnóstico da síndrome de Sjögren seja feito quando os critérios são cumpridos, sem distingui-la como primária ou secundária. Estudos demonstraram que os anticorpos circulantes e a infiltração da glândula lacrimal por linfócitos T e B, células dendríticas, macrófagos e outras células mononucleares são responsáveis pela destruição do tecido na síndrome de Sjögren, culminando em deficiência aquosa.[3][17]
Por outro lado, a instabilidade do filme lacrimal, que pode ocorrer sem uma hiperosmolaridade prévia do filme lacrimal, desempenha um papel essencial na fisiopatologia da DED evaporativa.[3] Isso causa a ruptura do filme lacrimal no intervalo das piscadas e hiperosmolaridade lacrimal, resultando em danos epiteliais à superfície e distúrbio do glicocálice e de mucinas das células caliciformes. Graus mais sutis de instabilidade do filme lacrimal também podem predispor um paciente a complicações decorrentes de olho seco em resposta ao estresse da superfície ocular (por exemplo, cirurgia refrativa a laser).[3] Os conservantes em colírios também podem causar dano nas células epiteliais, morte das células por apoptose e diminuição na densidade das células caliciformes.[18]
Muitos outros fatores, dependendo da etiologia subjacente, podem contribuir para esse ciclo.[3]
Classificação
Classificação da DED pelo II Workshop Internacional de Olho Seco da Tear Film and Ocular Surface Society (TFOS DEWS II) 2017[3]
Deficiência aquosa: inclui os subgrupos de doença do olho seco relacionada à síndrome de Sjögren ou não relacionada à síndrome de Sjögren
Evaporativa: inclui os subgrupos de causas intrínsecas (que afetam diretamente a evaporação do filme lacrimal) e de causas extrínsecas (que causam anormalidade da superfície ocular, provocando o aumento da evaporação).
Os pacientes geralmente apresentam um componente de ambos os tipos de doença do olho seco. O esquema de classificação atualizado de 2017 introduz várias terminologias para subtipos de doença do olho seco e doenças que mimetizam a doença do olho seco, com base nos diferentes graus de sinais e sintomas.
Doença do olho seco: comprometimento sintomático do olho seco associado a sinais da superfície ocular
Outros diagnósticos diferenciais de doenças da superfície ocular: referem-se a condições que podem imitar ou mascarar-se como doença do olho seco (por exemplo, lagoftalmia causando a doença do olho seco). Nessas circunstâncias, tratar a condição pode melhorar os sinais e sintomas da doença, mas é improvável que tenha sucesso em longo prazo, a menos que a patologia subjacente também seja tratada
Sintomas sem sinais:
dor neuropática: lesão ou doença no sistema somatossensorial que resulta em sintomas de dor ocular que superam os sinais de maneira desproporcional
estado pré-clínico de olho seco: sintomas consistentes com doença do olho seco, mas sem sinais, principalmente quando os sintomas são intermitentes.
Sinais sem sintomas:
sensibilidade reduzida na córnea: sinais claros de doença na superfície ocular, mas sem sintomas, devido à sensibilidade corneana reduzida.
predisposição para olho seco: sinais claros de doença na superfície ocular, mas sem sintomas, durante um exame físico pré-operatório de catarata ou outras cirurgias oculares. Isso pode significar doença em estágio inicial que pode aumentar o risco de doença do olho seco sintomática após a cirurgia ocular.
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