Abordagem

A erliquiose e a anaplasmose apresentam um amplo diferencial devido ao comprometimento multissistêmico e à ausência de características clínicas específicas.[64]​​[65] O diagnóstico presuntivo pode ser feito em todos os pacientes com potencial exposição a carrapatos/picada de carrapatos comprovada em combinação com febre de início abrupto, sintomas constitucionais característicos, leucopenia e/ou trombocitopenia e TFHs elevados. O diagnóstico definitivo é confirmado por estudos sorológicos ou reação em cadeia da polimerase. É necessário um alto índice de suspeita para o diagnóstico da infecção, mesmo em áreas endêmicas.[66]

A erliquiose e a anaplasmose são doenças de notificação compulsória nacionalmente, e os profissionais da saúde devem notificar os departamentos de saúde locais. Os Centros de Controle e Prevenção de Doenças são notificados através do National Electronic Telecommunications System for Surveillance (Sistema Eletrônico Nacional de Telecomunicações para Vigilância).

História

A possível exposição a carrapatos (por exemplo, atividades ao ar livre em áreas endêmicas durante os meses de atividade dos carrapatos) e picadas de carrapato evidentes dentro de 14 dias antes do início dos sintomas são importantes fatores de risco que justificam a suspeita de qualquer doença transmitida por carrapatos. No entanto, é importante observar que muitos pacientes não se lembram de terem sido picados por carrapatos; portanto, a ausência de história de picada de carrapato não pode descartar o diagnóstico em pacientes com sinais, sintomas e resultados de investigação consistentes com doença causada por carrapato.

[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Picada de carrapato em estágio avançado com necrose central (área escura ao redor da picada do carrapato) envolta de uma área acentuadamente eritematosaCortesia de Lucas Blanton, MD [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@3c9263e9​​

A infecção geralmente se apresenta como uma doença aguda; o tempo de incubação é de 1 a 2 semanas após a picada do carrapato. Alguns pacientes podem ser assintomáticos, embora isso seja raro, sobretudo em adultos. A infecção tende a ser mais grave em pacientes com mais de 60 anos de idade.[16][61][62][63]

Febre de início abrupto em combinação com outros sintomas constitucionais, como calafrios, mialgia, mal-estar, cefaleia, artralgia ou náuseas é a apresentação mais comum. O diagnóstico deve ser considerado em qualquer paciente com febre de início abrupto e possível exposição a carrapatos. Apresentações menos comuns incluem sintomas inespecíficos como dor abdominal, vômitos, diarreia, tosse, dispneia e rash. O rash é mais comum em crianças que em adultos.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Rash macular eritematoso envolvendo o membro inferior em um caso pediátrico de erliquiose monocitotrópica/monocítica humanaCortesia de Edwin Masters, MD [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@70ecbaa1

Sintomas neurológicos como rigidez da nuca, fotofobia e confusão são raros.

A anaplasmose granulocitotrópica/granulocítica humana (AGH) pode coexistir com a doença de Lyme, babesiose e encefalite transmitida por carrapatos.

Manifestações graves, como linfo-histiocitose hemofagocítica (LHH), uma síndrome imunológica rara e fatal, também foram relatadas na erliquiose.[13][14]​​ Os sinais e sintomas incluem hepatoesplenomegalia, febre e erupção cutânea.

Exame físico

Geralmente, não existem achados no exame físico; no entanto, pode-se observar uma pequena lesão eritematosa redonda com ou sem um pequeno centro escuro necrótico na pele (picada do carrapato). Os pacientes com erliquiose monocitotrópica/monocítica humana (EMH) podem desenvolver linfadenopatia, hepatomegalia (mais comum em crianças), icterícia ou esplenomegalia; no entanto, isso é raro. Complicações no sistema nervoso central como estupor, convulsões ou coma também são raras, mas mais comuns na EMH que na AGH. Pode-se observar sinais de candidíase, infecção por citomegalovírus e aspergilose em casos graves de EMH e AGH. Não se sabe ao certo por que esses pacientes são mais suscetíveis, mas acredita-se que a infecção aguda com EMH ou AGH resulte em um nível de imunossupressão.

Exames laboratoriais

Deve-se solicitar inicialmente hemograma completo, esfregaço de sangue periférico e testes da função hepática (TFHs). A leucopenia com linfopenia absoluta e relativa é comum durante a primeira semana da doença e geralmente está associada a trombocitopenia; no entanto, contagens normais não descartam o diagnóstico. Mórulas citoplasmáticas são observadas no esfregaço sanguíneo, embora elas ainda não tenham sido observadas em pacientes com Ehrlichia muris eauclairensis (anteriormente conhecida como agente Ehrlichia muris-símile, EMLA). Embora seja uma investigação recomendada, a detecção de mórulas é considerada insensível como teste diagnóstico nos pacientes imunocompetentes. No entanto, na experiência clínica, em pacientes imunocomprometidos, um exame de esfregaço de sangue periférico realizado por um hematologista experiente pode confirmar o diagnóstico com mais rapidez.[67]​ A anemia é menos frequente. Os TFHs geralmente apresentam-se discreta a moderadamente elevados. São observadas linfocitoses com acentuado efeito rebote absoluto ou relativo durante a segunda semana da doença.[68]

Se os testes da função hepática estiverem elevados e houver leucopenia e trombocitopenia, essa é uma forte evidência a favor do diagnóstico. Na presença de forte suspeita, o tratamento presuntivo seria iniciado mesmo com os testes normais. Em seguida, deve-se realizar exames laboratoriais específicos, incluindo sorologia ou testes de reação em cadeia da polimerase. Idealmente, os espécimes para os testes confirmatórios do diagnóstico devem ser obtidos antes de o paciente receber a primeira dose de antibióticos.

Sorologia

  • O ensaio de imunofluorescência para anticorpos é o teste mais definitivo e amplamente disponível para a EMH e a AGH, e baseia-se na detecção de um aumento dos anticorpos contra Ehrlichia chaffeensis ou Anaplasma phagocytophilum no soro.[62][69]​​[70][71][72][73]​​[74]​​​​​​​​[75]​​[76][77][78][79]

  • Deve-se obter amostras pareadas durante as fases aguda e convalescente (ou seja, 2-4 semanas depois) para demonstrar um aumento dos títulos de anticorpos. Um aumento de quatro vezes ou mais nos títulos de anticorpos é diagnóstico.[68]

  • A sorologia não pode ser usada para o diagnóstico da erliquiose ewingii humana devido à extensa reatividade cruzada dos anticorpos com o E chaffeensis.

reação em cadeia da polimerase

  • A detecção do ácido desoxirribonucleico/ácido ribonucleico (DNA/RNA) bacteriano de espécimes de sangue/tecido usando primers direcionados a um gene erliquial específico é o achado diagnóstico mais definitivo para a EMH e a AGH durante a fase aguda da doença, quando o paciente estiver febril e sintomático.[16][17][19][24][58][62][72][80][81][82][83][84][85][86][87]

  • A reação em cadeia da polimerase usando primers específicos para E ewingii é o único método disponível para diagnosticar a erliquiose ewingii humana;​a E ewingii não é cultivável e as reações cruzadas sorológicas com E chaffeensis são extensas.[4][88]

Outros testes usados para confirmar o diagnóstico incluem Western immunoblotting, cultura e imuno-histoquímica; no entanto, esses testes não são usados em rotina.

Coinfecções

As infecções com Borrelia spp. e Babesia spp. podem ocorrer simultânea ou sequencialmente nos casos de AGH devido à presença dos 2 primeiros patógenos em carrapatos Ixodes.[89][90][91][92][93] Em áreas do nordeste e do centro-oeste setentrional dos EUA, o vetor é o Ixodes scapularis, enquanto na parte oeste do país o vetor é o I pacificus. A incidência de borreliose e babesiose é mais baixa neste último.[89]

O reservatório natural de todos os 3 patógenos é o camundongo-de-patas-brancas (Peromyscus leucopus), enquanto o veado (Odocoileus virginianus ou veado do rabo branco) é o hospedeiro definitivo desses carrapatos vetores. Também ocorrem coinfecções na Europa e no leste europeu/asiático, mas os vetores são o I ricinus e o I persulcatus respectivamente.[26]

A presença de mais de 1 desses patógenos nos vetores varia bastante de acordo com a área geográfica estudada.[89][94] Os patógenos responsáveis pela borreliose nos EUA e na Europa incluem B burgdorferi sensu stricto, B garini (frequência mais alta de doença neurológica) e B afzelii. Os 2 últimos são mais prevalentes na Europa.[26][95][96] Em relação à babesiose, a maioria das infecções nos EUA são causadas por B microti (nordeste e centro-oeste). A B duncani e a espécie não nomeada CA-1 ocorrem em direção à costa oeste dos EUA, enquanto a MO-1 ocorre no Missouri.[89][97][98] Na Europa, o principal patógeno é o B divergens.[26]

O diagnóstico das coinfecções deve se basear em métodos diretos, como a visualização microscópica do patógeno (espiroquetas observadas por coloração de prata em biópsias da pele, reação em cadeia da polimerase ou cultura em pacientes com borreliose; parasitas intraeritrocíticos visualizados em esfregaços de sangue periférico e reação em cadeia da polimerase em casos de babesiose; e visualização microscópica de mórulas intracelulares em leucócitos polimorfonucleares de esfregaços de sangue periférico, reação em cadeia da polimerase ou cultura em casos de AGH).[95] Deve-se evitar os métodos sorológicos para o diagnóstico de coinfecções devido à alta taxa de anticorpos contra esses agentes em áreas altamente endêmicas. No entanto, as evidências do aumento de anticorpos em amostras colhidas com 2 a 4 semanas de intervalo sugerem a presença de uma infecção aguda por quaisquer desses patógenos. Clinicamente, o diagnóstico de infecções por B burgdorferi é relativamente fácil se as manifestações cutâneas clássicas estiverem presentes como eritema migratório ou rash anular. No entanto, tanto a AGH quanto a babesiose se apresentam como uma enfermidade febril não diferenciada sem características que as distingam uma da outra ou de outras enfermidades febris inespecíficas, incluindo doenças transmitidas por carrapatos, como a febre maculosa das Montanhas Rochosas e a encefalite transmitida por carrapatos (causada pelo flavivírus). As manifestações clínicas da doença de Lyme e da babesiose geralmente são mais graves em comparação com as infecções que ocorrem separadamente.[89][90]

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