Abordagem
Embora o estado mental alterado seja comum, a sua investigação é um desafio, porque as causas potenciais são muitas, e variam de causas sem gravidade a causas que representam risco de vida. Portanto, uma abordagem abrangente e ponderada é essencial, a qual envolve esclarecer a história e o início dos sintomas com os pacientes e/ou cuidadores, bem como os sinais ou sintomas específicos localizados para se estreitar o diferencial.
Avaliar um paciente com estado mental alterado é difícil, pois a obtenção de uma história confiável do paciente é, muitas vezes, impossível. Inicialmente, é imperativo estabelecer o suporte básico à vida.[6] Uma vez que as vias aéreas, a respiração e a circulação do paciente estejam seguras, deve-se conduzir uma pesquisa secundária de emergência. Consulte o tópico Considerações de urgência para condições que requerem tratamento imediato.
Após o tratamento de emergência e a estabilização do paciente, deve ser considerado um diagnóstico diferencial direcionado. Geralmente, pacientes idosos apresentam condições relativamente comuns de maneira incomum e sutil. Por exemplo, eles podem apresentar infecções sem febre ou leucocitose, ou uma víscera perfurada sem dor ou desconforto abdominal. Portanto, é importante adotar uma abordagem lógica e gradual.
Geralmente, os profissionais da saúde não reconhecem nem diagnosticam o delirium nos pacientes idosos.[26][27] Há várias ferramentas de avaliação validadas para o delirium.
O Confusion Assessment Method (CAM), o CAM Short Form (CAM-S) e o CAM breve (bCAM) podem ser usados para diagnosticar o delirium com foco em quatro características fundamentais:[28][29][30][31]
Início agudo e evolução flutuante
Desatenção
Pensamento desorganizado
Nível alterado de consciência.
O Confusion Assessment Method (Método de Avaliação da Confusão, CAM) é um instrumento bem validado para a avaliação do delirium, com sensibilidade entre 87% e 100% e especificidade entre 80% e 100%.[32] O CAM é específico para avaliar o delirium incidente em pacientes idosos em estado crítico (embora sua sensibilidade possa ser mais baixa que a de outras ferramentas de rastreamento), e é comumente usado para determinar a gravidade do delirium (de acordo com a escala de classificação de delirium [Delirium Rating Scale, DRS] e a escala de avaliação de delirium memorial [Memorial Delirium Assessment Scale]).[33][34]
A Observational Scale of Level of Arousal (OSLA) é uma ferramenta de avaliação à beira do leito com sensibilidade de mais de 90% e especificidade de mais de 80% para diagnosticar o delirium em pacientes idosos.[35] A avaliação baseia-se na observação do paciente em relação a quatro áreas clínicas: contato visual, abertura dos olhos, postura e movimento. As diretrizes do Reino Unido recomendam que os médicos considerem o uso da OSLA para distinguir entre demência e delirium em indivíduos não diagnosticados com nenhuma dessas condições.[36]
A 4AT é uma ferramenta rápida que combina quatro elementos:[8][37]
Estado de alerta: qualquer valor abaixo de A na escala AVPU (A = alerta, V = responde ao estímulo Verbal, P = responde ao estímulo doloroso [dor = pain] e U = não responsivo [unresponsive])
AMT4: quatro questões do teste mental abreviado (idade, data de nascimento, lugar e ano atual)
Cognição: fale o nome dos meses de trás para frente (de dezembro a julho apenas)
Alteração aguda ou evolução flutuante.
História
Inicialmente, determine um nível inicial de estado mental/cognitivo, e estabeleça a rapidez com as mudanças tiverem ocorrido. Isso muitas vezes requer a assistência de uma terceira pessoa, como um parente, cônjuge ou amigo.
As perguntas devem ser direcionadas para estabelecer os eventos recentes, como trauma, história médica pregressa relevante, uso prévio de medicamento e consumo de bebidas alcoólicas ou toxinas. Cada sistema do corpo deve ser avaliado na tentativa de localizar a etiologia potencial.
As principais considerações históricas incluem:
Estado cognitivo prévio: é imperativo estabelecer um estado cognitivo e funcional de linha basal antes do início dos sintomas. Na maioria dos casos, uma avaliação aproximada do estado cognitivo prévio pode ser obtida da família do paciente. Uma avaliação cognitiva previamente obtida também pode ser comparada a um rastreamento atual para determinar se os sintomas relacionados às alterações cognitivas são agudos ou crônicos por natureza. O MEEM (Miniexame do Estado Mental) de Folstein ainda é o exame de rastreamento cognitivo mais amplamente usado.[38] No entanto, foi demonstrado na literatura que ele é pouco sensível para diferenciar entre o comprometimento cognitivo leve e a síndrome demencial, em grande parte por conta da falta de exame da função executiva no MEEM.[39][40][41] Há vários outros testes disponíveis, incluindo o Montreal Cognitive Assessment (MoCA) de 10 minutos.[42][43][44] Alguns instrumentos, como o Mini-Cog e o Addenbrooke's Cognitive Examination-Revised (ACE-R), demonstraram um desempenho tão bom quanto o MEEM em termos de detecção da demência.[41] Faltam evidências robustas para dar suporte à utilidade das ferramentas usadas para avaliar o delirium sobreposto à demência; no entanto, os resultados obtidos com o CAM e o CAM-ICU são promissores.[45][46]
Vale ressaltar que a afasia fluente (por exemplo, a encefalopatia de Wernicke) às vezes pode ser confundida com o delirium ou o estado mental alterado, especialmente quando outros sinais neurológicos não estiverem presentes. Portanto, testes breves para afasia (por exemplo, nomeação de objetos, repetição de frases, seguir comandos simples) devem ser realizados para diferenciar essa condição.
Estado funcional prévio: deve-se tomar cuidado para determinar se o paciente tem deficiências em atividades da vida diária, deficiência auditiva ou visual.
Uso de medicamentos: a lista de medicamentos deve ser analisada cuidadosamente. Medicamentos potencialmente de alto risco devem ser descontinuados sempre que possível. Os fitoterápicos, medicamentos de venda livre e substâncias ilícitas também devem ser considerados na revisão do uso de medicamentos.
Comorbidades clínicas: particularmente doenças neurológicas (por exemplo, acidente vascular cerebral [AVC], doença de Parkinson, demência), doenças cardiovasculares (por exemplo, infarto do miocárdio [IAM], angina) e história de doenças renais/metabólicas (por exemplo, hiponatremia, hipernatremia, insuficiência renal crônica).
Níveis de dor: a presença da dor intensa está frequentemente associada ao estado mental alterado. A dor torácica (muitas vezes descrita como tórax pesado ou apertado) com irradiação para braços, costas, pescoço ou mandíbula é típica com IAM, embora a dor torácica possa estar ausente em adultos mais idosos e pessoas com diabetes.
Uso de drogas e consumo de bebidas alcoólicas: a intoxicação e a abstinência alcoólica estão frequentemente associadas ao estado mental alterado.
Irritabilidade inespecífica: em conjunto com outros sintomas típicos de sudorese, palpitações e perda de peso, pode sugerir tireotoxicose.
Fatores ambientais: problemas-chave, como a privação do sono, procedimentos ou cirurgias múltiplas, uso de contenção e internação em unidade de terapia intensiva, estão associados ao delirium e podem ser causadores. Pode haver suspeita de hipotermia se houver uma história recente de exposição ao frio durante um período prolongado, ou o uso de roupas inadequadas para o frio. Ela é mais comum nos idosos ou em crianças pequenas e lactentes. Como alternativa, pode-se suspeitar de hipertermia após o exercício intenso em condições quentes e úmidas.
Exame físico
Possíveis achados úteis incluem sinais de trauma cranioencefálico, icterícia, estado de hidratação, xerostomia, língua mordida, rigidez de nuca, sopros cardíacos e desconforto abdominal. Considerações importantes incluem:
Resposta pupilar: pode sugerir intoxicação por drogas, abstinência de drogas ou um AVC.
Sinais vitais: podem ser particularmente reveladores, seja em um padrão de síndrome tóxica, como toxicidade de anticolinérgicos (por exemplo, febre, taquicardia, hipertensão), ou em um padrão de disfunção autonômica, como a abstinência alcoólica, embora esta possa ser atenuada em idosos. A bradicardia e a hipotensão refletem um possível coma mixedematoso ou bloqueio atrioventricular. A bradicardia e a hipertensão podem ser sinais de hipertensão intracraniana. A taquicardia e a hipotensão podem sugerir choque de etiologia cardiogênica ou hipovolêmica.
Febre: pode ser útil para a distinção da infecção. A hipertermia (por exemplo, com golpe de calor) está geralmente associada a temperaturas centrais >40 °C (>104 °F). Sudorese, em conjunto com palpitações, perda de peso e irritabilidade, pode sugerir tireotoxicose.
Temperatura corporal central: reduzida para <35 °C (<95 °F), se hipotérmico. Termômetros infravermelhos de leitura baixa da membrana timpânica devem ser usados.
Rigidez de nuca: meningite ou encefalite devem ser consideradas.
Exame dos pulmões: murmúrios vesiculares reduzidos e estertores podem indicar infecção (por exemplo, pneumonia) ou doenças comumente associadas à hipóxia, como insuficiência cardíaca congestiva (ICC) e doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC).
Exame cardiovascular: achados físicos evidentes com doença coronariana ou infarto do miocárdio (IAM) devem ser avaliados.
Exame abdominal: pode sugerir infecção intra-abdominal. Se os achados do exame físico e a história sugerem constipação, as causas secundárias precisam ser descartadas. Características de obstrução intestinal podem estar presentes.
Sensibilidade suprapúbica ou bexiga palpável: pode sugerir infecção do trato urinário (ITU) ou obstrução.
Sensibilidade no quadril: pode sugerir uma fratura oculta do quadril, um fator desencadeante frequentemente não percebido para o delirium em pacientes mais idosos e frágeis, especialmente se eles estiverem acamados.
Achados neurológicos: achados focais podem sugerir acidente vascular cerebral (AVC) ou lesão neurológica. A investigação deve incluir testes dos nervos cranianos (incluindo campos visuais); exame motor (para avaliar a focalidade e possível parkinsonismo), sensorial (muitas vezes difícil em um paciente com estado mental alterado), cerebelar e de habilidades verbais; e de marcha.
Investigações
As investigações devem ser guiadas pelos achados da história e do exame físico.[25] Na ausência de achados históricos ou físicos definitivos, uma investigação preliminar deve incluir o seguinte:
A glicose plasmática deve ser o primeiro exame para qualquer paciente que apresente estado mental alterado; pode ser realizado de forma rápida e simples, e as anormalidades são facilmente tratáveis. Se não for possível realizar o exame imediatamente, deve-se administrar glicose de maneira empírica.
Hemograma completo para confirmar suspeita de anemia e ajudar no diagnóstico da infecção.
Perfil bioquímico, incluindo glicemia, para excluir distúrbios metabólicos.
Testes da função tireoidiana caso haja suspeita de tireotoxicose ou coma mixedematoso.
Urinálise para descartar infecção do trato urinário.
Radiografia torácica para ajudar a detectar pneumonia, insuficiência cardíaca congestiva ou outras causas potenciais de hipóxia.
Níveis do medicamento nos pacientes que usem digoxina, lítio, quinidina e álcool (se houver suspeita de história de abuso de álcool).
Eletrocardiograma (ECG) e enzimas cardíacas para descartar infarto do miocárdio (IAM).[6]
Gasometria arterial ou oximetria de pulso para avaliar hipóxia e lactato, comumente encontrados na sepse, ou hipercapnia.
No caso de suspeita de disfunção hepática, é necessário realizar testes da função hepática, incluindo bilirrubinas; os estudos da coagulação podem se apresentar anormais. A medição de amônia plasmática deve ser realizada nos pacientes com delirium/encefalopatia e doença hepática.[47]
Se houver suspeita de infecção, uma hemocultura e uma cultura da urina devem ser obtidas. A punção lombar é recomendada na presença de rigidez da nuca e febre, ou em caso de suspeita de encefalite.
Se houver suspeita de fratura do quadril como causa de estado mental alterado (EMA) (por exemplo, com história de queda e idade acima dos 65 anos), uma radiografia pélvica e a consideração de uma tomografia computadorizada (TC) do quadril (por exemplo, em pacientes com dor persistente, achados preocupantes ao exame, ausência de fratura óbvia visível à radiografia) ou de uma cintilografia óssea pode ser útil.
Se nenhuma etiologia for identificada a partir dos exames preliminares, investigações adicionais devem ser consideradas, incluindo:
Imagens neurológicas (TC e/ou ressonância nuclear magnética).
Monitoramento pelo sistema holter, teste ergométrico e/ou estudos eletrofisiológicos cardíacos para avaliar arritmias.
Angiografia coronariana para excluir cardiopatia isquêmica.
Ecocardiografia para avaliar a presença de insuficiência cardíaca e cardiomiopatia.
Peptídeo natriurético do tipo B para avaliar a presença de insuficiência cardíaca.
Angiotomografia pulmonar ou cintilografia de ventilação/perfusão para avaliar embolia pulmonar como causa de hipóxia.
Taxa de filtração glomerular pode ser útil no caso de uremia.
Exames de imagem abdominal e/ou endoscopia no caso de suspeita de patologia abdominal como apendicite aguda ou isquemia intestinal.
Eletroencefalograma (EEG) para descartar atividade convulsiva e encefalopatia. A lentificação difusa do EEG pode ser útil para destacar o delirium.[48]
Uma tentativa terapêutica de tiamina parenteral se houver suspeita de encefalopatia de Wernicke.
Uma imagem cerebral urgente é necessária na presença de rápida deterioração do estado mental, e pode ser feita ao mesmo tempo ou até antes de alguns exames laboratoriais em certas circunstâncias (por exemplo, suspeita de acidente vascular cerebral [AVC] ou hemorragia intracraniana). Se o diagnóstico de demência estiver sendo considerado, uma TC do crânio é útil para excluir tumores, hidrocefalia de pressão normal e hematoma subdural. As investigações nos pacientes com sinais de encefalopatia hipertensiva devem ser focadas em todos os sinais de danos a órgãos-alvo. Além disso, um teste rápido da metanefrina plasmático ou urinário pode ser útil antes do início da terapia medicamentosa para descartar o feocromocitoma nesses pacientes.
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