Etiologia

A alergia alimentar é um termo amplo que indica uma resposta imunológica anormal a um antígeno alimentar. A alergia resulta de uma perda de tolerância a alimentos específicos.[11] Essa perda de tolerância pode resultar na produção anormal de Imunoglobulina E (IgE) contra um antígeno alimentar em particular. A perda de tolerância ou sensibilidade a um alérgeno alimentar pode ocorrer via trato gastrointestinal, via epiderme (na qual a função de barreira é comprometida) ou via trato respiratório (ao pólen homólogo a alérgenos alimentares).[12] Quando o alimento é ingerido, degradado e absorvido, ele pode se ligar à IgE localizada nos mastócitos, causando a degranulação dos mastócitos (reação de hipersensibilidade do tipo I).[11] Os mastócitos liberam mediadores que causam os sinais e sintomas de anafilaxia. Embora algumas doenças, como a anafilaxia induzida por alimento, pareçam ser mediadas somente por IgE, outras envolvem tanto respostas mediadas por IgE, quanto mediadas por células; por exemplo, a dermatite atópica e as doenças gastrointestinais eosinofílicas.[11] Os mecanismos subjacentes que orientam o desenvolvimento de respostas de IgE específica do alimento, em oposição a respostas mediadas por células específicas do alimento, ainda estão em investigação.

As intolerâncias alimentares de natureza não imune geralmente resultam de deficiências adquiridas ou congênitas em enzimas-chave que degradam carboidratos específicos ingeridos na alimentação. A incapacidade de degradar esses carboidratos em substratos absorvíveis resulta na passagem dos carboidratos não digeridos pelo cólon, o que causa sintomas de dor, diarreia e flatulência, que geralmente são manifestados por pacientes com essas deficiências.[7][13]

As sensibilidades alimentares de natureza não imune como enxaquecas após a ingestão de tiramina e reações ao glutamato monossódico são uma área de controvérsia na literatura.[8][9] No entanto, há uma associação bem estabelecida entre a ingestão de sulfitos e o broncoespasmo em pacientes sensíveis a sulfitos.[10]

Anafilaxia induzida por alimento

A reação de hipersensibilidade do tipo I é mediada por proteínas alimentares que se ligam a imunoglobulinas E (IgE) específicas para o alimento, provocando a degranulação dos mastócitos. Mediadores da liberação mastocitária, como a triptase e a histamina, que causam o início súbito e a evolução rápida dos sintomas de anafilaxia: problemas com risco à vida das vias aéreas e/ou respiração e/ou circulação com ou sem alterações na pele e/ou mucosa (por exemplo, eritema, urticária, angioedema, rinite, prurido).[14][15]​ Geralmente os sintomas se desenvolvem em até 2 horas após a ingestão do alimento desencadeante.[16]​ Urticária generalizada, angioedema e rinite sem problemas com risco à vida nas vias aéreas, respiração ou circulação não atendem aos critérios para anafilaxia; entretanto, se houver dúvidas, administre adrenalina intramuscular e procure ajuda especializada.[15]

Os alérgenos alimentares mais comuns em adultos são amendoins, castanhas, frutos do mar e peixe. Em crianças, geralmente os responsáveis são leite, ovos, soja, trigo, amendoins e castanhas.[1] A história é fundamental para o diagnóstico de anafilaxia induzida por alimento, bem como a identificação do alimento desencadeante. A história estreita o foco da avaliação diagnóstica de uma lista de inúmeros alimentos possíveis para um de vários alimentos prováveis. Esses alimentos podem ser avaliados posteriormente por meio de teste alérgico cutâneo por puntura, de ensaio de IgE in vitro (como o sistema ImmunoCAP - fluoroimunoensaio com polímero carreador hidrofílico encapsulado) e de teste de desencadeamento alimentar.

Anafilaxia induzida por exercício dependente de alimentos

É caracterizada por sintomas típicos de anafilaxia (urticária, angioedema, aperto na garganta, sibilância, rouquidão, prurido, vômitos, diarreia, hipotensão e desconforto respiratório) após a ingestão de um alimento específico seguido por exercício.[17] A anafilaxia a alérgenos alimentares ocorre apenas no cenário de exercício; geralmente, o alérgeno alimentar é tolerado quando ingerido na ausência de exercício, e exercício isoladamente não provoca sintomas.[18] A condição é decorrente de uma reação de hipersensibilidade do tipo I. Exercício dentro de 45 minutos a 2 horas após a ingestão do alimento causador causa os sintomas de anafilaxia. O exercício pode ser leve ou extenuante. A ingestão do alimento causador concomitantemente a aspirina também pode provocar anafilaxia. Foi sugerido que o exercício e a aspirina facilitam a absorção do alérgeno alimentar no trato gastrointestinal.

Os alérgenos alimentares comuns que provocam anafilaxia induzida por exercício dependente de alimentos incluem trigo (mais comum), frutos do mar, vegetais e nozes.[17][18] Enquanto outras formas de alergia alimentar geralmente exigem uma evitação dietética constante, na anafilaxia induzida por exercício dependente de alimentos a evitação pode ser limitada a 4 horas antes do exercício.

Síndrome da alergia oral

Esta é uma reação de hipersensibilidade do tipo I que resulta de imunoglobulina E (IgE) contra antígenos de pólen ou látex com uma reação cruzada com alérgenos alimentares homólogos.[19] É mais comum em adultos que em crianças. O evento inicial é a sensibilização ao pólen ou látex, com o subsequente desenvolvimento de uma reatividade cruzada a alérgenos alimentares.[19] A condição é considerada como uma alergia alimentar de classe 2, já que o sensibilizante é o pólen ou látex e o desencadeante dos sintomas é o alérgeno alimentar, e as reações normalmente são limitadas à boca.[20] Isso contrasta com as alergias alimentares de classe 1, como amendoins, clara de ovo e leite de vaca, que induzem a sensibilização alérgica via trato gastrointestinal e causam reações sistêmicas. A síndrome da alergia oral é desenvolvida em decorrência de epítopos compartilhados nas estruturas primárias e terciárias do pólen, do látex e dos alérgenos alimentares. Os sintomas são classicamente localizados à orofaringe e podem incluir prurido e angioedema dos lábios, da mucosa oral e do palato mole.[21] Embora seja raro, ela pode ocasionalmente progredir para a anafilaxia.[21]

Dermatite atópica

A alergia alimentar desempenha um papel patológico em um pequeno subconjunto de crianças pequenas e bebês com dermatite atópica. O mecanismo é uma reação de hipersensibilidade do tipo I e/ou uma reação tardia do tipo IV.[22] Aproximadamente um terço das crianças com dermatite atópica grave apresentam alergias alimentares mediadas por imunoglobulina E (IgE) que exacerbam seu eczema subjacente.[22][23] Para os adultos, as evidências de um efeito da alergia alimentar no eczema são menos claras.[22][23] As respostas de IgE e de célula T específicas do alimento em relação aos alérgenos alimentares mais comuns foram implicadas.

Esofagite eosinofílica

Esta é uma reação de hipersensibilidade do tipo I e/ou uma reação de hipersensibilidade tardia do tipo IV que resulta em um acúmulo inapropriado de eosinófilos no esôfago. A incidência aumentou de modo acentuado ao longo da última década em pacientes de todas as idades.[23] A fisiopatologia parece estar relacionada tanto às respostas da célula T quanto ao anticorpo imunoglobulina E (IgE) específico do alimento; >50% dos pacientes com esofagite eosinofílica têm outras doenças alérgicas.[23][24] Portanto, os pacientes com esofagite eosinofílica devem realizar uma avaliação de IgE específica para alimentos.[25]

Bebês e crianças pequenas com esofagite eosinofílica podem apresentar retardo do crescimento pôndero-estatural, vômitos ou regurgitação, enquanto crianças e adolescentes geralmente sofrem de pirose, dor abdominal ou disfagia.[24] Os pacientes adultos geralmente apresentam impactação alimentar e disfagia.[26] Os pacientes com esses sintomas devem ser tratados inicialmente com medicamentos para refluxo gastroesofágico. Qualquer paciente com impactação alimentar, disfagia ou falha em responder à terapia antirrefluxo deve ser avaliado para esofagite eosinofílica.[27]

Enterocolite/proctocolite induzida por proteína alimentar

A enterocolite induzida por proteína alimentar é uma reação de hipersensibilidade alimentar tardia grave do tipo IV, geralmente observada em bebês pequenos e geralmente em resposta ao leite ou à soja.[28][29] De forma menos comum, pode ser uma resposta a grãos, vegetais ou aves.[29] Geralmente, é provável que a enterocolite a alimentos sólidos envolva mais de um alimento, tipicamente grãos, podendo envolver também leite e soja.[29][30] É comum que, 2 horas após a ingestão de leite ou soja, esses bebês apresentem vômitos profusos, diarreia, irritabilidade e letargia que podem evoluir para desidratação e choque.[28][29] Exposições repetidas ao agente alimentar desencadeante provocam respostas similares, e a exposição contínua pode resultar em diarreia hemorrágica e retardo do crescimento pôndero-estatural.[16] O diagnóstico é baseado principalmente na história, já que as evidências de imunoglobulina E (IgE) específica do alimento geralmente são negativas.[30]

Na proctocolite induzida por proteína alimentar, bebês saudáveis com crescimento normal geralmente apresentam evacuação diarreica intermitente com estrias de sangue.[1] A proctocolite induzida por proteína alimentar geralmente é causada por respostas imunes ao leite de vaca ou a fórmulas com base em soja em bebês com idade entre 1 e 4 meses.[31] No entanto, 50% dos bebês com proctocolite são amamentados e podem estar respondendo a um antígeno alimentar na dieta da mãe.[16] O diagnóstico é baseado na história. Os sintomas remitem quando o alimento desencadeante é removido da dieta do bebê, ou da dieta materna se a mãe estiver amamentando.[32]

Doença celíaca

Uma doença de inflamação crônica no intestino delgado que ocorre em decorrência da hipersensibilidade a proteínas do glúten dos cereais presente no trigo, no centeio e na cevada.[33][34]​​​​ Na Europa e nos EUA, a frequência média da doença celíaca na população em geral é de aproximadamente 1%.[35]​ A doença celíaca pode se manifestar em qualquer idade. Cerca de 95% dos pacientes são positivos para HLA-DQ2; a doença celíaca também está associada com o HLA-DQ8.[36]

​​​​A inflamação crônica da mucosa causa atrofia vilosa. Apesar de anticorpos contra os autoantígenos estarem presente em alguns pacientes celíacos, nem todos têm autoanticorpos.[34] No entanto, a doença celíaca pode estar associada a doenças autoimunes como diabetes do tipo I e tireoidite autoimune.[33]​​[34][37]

Intolerância à lactose

A intolerância à lactose é uma condição bastante comum que resulta de uma deficiência na enzima lactase.[7][13] A lactose é o carboidrato primário no leite dos mamíferos e é um dissacarídeo que requer a degradação, realizada pela lactase, em glicose e galactose para que a absorção ocorra.[7][13] Quando há deficiência da enzima lactase, a lactose passa pelo intestino delgado e chega até o cólon sem digestão. A lactose não digerida produz uma carga osmótica que atrai fluidos para o cólon, causando evacuação diarreica.[7] Além disso, as bactérias do cólon podem metabolizar a lactose em ácidos graxos voláteis e gases, causando assim dor abdominal, distensão abdominal e flatulência.[13] Bebês com deficiência congênita de lactase são extremamente raros. Esses bebês desenvolvem diarreia em resposta à ingestão de fórmula desde o nascimento. A forma mais comum de intolerância à lactose resulta da perda da lactase com a idade.[7][13]

Deficiência de sacarase-isomaltase congênita

A deficiência de sacarase-isomaltase é uma doença autossômica dominante que resulta de deficiências congênitas nas enzimas sacarase e isomaltase, as quais são responsáveis pela digestão da sacarose.[38] Devido ao fato de a sacarose não ser degradada no intestino delgado, ela chega ao cólon sem estar digerida. No cólon, ela provoca uma carga osmótica e influxo de fluidos, o que resulta em diarreia e, possivelmente, em retardo do crescimento pôndero-estatural.[38]

Reações à tiramina

A tiramina é uma amina biogênica, cuja ação libera noradrenalina dos terminais nervosos simpáticos. A tiramina é degradada pela monoaminoxidase.[39] Foi proposto que ela desencadeia cefaleias por meio da liberação de noradrenalina, a qual pode então agir nos receptores alfa-adrenérgicos.[39] Esse mecanismo de ação proposto foi derivado da observação de que os pacientes que tomam inibidores da monoaminoxidase desenvolvem cefaleias quando ingerem queijos envelhecidos, que têm um alto conteúdo de tiramina.[39] No entanto, estudos mais rigorosos que envolveram testes de desencadeamento com tiramina em pacientes com enxaqueca induzida por alimento não conseguiram encontrar uma associação entre a ingestão de tiramina e o desenvolvimento de enxaquecas.[8]

Reações ao glutamato monossódico (GMS)

O glutamato monossódico (GMS) é um realçador de sabor que é adicionado a muitos alimentos, além de ser encontrado também naturalmente nos alimentos.[7] Relatos de sensibilidade ao GMS já existem há muitos anos.[7][40] No entanto, vários ensaios clínicos controlados em pacientes com sensibilidade autorrelatada ao GMS não conseguiram confirmar nenhuma reação ao GMS.[7][40] Portanto, as reações ao GMS podem não ser uma sensibilidade alimentar verdadeira.

Sensibilidade a sulfitos

Os sulfitos são adicionados aos alimentos para prevenir o escurecimento, controlar o crescimento microbiano e modificar texturas.[41] A sensibilidade a sulfitos é um problema em alguns pacientes asmáticos, particularmente naqueles que são dependentes de corticosteroides.[10][41] Três potenciais mecanismos de ação para explicar a sensibilidade a sulfitos foram descritos: broncoespasmo secundário a inalação; reações aos sulfitos mediadas por imunoglobulina E (IgE); e alguns pacientes apresentaram menor atividade da sulfito oxidase em seus fibroblastos.[10]

O uso deste conteúdo está sujeito ao nosso aviso legal