Abordagem

O diagnóstico se baseia no preenchimento de critérios clínicos definidos. Diversos critérios clínicos, eletrofisiológicos e laboratoriais foram sugeridos, com graus variados de sensibilidade e especificidade.[1][23]​​​​​​​​[24][25]​​​​​​​​ Embora a maioria dos conjuntos de critérios tenha especificidades de quase 100%, as sensibilidades são de, aproximadamente, 60% a 70%.[23][24][26]​​​​​​ Os critérios mais recentes são menos restritivos que os primeiros critérios, resultando em sensibilidades mais altas (80% a 85%) e mantendo altas especificidades. A sensibilidade poderá ser maior se dois conjuntos de critérios com parâmetros diferentes forem combinados.[27] O bloqueio de condução motora em local não comprimível é altamente sensível.[26] Testar mais nervos e locais proximais pode melhorar a sensibilidade.[28][29]​​​​​​ O preenchimento dos critérios das diretrizes de diagnóstico estabelecidas pode prever um índice de resposta de tratamento maior que em pacientes que não preenchem esses critérios.[30]

Os critérios de diagnóstico foram atualizados na segunda revisão das diretrizes da European Academy of Neurology/Peripheral Nerve Society (EAN/PNS) para PDIC (publicadas em 2021) para aumentar a especificidade, e esses critérios são considerados os mais úteis para a prática clínica e cuidados com o paciente. As categorias diagnósticas (com base no nível de certeza diagnóstica) são PDIC e possível PDIC.[1]​ Esses critérios atualizam e substituem os critérios da primeira revisão das diretrizes, de 2010.[31]

Apesar da boa sensibilidade e especificidade dos critérios de diagnóstico para PDIC, o diagnóstico incorreto é comum, principalmente para pacientes com variantes da PDIC. Isso pode ocorrer devido a estudos de condução nervosa mal realizados ou mal interpretados, ou à não adesão aos critérios de eletrodiagnóstico, e pode causar atraso no tratamento efetivo.[1][2][16]

As características típicas da PDIC incluem uma evolução progressiva crônica ou recidivante/remitente ao longo de pelo menos 8 semanas, resultando em fraqueza simétrica proximal e distal, perda sensorial nos quatro membros e hiporreflexia e arreflexia nos quatro membros. Fraqueza predominantemente distal (conhecida como neuropatia simétrica desmielinizante adquirida distal [SDAD]), fraqueza assimétrica, fraqueza focal e manifestação subaguda ao longo de 4-8 semanas são manifestações alternativas que indicam variantes de PDIC.[1] Evidências eletrodiagnósticas de desmielinização são obrigatórias para se fazer o diagnóstico de polirradiculoneuropatia desmielinizante inflamatória crônica (PDIC).

Avaliação clínica

A PDIC pode ocorrer em qualquer idade, sendo a idade mais comum de início entre 40 e 60 anos, e é mais comum em homens.[1][2][5][15]

A exposição a medicamentos ou toxinas que provavelmente tenham causado a neuropatia (por exemplo, difteria, espinheiro, amiodarona, tacrolimo) pode descartar o diagnóstico de PDIC.[32][33]​​ Neuropatia desmielinizante hereditária com base em história familiar, deformidade dos pés, retinite pigmentosa, atrofia óptica, perda auditiva, predisposição à paralisia por pressão, automutilação, manifestações significativas do sistema nervoso central (SNC) ou presença de queixa esfincteriana intestinal ou vesical significativa também podem apontar para um diagnóstico alternativo.[34][35][36]

O exame neurológico de rotina é necessário. A fraqueza é observada em praticamente todos os pacientes e é comum ter dificuldade de marcha. Hiporreflexia ou arreflexia e disfunção sensorial (dormência, parestesia) são características da PDIC.[1]​​[3][16]​​​ A dor pode ser uma característica; a prevalência de dor em razão da PDIC em qualquer momento da evolução da doença foi estimada em 46% em uma revisão sistemática.[37]

Raramente, os pacientes manifestam somente sintomas sensitivos, geralmente parestesias e disestesias distais, mas podem ter ataxia sensitiva, que também pode causar dificuldade de marcha.[1][38][39]​​ Outras manifestações incomuns incluem dispneia, perda da visão, queixas relacionadas aos nervos cranianos (por exemplo, fraqueza facial, disartria ou disfagia), disfunção erétil, hipotensão ortostática e incontinência, urgência ou hesitação urinária; no entanto, esses também são sinais e sintomas de diagnósticos alternativos.[40]​​[41]​​ Hipertrofia de nervo pode ser detectada em alguns pacientes. Achados do SNC como papiledema ou espasticidade têm sido relatados, mas são bem raros. Também pode ocorrer manifestação motora pura.​[1]

Investigações

Estudos de condução nervosa devem ser realizados em todos os pacientes com suspeita de PDIC. Investigações de suporte para o diagnóstico incluem análise do líquido cefalorraquidiano (LCR), exames de imagem com ultrassonografia ou ressonância nuclear magnética (RNM), resposta ao tratamento e biópsia de nervo; eles podem ser úteis quando os estudos eletrodiagnósticos forem inconclusivos ou resultarem em diagnóstico de "possível PDIC" em pacientes que atendem aos critérios clínicos para PDIC.[1]

Avaliação eletrodiagnóstica

  • Evidências eletrodiagnósticas de desmielinização são obrigatórias para fazer o diagnóstico e devem ser solicitadas para todos os pacientes com suspeita clínica de PDIC. O teste mais importante são estudos de condução nervosa.

  • Os critérios diagnóstico se baseiam principalmente no achado de uma combinação de velocidades de condução reduzidas, prolongamento das latências distais e da onda F e bloqueio de condução em um ou mais nervos motores.[1]

  • Agora, os critérios sensoriais também foram incluídos nos critérios eletrodiagnósticos.[1]

  • Os pacientes com história e exame neurológico sugestivos e critérios de reforço condizentes com o diagnóstico de PDIC não devem ser excluídos do tratamento se não atenderem aos critérios eletrofisiológicos, contanto que os estudos de condução nervosa mostrem alguma evidência de desmielinização. Além disso, especialmente para pacientes com variantes de PDIC, a sensibilidade pode ser aumentada ao estudar mais de quatro nervos motores, utilizar estimulação proximal nos membros superiores e incluir nervos sensoriais e potenciais evocados somatossensoriais.[1] Os estudos de condução nervosa deverão ser repetidos se ainda houver dúvida quanto ao diagnóstico.

  • Para pacientes com PDIC puramente sensorial, os estudos de condução nervosa podem mostrar somente anormalidades leves que não satisfazem os critérios eletrodiagnósticos típicos; proteína do LCR elevada, potenciais evocados somatossensoriais anormais e desmielinização na biópsia de nervo podem estar presentes.[38][39]

  • Em um estudo de pacientes encaminhados para um centro de atenção terciária para PDIC refratária, um dos principais motivos para o fracasso terapêutico foi um diagnóstico alternativo incorreto. A importância dos estudos de condução nervosa foi enfatizada, pois muitos pacientes com diagnósticos alternativos (por exemplo, esclerose lateral amiotrófica, neuropatia idiopática, neuropatia de fibra pequena) não tinham características desmielinizantes e clinicamente careciam de fraqueza distal dos membros inferiores, perda sensorial vibratória e arreflexia disseminada. Os mimetizadores da PDIC também são erroneamente diagnosticados com frequência.[42]

avaliação do líquido cefalorraquidiano (LCR)

  • A análise do LCR deve ser considerada para pacientes com suspeita de PDIC quando o exame clínico e eletrofisiológico não são definitivamente diagnósticos. Ela também é recomendada se houver suspeita ou possibilidade de infecção ou doença linfoproliferativa.[1]

  • Em >90% dos pacientes com PDIC, a análise do LCR normalmente mostra dissociação albuminocitológica: níveis elevados de proteína com contagem leucocitária normal (<10 leucócitos/mm³). Níveis de proteína no LCR >45 mg/dL são anormais; níveis >100 mg/dL são incomuns, e podem ser encontrados níveis muito mais altos. No entanto, é necessário ter cautela na interpretação, especialmente para pacientes com diabetes mellitus ou estenose da coluna vertebral, e em pacientes jovens ou idosos.[1][43][44][45]

  • Celularidade de >10 leucócitos/mm³ devem levantar suspeita de infecção ou neoplasia maligna. A celularidade pode ser de até 50 leucócitos/mm³ na infecção por HIV.[46][47]

  • ​​​A sensibilidade da análise do LCR para detectar variantes de PDIC é desconhecida.[1][48]

Exames por imagem

Para pacientes que atendem aos critérios clínicos e eletrodiagnósticos para diagnóstico de PDIC, o exame de imagem não é necessário para o diagnóstico e, portanto, não é recomendado.[1]

Antes de concluir que as anormalidades no exame de imagem dão suporte ao diagnóstico de PDIC, outras doenças devem ser consideradas e descartadas. Isso inclui neuropatia motora multifocal, doença de Charcot-Marie-Tooth desmielinizante, neuropatia relacionada à paraproteína IgM (especialmente com anticorpos anti-glicoproteína associada à mielina [MAG]), síndrome POEMS (polineuropatia, organomegalia, endocrinopatia, proteína M e alterações cutâneas), radiculoplexopatia diabética, neuropatia amiloide, amiotrofia neurálgica, hanseníase, neurofibromatose e neurolinfomatose.[1]

Ultrassonografia de nervo

  • A ultrassonografia de nervo é recomendada como ferramenta diagnóstica para pacientes adultos que atendem aos critérios de diagnóstico para possível PDIC.[1]

  • O achado mais comum na ultrassonografia é o espessamento multifocal dos nervos.[1][49][50]​​ Isso pode ajudar a diferenciar PDIC de doença de Charcot-Marie-Tooth tipo 1, na qual os nervos geralmente apresentam espessamento difuso.[51][52]

  • A presença de espessamento multifocal do nervo está correlacionada aos achados eletrodiagnósticos.[49][50][53] Um estudo demonstrou velocidade de condução nervosa motora sendo inversamente correlacionada com a área transversal em segmentos de nervo com evidência eletrodiagnóstica de desmielinização.[53] Os nervos com área transversal elevada foram vistos em pacientes com um ciclo mais grave de PDIC como manifestação mais longa de duração da doença, escore de soma inferior do Medical Research Council (MRC), escore da Neuropathy Cause and Treatment (INCAT) altamente inflamatório e doença progressiva.[53][54]

  • O diagnóstico pode ser mais provável se houver espessamento de nervos em pelo menos dois locais nos segmentos de nervos medianos proximais e/ou plexo braquial (a mimetização deve ser descartada).[1]

  • A ultrassonografia pode ser usada para avaliar a resposta ao tratamento.[55]​ Os nervos espessados podem ficar mais finos ou voltar ao normal com a remissão da doença.[56] Pacientes com PDIC ativa refratária ao tratamento geralmente apresentam nervos aumentados sem mudança significativa ao longo do tempo.[56]

  • Não há evidências sobre o uso de ultrassonografia em pacientes pediátricos.[1]

RNM

  • RNM da coluna vertebral e do plexo com e sem contraste pode ser considerada para pacientes adultos, quando os estudos eletrodiagnósticos forem inconclusivos ou quando o paciente atender aos critérios de diagnóstico para possível PDIC, e a ultrassonografia não estiver disponível ou não for clara.[1]

  • Sem realce com gadolínio, hipertrofia das raízes nervosas lombossacrais ou cervicais ou do plexo braquial ou lombossacral é a anormalidade mais comum. Raramente, a hipertrofia envolve os nervos cranianos; é mais comum em doença de longa duração com evolução recidivante/remitente. O realce pelo contraste pode estar presente e sugere inflamação.[1][57]​​

  • Não há evidências sobre o uso de RNM em pacientes pediátricos.[1]

Protocolo clínico da terapia

  • A maioria dos pacientes com PDIC apresentará resposta ao tratamento com monoterapia de primeira linha (imunoglobulina intravenosa, corticosteroide ou plasmaférese).[1][58][59][60]​​​​​​ Se a primeira monoterapia for ineficaz, um agente alternativo de primeira linha deverá ser experimentado.

  • A ausência de uma resposta pelo menos parcial a um ou dois agentes imunossupressores de primeira linha deve levar à consideração de um diagnóstico alternativo: por exemplo, nodopatias autoimunes.[1]

Biópsia de nervo

  • A biópsia de nervo tem valor diagnóstico limitado e é desnecessária para a maioria dos pacientes.[3]​ Ela só deve ser realizada em algumas circunstâncias, principalmente se o diagnóstico não for claro e os diagnósticos alternativos não tiverem sido totalmente descartados após estudos de condução nervosa, punção lombar, investigações laboratoriais e exame de imagem (se indicado). Pode ser útil em casos nos quais os estudos eletrodiagnósticos são inconclusivos.[1][61]​​​ A biópsia também deve ser considerada se houver grande suspeita de um processo infiltrante, como observado em caso de linfoma, neoplasia maligna, amiloidose ou sarcoidose.[1]

  • Embora seja comum realizar biópsia do nervo sural ou do nervo fibular superficial, a biópsia de um nervo clinicamente afetado será mais informativa.[4][21]

  • Os achados clássicos incluem evidências inequívocas ou predominantes de desmielinização segmentar, remielinização ou formação de bulbos de cebola por microscopia eletrônica ou análise por microdissecção de fibras. A desmielinização normalmente ocorre de forma paranodal ou próximo dos nós de Ranvier. As células inflamatórias (podem ou não estar presentes) costumam ser epineurais e endoneurais.[1][3][6][41]​​​

  • Evidência de degeneração axonal é comum e inclui perda de axônio e formação ovoide de mielina.​[6][21][22][40]

Outros exames laboratoriais

  • Ensaio de imunoadsorção enzimática (ELISA) ou Western blot podem ser usados para detectar autoanticorpos. Um pequeno subgrupo de pacientes tem anticorpos contra proteínas nodais ou paranodais, que, geralmente, são da subclasse IgG4; elas incluem contactina-1 (CNTN1), neurofascina-155 (NF155), proteína-1 associada à contactina (Caspr1) e isoforma neurofascina NF140/186.[62][63]​​​ Esses pacientes são classificados como portadores de nodopatia autoimune, que se manifesta com um fenótipo distinto que inclui início rápido, ataxia, tremor e resposta desfavorável à imunoglobulina intravenosa e aos corticosteroides.[1] Foi relatada resposta a ciclofosfamida ou rituximabe.[64][65][66]

  • Diversos testes são recomendados para identificar outras potenciais condições (por exemplo, vírus da imunodeficiência humana [HIV], diabetes mellitus, gamopatia monoclonal, neoplasia maligna, hepatite, sarcoidose, lúpus eritematoso sistêmico, doença mista do tecido conjuntivo) ou para estabelecer um diagnóstico alternativo se os critérios para PDIC não forem atendidos.[1]

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