Abordagem
A hiperprolactinemia pode se manifestar clinicamente de diferentes maneiras, variando significativamente dependendo das características do paciente e da causa e da magnitude do excesso de prolactina (PRL). Ela geralmente é descoberta durante a avaliação de queixas como amenorreia, galactorreia, disfunção erétil ou cefaleias.
Assim que o diagnóstico de hiperprolactinemia é confirmado pela detecção de níveis de PRL sérica acima do nível normal de referência (para o laboratório em questão), sua causa subjacente é avaliada em uma abordagem por fases. Uma única medição da PRL é geralmente adequada nos pacientes com quadro clínico consistente, uma massa selar e aumento substancial da PRL.[47][48] No entanto, é recomendado repetir o teste para descartar o estresse ou uma pulsatilidade incomum como causa nos pacientes com prolactina levemente elevada (menos de cinco vezes o limite superior do normal).[49][48] Testes dinâmicos para secreção de PRL não são necessários.[48] Nos pacientes com hiperprolactinemia sintomática não fisiológica, recomenda-se como primeiro passo descartar uso de medicamentos, insuficiência renal, hipotireoidismo e tumores parasselares como possíveis causas.[3][48]
Na detecção da hiperprolactinemia:
A história detalhada deve ser colhida e um exame físico completo realizado (para ajudar no diagnóstico da causa subjacente).
A história e o exame físico servem para tentar descartar causas fisiológicas.
Os medicamentos conhecidos por causar hiperprolactinemia devem ser substituídos ou suspensos, se possível, (talvez seja necessária consulta com um médico especialista, como psiquiatra ou cardiologista, dependendo do medicamento desencadeante). Em particular, um medicamento antipsicótico que estiver associado a alto risco de hiperprolactinemia (por exemplo, risperidona, clorpromazina) deve ser substituído por medicamentos poupadores da prolactina (por exemplo, aripiprazol, quetiapina).[50]
Exames laboratoriais que ajudam a diagnosticar a causa subjacente:
Testes das funções hepática e renal
testes da função tireoidiana
Teste de gravidez
Níveis de macroprolactina (medida em apresentações assintomáticas ou atípicas).[48]
Exames de imagem:
A ressonância nuclear magnética (RNM) da hipófise é realizada quando as hiperprolactinemias fisiológica, induzida por medicamentos e secundária já tiverem sido excluídas.
Se um macroadenoma for encontrado, é preciso investigar o paciente quanto a hipopituitarismo.
Se nenhuma lesão for detectada na RNM, hiperprolactinemia idiopática é diagnosticada.
Quando há discrepância entre um tumor hipofisário grande na imagem e PRL com discreta elevação, a diluição seriada de amostras séricas pode ser usada para eliminar um artefato que pode ocorrer com alguns ensaios imunorradiométricos, que pode causar uma leitura falsamente baixa do nível de PRL.[48]
História clínica e exame físico
Durante a avaliação de um paciente com hiperprolactinemia, uma história médica pregressa detalhada, incluindo medicamentos, e a história familiar devem ser colhidas, e um exame físico completo deve ser realizado, procurando por sinais e sintomas indicativos de excesso de prolactina (PRL).
A consequência clínica predominante da hiperprolactinemia, tanto em homens como em mulheres, é o hipogonadismo hipogonadotrófico, que decorre de uma interrupção da secreção pulsátil de hormônio liberador de gonadotrofina (GnRH) pelo nível elevado de PRL. Isso causa uma diminuição dos níveis de hormônio folículo-estimulante (FSH) e hormônio luteinizante (LH) e uma redução concomitante das concentrações de estrogênio e testosterona que se manifestam com características clínicas típicas.
A hiperprolactinemia se apresenta com uma variedade de sinais e sintomas, dependendo de sua gravidade e causa subjacente:
Tanto em homens quanto em mulheres, prolactinomas, especialmente macroprolactinomas (>10 mm de diâmetro), causam sinais e sintomas de "efeito de massa". Esses incluem cefaleias, perda da visão ou defeitos do campo visual, neuropatias dos nervos cranianos e convulsões. Hipopituitarismo também pode ocorrer como resultado da compressão do pedúnculo hipotálamo-hipofisário ou outras células hipofisárias.[1][2][3] O hipopituitarismo pode comprometer algum ou todos os eixos endócrinos regulados pela hipófise. Em ordem de frequência, causa deficiência de hormônio do crescimento (GH), hipogonadismo secundário, hipotireoidismo secundário e insuficiência adrenal secundária. Também pode causar diabetes insípido.[51]
Em mulheres, o excesso moderado de PRL (isto é, 2217-3261 picomoles/L [51-75 microgramas/L]) geralmente está associado a oligomenorreia, enquanto a elevação leve do nível de PRL (isto é, 1348-2174 picomoles/L [31-50 microgramas/L]) resulta em fase lútea curta e diminuição da fertilidade e da libido.[2]
A hiperprolactinemia também se apresenta com diferentes sinais e sintomas dependendo da idade e do sexo do paciente:
Mulheres na pré-menopausa geralmente apresentam níveis de PRL >4348 picomoles/L (100 microgramas/L) e apresentam galactorreia, oligo/amenorreia, infertilidade, distúrbios menstruais, libido reduzida, disfunção sexual, hirsutismo, ressecamento vaginal com dispareunia, abortos habituais e possibilidade de gravidez.
Mulheres menopausadas geralmente apresentam sinais e sintomas de efeito de massa, e a galactorreia ocorre apenas na presença de terapia de reposição de estrogênio.[1]
Outras manifestações clínicas em mulheres menopausadas incluem osteopenia e osteoporose (perda de altura e dorsalgia, mas sem um aumento do risco de fraturas patológicas) secundárias a hipoestrogenemia resultante de níveis elevados de PRL, além de hirsutismo e acne, que podem decorrer do aumento da secreção de sulfato de desidroepiandrosterona(DHEA-S) pelas glândulas adrenais, também conhecido como hiperandrogenemia.[1][2][3][52][53]
Homens apresentam infertilidade (devido à redução da produção de esperma), impotência (devido à disfunção erétil), libido reduzida, galactorreia, ginecomastia, densidade óssea reduzida e sinais e sintomas de efeito de massa.[1][2][3]
Crianças apresentam puberdade tardia e sinais e sintomas de efeito de massa em ambos os sexos, e amenorreia primária e galactorreia em meninas.[54]
O paciente também deve ser avaliado quanto à presença de sinais e sintomas relacionados a possíveis causas subjacentes de hiperprolactinemia, como hipotireoidismo (fadiga, sensibilidade ao frio, constipação, anormalidades menstruais, cãibras musculares, ganho de peso, bócio da tireoide, pele fria, áspera e seca, rosto e mãos inchados, voz rouca, reflexos lentos, unhas finas e quebradiças, cor de pele alaranjada) e outras doenças sistêmicas, inclusive insuficiência renal crônica (sinais de uremia: hipertensão, pele amarelada, odor urêmico, declínio do estado mental) e cirrose (hepatoesplenomegalia, perda de peso, ascite, icterícia, edema periférico, encefalopatia, pirexia, dilatação das veias superficiais). A hiperprolactinemia também foi associada à aterosclerose pré-clínica (avaliada pela espessura da íntima-média da carótida), às anormalidades metabólicas (como resistência insulínica elevada) e às inflamações sistêmicas (avaliadas pelos níveis elevados de proteína C-reativa de alta sensibilidade).[55][56][57]
Uma história médica abrangente é necessária para revelar a presença de medicamentos conhecidos por elevarem os níveis de PRL. Esses medicamentos devem ser substituídos ou suspensos, se possível (pode ser necessária consulta com um médico especialista, como um psiquiatra ou cardiologista, a depender do medicamento desencadeante).
Causas fisiológicas de hiperprolactinemia, como gravidez, lactação, hipoglicemia, infarto do miocárdio, cirurgia, estresse psicológico, exercício, ingestão de alimentos, relações sexuais e sono, também devem ser excluídas.
O exame físico deve incluir avaliação de parede torácica, abdome e mama em busca de sinais de cirrose, assim como de traumas (por exemplo, queimaduras, hematomas) e cicatrizes cirúrgicas. Palpação da glândula tireoide (para identificar bócio), avaliação oftalmológica (com atenção particular aos campos visuais) e avaliação da presença de hipogonadismo (por exemplo, tamanho e textura testiculares, padrão de crescimento dos pelos corporais) também devem ser realizadas.
Investigações
O foco do diagnóstico inicial deve ser identificar uma etiologia não tumoral plausível, pois isso evitará os riscos e gastos associados a tomografias computadorizadas (TCs) e ressonâncias nucleares magnéticas (RNMs) desnecessárias.
Exames de sangue
Quando os valores de prolactina (PRL) não são diagnósticos, os níveis devem ser reavaliados em outro dia, pelo menos 1 hora depois de o paciente ter acordado ou comido. Para evitar secreção pulsátil, 2 ou 3 amostras separadas com intervalo mínimo de 15 a 20 minutos são necessárias (embora alguns ensaios não tenham mostrado diferença significativa entre esses valores).[1][19] O estresse é um parâmetro de confundimento que pode causar pseudo-hiperprolactinemia. Nesses casos, a medição da PRL por meio de punção venosa antecubital de demora, em amostra repetida ou após 120 minutos de repouso no leito, pode resolver esses problemas de maneira bastante confiável. Uma amostra em repouso pode ser considerada se os valores aleatórios da PRL estiverem abaixo de 4087 picomoles/L (94 microgramas/L).[58] Os medicamentos que aumentam os níveis de PRL devem ser substituídos ou suspensos, se possível, com orientação adequada de um médico especialista, como um psiquiatra ou cardiologista, antes que uma segunda amostra seja coletada.[29] A duração do período de supressão depende da meia-vida do medicamento, mas geralmente é de 48 a 72 horas. Não há necessidade de se suspender contraceptivos orais ou terapia hormonal de estrogênio e progesterona.[19]
As funções renal, hepática e tireoidiana devem ser examinadas por medições de eletrólitos, ureia e urinálise; testes da função hepática e albumina; e testes da função tireoidiana (hormônio estimulante da tireoide [TSH], T4 livre) e tempo de protrombina, respectivamente.
Um teste de gravidez deve ser realizado para descartar a possibilidade de hiperprolactinemia relacionada à gravidez.[1][2][3][19]
Nas apresentações assintomáticas ou atípicas, ou quando os distúrbios menstruais podem ser atribuídos a outras causas, como síndrome do ovário policístico, a macroprolactinemia deve ser medida via precipitação por polietilenoglicol (PEG) e excluída. A harmonização do processo de precipitação por polietilenoglicol (PEG) e os relatórios emitidos pelos laboratórios podem melhorar a acurácia do diagnóstico. Cromatografia de filtração em gel é outro método, mas consome muito tempo, é cara e não é utilizada rotineiramente em laboratórios clínicos. A avaliação da concentração de PRL após a separação das macroformas de PRL e o uso de referências mais apropriadas para PRL pode ajudar a distinguir entre hiperprolactinemia e pseudo-hiperprolactinemia.[1][2][3][6][19][39][59]
Testes de estimulação da PRL incluindo testes de hormônio liberador de tireotrofina (TRH) e antidopamina (metoclopramida, domperidona) foram propostos, mas sua sensibilidade e valor diagnóstico para determinar a necessidade de técnicas de imagens subsequentes são baixos.[19]
Exames de imagem
Após a exclusão de causas fisiológicas, farmacológicas e outras causas secundárias de hiperprolactinemia, a RNM da cabeça com cortes seletivos da hipófise é necessária para avaliação dos pacientes para uma lesão de massa. A RNM é mais indicada que a TC, pois a TC pode não identificar lesões pequenas e expõe o paciente a altas doses de radiação.[1][2][3]
Um exame de TC é indicado em casos de calcificação selar ou tumores suprasselares como craniofaringiomas, ou quando estruturas ósseas estão envolvidas.
Na ausência de sintomas, a utilidade clínica de achar um adenoma hipofisário com RNM é questionável, pois até 10% dos estudos de imagem em pacientes assintomáticos revelam achados anormais na hipófise, sugestivos de um adenoma, conhecidos como incidentaloma.[60]
Alguns investigadores sugerem avaliação com RNM apenas se os níveis de PRL forem >4348 picomoles/L (100 microgramas/L), enquanto outros a recomendam para todos os pacientes com níveis persistentemente elevados de PRL na ausência de uma causa secundária identificável para a hiperprolactinemia.[3][61][62]
O valor de corte ideal de PRL que diferencia entre prolactinoma e adenoma hipofisário não funcionante (AHNF) ainda não foi estabelecido. No entanto, 98.7% dos pacientes com AHNF com extensão suprasselar têm níveis de PRL abaixo de 4087 picomoles/L (94 microgramas/L ou 2000 miliunidades/L), sugerindo que níveis de PRL sérica de até 4348 picomoles/L (100 microgramas/L) podem ser um ponto de corte útil (com base em PRL de 1087 picomoles/L [25 microgramas/L] como o limite superior do normal para mulheres).[1][63] Da mesma forma, uma revisão retrospectiva constatou que apenas 4.2% dos pacientes com AHNF apresentaram níveis de PRL >3913 picomoles/L (90 microgramas/L).[64]
Se um macroadenoma for detectado, o paciente deve ser examinado para hipopituitarismo com avaliação dos níveis de outros hormônios hipofisários e de órgãos-alvo (hormônio adrenocorticotrófico [ACTH], hormônio luteinizante [LH], hormônio folículo-estimulante [FSH], hormônio do crescimento [GH], TSH, T4 livre, teste de tolerância à glicose, cortisol, testosterona, estradiol, sulfato de desidroepiandrosterona[DHEA-S], fator de crescimento semelhante à insulina-1).[1][2][3] Alguns médicos realizam determinações basais iniciais desses hormônios para descartar hipersecreção associada e estabelecer uma linha basal de valores de referência para comparação após futuras intervenções.[65]
Se um macroadenoma for detectado na presença de uma leve hiperprolactinemia, o diagnóstico mais provável é um adenoma hipofisário não produtor de PRL ou outra massa selar causadora do efeito de compressão do pedúnculo hipofisário.[2]
Alguns casos de prolactinomas gigantes (grandes macroadenomas >2 cm) se apresentam com níveis artificialmente normais ou até mesmo baixos de PRL, um fenômeno conhecido como "efeito gancho". Esse efeito é devido à saturação de anticorpos anti-PRL no tubo de ensaio (geralmente imunorradiométrico) causando falsos resultados baixos. Outras medições de PRL com diluição 1/100 levam ao diagnóstico dessa situação.[1][19]
Se as hiperprolactinemias fisiológica, induzida por medicamentos e secundária forem excluídas e nenhuma lesão for detectada na RNM, o diagnóstico é hiperprolactinemia idiopática.
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