Considerações de urgência

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Colangite ascendente

Os pacientes com colangite ascendente podem ser identificados pela altamente específica tríade de Charcot (febre, icterícia e dor no quadrante superior direito). No entanto, a tríade de Charcot tem uma sensibilidade de 36%, portanto, não pode ser usada para descartar colangite ascendente.[64] Os pacientes podem relatar fezes claras e urina escura como resultado da colestase.

A colangite ascendente pode rapidamente se tornar uma infecção aguda e com risco de vida que requer rápida avaliação e tratamento. Geralmente, o organismo causador é um bacilo gram-negativo. Os pacientes requerem antibioticoterapia precoce e ressuscitação fluídica intravenosa. Deve-se realizar uma ultrassonografia imediatamente para confirmar se a árvore biliar está obstruída.

Antibióticos isoladamente não oferecem tratamento suficiente para a maioria dos pacientes. O tratamento definitivo é a descompressão urgente da árvore biliar, geralmente feita por colangiopancreatografia retrógrada endoscópica.

Os pacientes com colangite ascendente podem desenvolver sepse, definida como uma disfunção de órgãos com risco de vida causada por uma resposta desregulada do hospedeiro a uma infecção. Os sinais clínicos incluem taquicardia, taquipneia, estado mental agudamente alterado, febre ou hipotermia (temperatura <36ºC [<97ºF]), enchimento capilar lentificado e pele com manchas vermelhas e roxas variadas, hipotensão e diminuição do débito urinário.

Além de ressuscitação fluídica e antibióticos intravenosos, esses pacientes necessitam de exames de sangue, incluindo hemocultura, lactato venoso, glicose, hemograma completo, ureia, testes séricos da função hepática, proteína C-reativa e monitoramento do débito urinário. Eles também podem necessitar de oxigênio suplementar para manter a saturação de 94% a 98% (ou 88% a 92% para aqueles com risco de insuficiência respiratória hipercápnica), e internação em uma unidade de terapia intensiva.[65]

Hemólise maciça

A hemólise maciça como causa de icterícia deve ser considerada na presença de níveis baixos de hemoglobina e na ausência de sangramento manifesto. As anemias hemolíticas imunes geralmente têm achados clínicos característicos, incluindo início e progressão rápidos, urina escura e icterícia, com ou sem esplenomegalia.

Os achados laboratoriais são importantes na confirmação de um processo hemolítico (por exemplo, aumentos de lactato desidrogenase e bilirrubina indireta e diminuição de haptoglobina) e no estabelecimento de uma etiologia imunológica (por exemplo, resultados do teste antiglobulina).

Dados hematológicos precoces são essenciais para se considerar a possibilidade de altas doses de corticosteroide intravenoso e imunoglobulina intravenosa.

Insuficiência hepática aguda

A insuficiência hepática aguda (IHA) é definida por icterícia, coagulopatia (INR >1.5), e encefalopatia hepática em pacientes sem evidência de doença hepática prévia.[66][67]

A hepatotoxicidade do paracetamol é a principal causa nos EUA e na Europa Ocidental, enquanto a hepatite viral aguda é a causa mais comum na maior parte dos países em desenvolvimento. As outras causas incluem lesão hepática idiossincrática induzida por medicamentos, hepatite autoimune, síndrome de Budd-Chiari, doença de Wilson aguda e isquemia.

A IHA pode ser caracterizada por uma rápida deterioração do estado neurológico. Os pacientes apresentam alto risco de complicações, incluindo sepse, edema cerebral, instabilidade hemodinâmica e insuficiência renal. O monitoramento em unidade de terapia intensiva (UTI) é essencial para fornecer o cuidado ideal ao paciente e para prevenir e tratar as complicações conhecidas da IHA.[68][69]

Além da terapia de suporte, a causa subjacente deve ser tratada. Determinar se o paracetamol é o responsável pela IHA em um caso individual é o fator mais importante a ser abordado no momento da apresentação.[70]​ A acetilcisteína deve ser administrada em todos os casos de IHA secundária a uma superdosagem de paracetamol.

Todos os pacientes com IHA devem ser considerados possíveis candidatos ao transplante do fígado, e medidas para transportar o paciente para um centro de transplantes hepáticos devem ser estudadas assim que o paciente for estabilizado.[67][71]

Insuficiência hepática crônica agudizada

A insuficiência hepática crônica agudizada (IHCA) é uma síndrome distinta de descompensação hepática aguda em um paciente com doença hepática crônica. Ela se desenvolve após um insulto hepático agudo, e está associada a insuficiências de órgãos e a alta mortalidade em curto prazo.[72][73]

A IHCA exclui os pacientes com entidades distintas conhecidas, como insuficiência hepática aguda, e aqueles com doença hepática em estágio terminal.[74]

A hepatite relacionada ao álcool e a hepatite viral crônica são as doenças hepáticas crônicas subjacentes mais comuns.[75]

A infecção é um dos principais fatores desencadeantes de IHCA nos países ocidentais e é relatada em até 40% dos pacientes com IHCA à apresentação inicial.[73][76][77]​ Sepse, abuso de álcool ativo e recidiva de hepatite viral crônica são fatores precipitantes comuns, mas pode não haver um fator desencadeante identificável em mais de 10% dos pacientes com IHCA.[73][75]

Os pacientes apresentam icterícia, coagulopatia, ascite e/ou encefalopatia hepática. Os rins, fígado, coagulação, cérebro, circulação e pulmões são os sistemas de órgãos afetados com mais frequência.[78] A inflamação sistêmica com contagem de leucócitos elevada e níveis plasmáticos de proteína C-reativa é um traço característico da IHCA.[72]

O escore CLIF Consortium Organ Failure (CLIF-C OFs) é usado para diagnosticar IHCA e determinar a gravidade; o CLIF-C OFs avalia bilirrubina, creatinina, grau de encefalopatia, razão normalizada internacional, pressão arterial média e PaO₂/FiO₂.[79][80]

O tratamento da IHCA se baseia no suporte orgânico e no tratamento das complicações associadas.[68][69]​ Os pacientes com IHCA devem ser considerados para internação em UTI e, de preferência, tratados em um centro de transplante de fígado. As funções orgânicas devem ser monitoradas com frequência, e o tratamento precoce deve ser oferecido de acordo com cada órgão específico, para evitar uma falência múltipla de órgãos.[73]

Cirrose hepática descompensada

Os pacientes com cirrose hepática compensada por qualquer etiologia podem permanecer assintomáticos por vários anos.[81]​ Eles podem não apresentar sintomas até o primeiro episódio de doença hepática descompensada com sinais clinicamente evidentes de hipertensão portal.

As apresentações possíveis incluem icterícia, ascite, hemorragia por varizes, encefalopatia hepática ou disfunção hepática sintética incluindo coagulopatia. O primeiro evento de descompensação hepática eleva significativamente o risco de complicações da cirrose hepática, e ocorrerão episódios de descompensação.[63]

Os pacientes com doença hepática em estágio avançado estão muito mais suscetíveis à infecção, o fator desencadeante mais frequente de descompensação hepática.[78]

Todos os pacientes precisam realizar exames de sangue (hemograma completo, proteína C-reativa, ureia e eletrólitos, testes da função hepática, estudos de coagulação, glicose, cálcio, fosfato, magnésio) e um rastreamento abrangente para infecções, incluindo hemocultura e urocultura, radiografia torácica e paracentese.[82][83]​​ Pode ser necessário realizar um tratamento concomitante para desintoxicação alcoólica, hemorragia por varizes, infecção, lesão renal aguda, hiponatremia ou encefalopatia hepática. Os pacientes com cirrose descompensada devem ser encaminhados a um hepatologista com urgência.

Hepatite aguda relacionada ao álcool

A hepatite relacionada ao álcool é uma síndrome de lesão hepática inflamatória progressiva associada à ingestão excessiva de álcool. Quando a hepatite relacionada ao álcool tem gravidade suficiente para causar icterícia, encefalopatia hepática ou coagulopatia, a mortalidade pode ser significativa.[84]

Os pacientes apresentam início subagudo de febre, hepatomegalia, leucocitose, comprometimento acentuado da função hepática (por exemplo, icterícia, coagulopatia) e manifestações de hipertensão portal (por exemplo, ascite, encefalopatia hepática, hemorragia varicosa).

As complicações incluem a peritonite bacteriana, hemorragia digestiva alta e anormalidades de fluidos e eletrólitos. A aplicação do escore para hepatite alcoólica de Glasgow ou do escore modelo para doença hepática terminal (Model End-Stage Liver Disease - MELD) permite identificar os pacientes com hepatite relacionada ao álcool grave.[85] [ Escore para hepatite alcoólica de Glasgow Opens in new window ] [ Escore MELD para doença hepática de estágio terminal (NÃO é adequado para pacientes com menos de 12 anos de idade) (unidades SI) Opens in new window ]

A endoscopia digestiva alta urgente é indicada para avaliar e tratar varizes quando o paciente apresenta melena e hematêmese.

A infecção pode ser um fator desencadeador da descompensação e um fator causador de desfechos desfavoráveis na hepatite relacionada ao álcool. Envie culturas de sangue e urina e solicite uma radiografia torácica.

Na ausência de infecção, os corticosteroides podem ser benéficos nos pacientes com hepatite relacionada ao álcool grave (MELD >20) sem outras contraindicações.[24][86][87]​​ Caso corticosteroides sejam usados inicialmente, a resposta pode ser avaliada utilizando-se os critérios de Lille, e os corticosteroides podem ser descontinuados caso não haja resposta objetiva.[24][88][89]​​​ O American College of Gastroenterology não recomenda o uso de pentoxifilina em pacientes com hepatite alcoólica grave.[24][90]

A desnutrição e a sarcopenia são comuns nos pacientes hospitalizados com hepatite relacionada ao álcool. Garanta uma ingestão adequada de proteínas e calorias; as vitaminas do complexo B e o zinco devem ser repostos. O uso de suplementos nutricionais orais ou de suporte nutricional entérico deve ser considerado.[24]

Insuficiência cardíaca

A icterícia é uma primeira manifestação rara da insuficiência cardíaca. O mecanismo é, mais comumente, a congestão hepática, embora possa ocorrer hepatite isquêmica aguda após um infarto do miocárdio. Geralmente, a icterícia causada por insuficiência cardíaca é leve e acompanhada de dispneia.[91]

Ao exame físico, os pacientes podem apresentar hepatomegalia e refluxo hepatojugular. Os outros sinais de insuficiência cardíaca incluem cardiomegalia, pressão venosa jugular elevada, ritmo da terceira bulha cardíaca em galope, estertores, sinais de derrame pleural e edema periférico. A elevação acentuada da alanina aminotransferase ocorre na hepatite isquêmica.[91]

As investigações incluem troponina sérica, eletrocardiograma, radiografia torácica e ecocardiograma. O manejo é o tratamento oportuno da afecção cardíaca subjacente. Reduzir a congestão hepática por meio do controle da insuficiência cardíaca do paciente geralmente leva a uma melhora na icterícia.

Leptospirose

Indivíduos que trabalham ao ar livre, com animais ou que nadam em rios e lagos contaminados estão em risco.[22]​​ A hepatoesplenomegalia, o desconforto abdominal, a icterícia e a sufusão conjuntival bilateral podem aparecer tanto na fase aguda/inicial como da fase imune da doença. A doença de Weil, a forma mais grave da leptospirose, se caracteriza por icterícia, hemorragia e insuficiência renal.

O tratamento eficaz da leptospirose envolve uma combinação de antibioticoterapia e terapia de suporte agressiva para pacientes com lesões orgânicas, embora as evidências do efeito dos antibióticos na redução da mortalidade e de eventos adversos sejam limitadas.[92]​ Os pacientes devem ser monitorados quanto a sinais de depleção de volume e hemorragia. Os médicos devem garantir a hidratação adequada, e corrigir a coagulopatia e os distúrbios eletrolíticos.

A leptospirose grave é tratada com antibioticoterapia intravenosa. A benzilpenicilina é recomendada como tratamento de primeira linha, com a ceftriaxona como agente alternativo.[22]​​

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