Etiologia
A bilirrubina é um produto residual da quebra da molécula heme, que é liberado quando os eritrócitos são quebrados. Os macrófagos do sistema reticuloendotelial quebram a heme e produzem bilirrubina não conjugada. Esta molécula lipossolúvel atravessa facilmente as membranas celulares e entra no sangue.
A bilirrubina não conjugada é absorvida pelos hepatócitos e conjugada com o ácido glucurônico. A bilirrubina conjugada é hidrossolúvel, o que permite a excreção na bile. As bactérias intestinais convertem a bilirrubina conjugada em urobilinogênio e estercobilinogênio, que são excretados na urina e nas fezes.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Metabolismo da bilirrubinaCriado pelo BMJ Knowledge Centre [Citation ends].
O aumento da destruição de eritrócitos ou o comprometimento da conjugação da bilirrubina elevam o nível de bilirrubina não conjugada (indireta), ao passo que o dano hepatocelular ou a obstrução do trato biliar elevam o nível de bilirrubina conjugada (direta).
A icterícia pode ser classificada de acordo com o local da disfunção metabólica da bilirrubina (pré-hepática, hepatocelular e colestática) ou de acordo com o tipo de acúmulo de bilirrubina (aumento dos níveis de bilirrubina direta ou indireta).
Causas pré-hepáticas
Um aumento da bilirrubina sérica não conjugada (indireta) indica maior produção de bilirrubina pela destruição de eritrócitos ou uma disfunção na conjugação da bilirrubina. Ele é chamado de pré-hepático porque o processo patológico ocorre antes que a bilirrubina seja metabolizada pelo fígado.
Causas pré-hepáticas: hemólise
Anemias hemolíticas hereditárias
A hemólise dos eritrócitos causa a elevação dos níveis séricos de bilirrubina não conjugada.
As causas recaem em três categorias amplas:
Doenças da membrana eritrocitária (por exemplo, esferocitose hereditária, eliptocitose, piropoiquilocitose)
deficiências enzimáticas (por exemplo, deficiência de glicose-6-fosfato desidrogenase, deficiência em piruvato quinase)
produção anormal de hemoglobina (por exemplo, anemia falciforme, talassemia).
Anemias hemolíticas adquiridas
A hemólise dos eritrócitos causa a elevação dos níveis séricos de bilirrubina não conjugada.
A anemia hemolítica autoimune ocorre quando os eritrócitos são atacados por autoanticorpos e direcionados para destruição extravascular. Isso geralmente ocorre como parte de doenças autoimunes (por exemplo, lúpus eritematoso sistêmico, artrite reumatoide ou esclerodermia) ou em relação a um distúrbio linfoproliferativo (geralmente, linfoma não Hodgkin ou leucemia linfocítica crônica).
A anemia hemolítica aloimune pode ser causada por reações à transfusão, geralmente por incompatibilidade entre grupos sanguíneos ABO.
Muitos medicamentos estão associados a hemólise.
As causas infecciosas incluem citomegalovírus, mononucleose infecciosa, toxoplasmose e leishmaniose.
As anemias hemolíticas microangiopáticas são anemias graves causadas por coagulação intravascular disseminada, púrpura trombocitopênica trombótica, síndrome hemolítico-urêmica e eclâmpsia.
A hemoglobinúria paroxística noturna é uma doença rara que resulta em um defeito adquirido na membrana do eritrócito e em hemólise subsequente.
Causas pré-hepáticas: comprometimento da conjugação da bilirrubina
Síndrome de Gilbert
Doença hereditária sem consequências graves, afetando de 2% a 10% das pessoas brancas nos países desenvolvidos.[1] Caracteriza-se por icterícia intermitente em decorrência da bilirrubina não conjugada na ausência de hemólise ou doença hepática subjacente.
Causada por um defeito no gene UGT1A1, que codifica a enzima de conjugação hepática uridina difosfato glucuronosiltransferase.
A maior parte da herança é autossômica recessiva, mas pode ocorrer transmissão autossômica dominante se houver uma mutação de sentido incorreto no gene UGT1A1.
A icterícia pode ser precipitada por desidratação, jejum, períodos menstruais ou estresse, como uma doença intercorrente ou exercício vigoroso.
Com exceção da hiperbilirrubinemia não conjugada, os resultados dos testes séricos da função hepática padrão são normais. Nenhuma investigação adicional é necessária.
Os episódios apresentam resolução espontânea.
Causas hepatocelulares
As afecções que danificam a estrutura e/ou a função dos hepatócitos dão origem à icterícia hepatocelular. Tais afecções incluem infecções, toxinas, câncer, condições autoimunes e condições genéticas.
Causas hepatocelulares: infecções
As hepatites virais A, B, C, D e E podem causar icterícia.
Hepatite A
A causa mais comum de hepatite viral aguda, especialmente entre crianças e adultos jovens. Em alguns países, >75% dos adultos já foram expostos. Ele não causa doença hepática crônica.
Mais de 70% das crianças mais velhas e dos adultos infectados com hepatite A desenvolvem icterícia.[2] Crianças com menos de 6 anos são menos propensas a desenvolverem icterícia com a infecção por hepatite A.
A hepatite A se dissemina principalmente por contato fecal-oral e, assim, pode ocorrer em áreas com maus hábitos de higiene. Casos isolados também são comuns, geralmente resultados de contato interpessoal. As epidemias disseminadas por água e alimentos ocorrem especialmente em países em desenvolvimento. Algumas vezes, a causa é a ingestão de mariscos crus contaminados.
Pode causar insuficiência hepática aguda, que se caracteriza por icterícia, coagulopatia (razão normalizada internacional [INR] >1.5), e encefalopatia hepática em pacientes sem doença hepática preexistente.
A frequência relativa tem diminuído em países desenvolvidos. Melhoras nas áreas de higiene, política de saúde pública e saneamento têm causado o maior impacto na frequência relativa da hepatite A. Os programas de vacinação e a imunização passiva conquistaram certa redução da doença em grupos de alto risco.
Hepatite B
A icterícia em pacientes com hepatite B pode ocorrer em decorrência de uma infecção aguda ou descompensação da cirrose causada por infecção crônica.
O vírus da hepatite B (HBV) é transmitido por via hematogênica e sexualmente. O rastreamento de rotina de sangue de doadores com o teste para o antígeno de superfície da hepatite B (HBsAg) tem praticamente eliminado a transmissão pós-transfusão, comum anteriormente, mas a transmissão via compartilhamento de agulhas por usuários de drogas continua sendo comum. É comum a transmissão vertical, de mãe para filho.
A maioria das infecções agudas são assintomáticas. Aproximadamente de 30% a 50% dos pacientes com idade igual ou superior a 5 anos desenvolvem sintomas, entre eles icterícia, vômitos, fadiga e dor abdominal.[2][3]
A infecção pode resultar em uma doença autolimitada que não requer tratamento, principalmente para adultos imunocompetentes, em que o risco de cronicidade é de 5%.[2] Se adquirida na fase perinatal ou na primeira infância, pode resultar em alta taxa de doença crônica.[4] Noventa por cento dos bebês que adquirem a infecção no período perinatal desenvolvem hepatite B crônica.[2] Entre as crianças infectadas entre 1 e 5 anos de idade, 30% desenvolvem infecção crônica.[2]
Pode causar insuficiência hepática aguda, que se caracteriza por icterícia, coagulopatia (INR >1.5), e encefalopatia hepática em pacientes sem doença hepática preexistente.
A terapia antiviral é eficaz para suprimir a replicação viral, conforme definido pelo DNA do HBV em, aproximadamente, 95% dos pacientes tratados com terapia antiviral oral.[5][6]
A vacinação universal contra hepatite B foi implementada na maioria dos países.[7]
Hepatite C
A maioria dos pacientes recém-infectados é assintomática; uma minoria (20% a 30% das pessoas) desenvolve sintomas de hepatite aguda (incluindo icterícia).[2]
A infecção pelo vírus da hepatite C (HCV) é raramente autolimitada. A infecção crônica se desenvolve em mais de 50% dos pacientes infectados por HCV.[2] As revisões sistemáticas indicam que a cirrose pode se desenvolver até 20 anos após o início da doença em até 22% dos pacientes.[8][9]
A infecção é mais comumente transmitida pelo sangue, em especial quando usuários de drogas parenterais compartilham agulhas, mas também por meio de tatuagens ou body piercing. A transmissão sexual e a transmissão vertical, de mãe para filho, são relativamente raras. A transmissão por transfusão de sangue tornou-se bastante rara desde o advento de testes de rastreamento em sangue doado.
Antivirais de ação direta podem alcançar uma resposta virológica sustentada ou cura em >95% dos pacientes e têm poucos eventos adversos.[10] A resposta virológica sustentada, quando a carga viral do HCV é indetectável 12 semanas após a conclusão do tratamento, causa reduções substanciais nas mortalidades relacionada ao fígado e por todas as causas, nos transplantes de fígado e nos carcinomas hepatocelulares.[11]
A US Preventive Services Task Force recomenda um rastreamento único para o HCV para a maioria dos adultos entre 18 e 79 anos.[12]
Hepatite D
Um vírus defeituoso que requer a presença do HBV para causar uma doença clinicamente reconhecível.
A coinfecção do vírus da hepatite D com HBV é considerada a forma mais grave de hepatite viral crônica, pois evolui com mais rapidez para cirrose e carcinoma hepatocelular.
A imunização contra HBV pode prevenir a infecção pela hepatite D.[13][14]
Hepatite E
A icterícia ocorre em cerca de 40% dos pacientes.
Os padrões clínico e epidemiológico da infecção pelo vírus da hepatite E (HEV) são diferentes entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento.[15]
Nos países em desenvolvimento, surtos de infecção aguda por HEV (HEV1 e HEV2) são geralmente transmitidos pela água e estão associados à contaminação fecal da rede de abastecimento de água.[15] Representa uma doença aguda e autolimitada que, geralmente, não requer nenhum tratamento ou requer apenas tratamento de suporte. A infecção por hepatite HEV1 e HEV2 está, no entanto, associada a uma alta incidência de mortalidade materna em países em desenvolvimento (particularmente durante o terceiro trimestre).[16] Nos países desenvolvidos, o HEV3 e HEV4 são transmitidos por via zoonótica a partir de reservatórios de animais.
O aumento da mortalidade é observado em gestantes, com taxas de mortalidade de 20% a 25%, principalmente durante o terceiro trimestre.[17]
O HEV pode causar insuficiência hepática aguda, que se caracteriza por icterícia, coagulopatia (INR >1.5), e encefalopatia hepática em pacientes sem doença hepática preexistente.
A infecção crônica é mais comum nos países desenvolvidos, com progressão rápida para cirrose em receptores de transplantes de órgãos, pacientes com neoplasia hematológica que precisam de quimioterapia e indivíduos com HIV.
Além de manifestação hepática clássica, o HEV foi associado à manifestação extra-hepática da doença, incluindo síndromes neurológicas, lesão renal, pancreatite e distúrbios hematológicos.
Infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV)
Os pacientes com infecção por HIV conhecida representam uma população única com diversas etiologias possíveis de icterícia.[18]
A terapia antirretroviral pode causar hepatite induzida por medicamentos.
Infecções oportunistas e neoplasias malignas podem causar a patologia hepatobiliar nos pacientes infectados por HIV. Frequentemente, há coinfecção com HBV ou HCV, bem como complicações relacionadas a outros vírus (citomegalovírus, vírus Epstein-Barr e vírus do herpes simples).
Infecções parasitárias
As infecções parasitárias causadoras de icterícia incluem ascaríase (causada pelo Ascaris lumbricoides), hidatidose (causada pelo Echinococcus granulosus), Clonorchis sinensis e Fasciola hepatica.
A icterícia pode ocorrer nos pacientes com malária por Plasmodium falciparum e é um fator de risco para doença mais grave.[19]
Geralmente, a icterícia ocorre em consequência da hemólise em eritrócitos infectados, embora a infecção direta dos hepatócitos pelo parasita da malária também possa causar icterícia.
O abscesso hepático amebiano é uma complicação rara da infecção pelo protozoário parasita Entamoeba haemolytica. As infecções por Entamoeba ocorrem mais comumente em regiões tropicais e subtropicais. Cistos parasitários maduros são ingeridos na água contaminada. Os trofozoítos penetram a parede do cólon, causando colite, e viajam até o fígado pelas veias portais. Ali, uma reação inflamatória e a necrose celular formam um abscesso. Os pacientes apresentam dor aguda no quadrante superior direito do abdome e febre, além de icterícia.[20]
Leptospirose
Uma zoonose de distribuição mundial, causada por espiroquetas móveis do gênero Leptospira e mantida na natureza pela infecção renal crônica de animais portadores.[21]
Há mais de 1 milhão de casos e 58,000 mortes no mundo todo a cada ano.[21]
Indivíduos que trabalham ao ar livre ou com animais estão em risco. A leptospirose foi associada a natação ou esportes aquáticos em lagos e rios contaminados.[22]
Existem duas fases na doença: uma fase aguda/inicial de 5 a 7 dias seguida pela fase imune.
Os sintomas durante a fase aguda/inicial incluem febres altas, calafrios, cefaleia, mialgia (geralmente localizada nas panturrilhas), dor abdominal, diarreia, náuseas e vômitos, astenia, anorexia, fotofobia e sufusão conjuntival.
Após 5 a 7 dias, a febre se resolve e o paciente desenvolve sintomas da fase imune (que incluem dor ocular intensa, cefaleia, fotofobia, sintomas pulmonares [tosse, dispneia, dor torácica, hemoptise], palpitações, sufusão conjuntival, sensibilidade muscular, alterações do estado mental [delirium, coma] e deficit neurológico focal).
A hepatoesplenomegalia, o desconforto abdominal e a icterícia podem aparecer tanto na fase aguda/inicial como da fase imune da doença.
A fase imune está associada a doença grave e pode se manifestar como insuficiência renal, insuficiência hepática e/ou hemorragias pulmonares.[23]
A doença de Weil, a forma mais grave da leptospirose, se caracteriza por icterícia, hemorragia e insuficiência renal.
Causas hepatocelulares: toxinas
Bebidas alcoólicas
A icterícia pode ser causada pela hepatite relacionada ao álcool aguda ou como manifestação de cirrose avançada.[24][25]
Cerca de 40-80 g/dia nos homens e 20-40 g/dia nas mulheres, por 10-12 anos, é o suficiente para causar danos ao fígado na ausência de outras doenças hepáticas. Entre 10% e 20% dos pacientes com uso crônico e excessivo de álcool desenvolvem hepatite ou cirrose relacionada ao álcool.[26]
A progressão da fibrose em pacientes com doença hepática relacionada ao álcool é mais rápida naqueles que fumam e têm outras doenças hepáticas metabólicas, incluindo doença hepática gordurosa associada a disfunção metabólica (DHGDM), hemocromatose hereditária, deficiência de alfa-1 antitripsina e doença de Wilson.
A hepatite relacionada ao álcool pode ocorrer em qualquer estágio da doença hepática relacionada ao álcool. Além de icterícia nova ou agravada, os pacientes podem apresentar sintomas constitucionais como fadiga e outros sintomas de doença hepática avançada (por exemplo, edema, prurido, asterixis [flapping], confusão, ascite, esplenomegalia, hipertensão portal e hemorragia por varizes).[24]
Lesão hepática induzida por medicamentos
Aproximadamente 2000 casos por ano nos EUA.[27] A mortalidade associada é de aproximadamente 10%.[28]
Muitos medicamentos podem levar à elevação aguda e crônica de testes hepáticos. Alguns efeitos são decorrentes da hepatotoxicidade direta (dose-dependente, intrínseca e previsível); outros podem ser reações idiossincráticas ao medicamento (altamente dose-dependente e imprevisível).[29][30][31] A lesão hepática induzida por medicamento (LHIM) idiossincrática é incomum e ocorre em 1 a cada 1000 a 1 a cada milhão de indivíduos expostos a um medicamento aprovado.[30][32][33] Outro mecanismo de hepatotoxicidade, LHIM indireta, surge quando a ação biológica do medicamento afeta o sistema imunológico do portador, causando uma forma secundária de lesão hepática.[30]
Doença hepática preexistente, diabetes e obesidade estão associadas com o aumento da incidência e da intensidade de DILI.[30] As diretrizes europeias consideram a idade, o sexo feminino e a etnia como fatores de risco para DILI; as diretrizes dos EUA, no entanto, afirmam que não há dados suficientes para considerá-los fatores de risco confiáveis.[30][34]
Hepatotoxicidade induzida por paracetamol (46%) e LHIM idiossincrática (11%) são as causas mais comuns de insuficiência hepática aguda nos EUA.[35] Antimicrobianos, agentes do sistema nervoso central e agentes anti-inflamatórios são os agentes mais comumente implicados na série de DILI e registros do mundo todo.[30][36]
A lesão hepática associada a suplementos alimentares e fitoterápicos é cada vez mais frequente no mundo todo.[30] Em um estudo prospectivo, os suplementos alimentares e fitoterápicos foram responsáveis por 16% dos casos de LHIM no geral.[37] Os produtos mais relatados foram suplementos para fisiculturismo, com um fenótipo indicativo de lesão causada por esteroide anabolizante.
O banco de dados Livertox reúne as causas, diagnóstico, incidência e tratamento da lesão induzida por medicamentos para vários medicamentos diferentes, e seu acesso é gratuito. LiverTox Database Opens in new window Inclui suplementos alimentares e fitoterápicos.
Causas hepatocelulares: neoplasias
As neoplasias primárias e metástases no fígado podem causar icterícia pela destruição do tecido saudável desse órgão, reduzindo sua capacidade de conjugar a bilirrubina, ou pela compressão dos ductos biliares intra-hepáticos, causando coléstase.[38]
Carcinoma hepatocelular
É o tipo mais comum de câncer hepático primário. A incidência de carcinoma hepatocelular relacionado à infecção por hepatite B ou C está diminuindo, mas a incidência de carcinoma hepatocelular relacionado à DHGDM está aumentando.[39] Idade avançada, sexo masculino, obesidade, diabetes, uso de bebidas alcoólicas e história familiar aumentam o risco.
Linfoma
A icterícia ocorre em 3% a 10% dos pacientes com linfoma. O linfoma pode causar uma lesão de massa ou infiltrar de maneira difusa no fígado. O comprometimento hepático é mais comum no linfoma não Hodgkin.[40]
Metástases hepáticas
O fígado é um lugar comum de metástases de cânceres que afetam outros órgãos, principalmente o câncer colorretal, em que 25% dos pacientes desenvolvem metástase no fígado.
C câncer de pâncreas e o colangiocarcinoma causam, predominantemente, icterícia colestática, e são discutidos na seção Causas colestáticas abaixo.
Causas hepatocelulares: autoimunes
Hepatite autoimune
Uma doença hepática inflamatória crônica de etiologia desconhecida. Acredita-se que a patogênese envolve uma relação complexa entre predisposição genética, desencadeadores ambientais (diversos vírus, medicamentos ou agentes fitoterápicos têm sido propostos como desencadeadores), autoantígenos e disfunção dos mecanismos imunorreguladores.
Caracterizada pela presença de autoanticorpos circulantes com alta concentração de globulina sérica, alterações inflamatórias na histologia hepática e resposta favorável a tratamento imunossupressor.
Os pacientes podem desenvolver uma icterícia variante, mas, mais comumente, a doença é detectada durante a investigação de testes séricos da função hepática anormais.
Colangite biliar primária
Doença hepática autoimune crônica resultante da destruição progressiva dos ductos biliares intra-hepáticos que pode causar fibrose hepática e cirrose.
Os sintomas comuns são cansaço, prurido e, nos casos mais avançados, icterícia. Em casos iniciais, pode haver apenas alterações dos exames de sangue.[41]
A colangite biliar primária é uma doença relativamente rara (incidência global combinada de 1.76 por 100,000 pessoas/ano; prevalência global combinada de 14.6 por 100,000 pessoas).[42] É muito mais comum em mulheres, com uma razão de mulheres/homens de aproximadamente 5:1 na Europa.[43]
Colangite esclerosante primária
Doença hepática colestática crônica progressiva caracterizada por inflamação e fibrose dos ductos biliares intra-hepáticos e/ou extra-hepáticos, resultando na formação de estenoses difusas e multifocais.
Afeta os homens com mais frequência que as mulheres, com uma idade mediana de início entre 30 e 40 anos. Uma revisão sistemática e metanálise relataram taxas de incidência combinadas de 0.62 e 0.53 por 100,000 pessoas-ano na Europa e na América do Norte, respectivamente.[44] A incidência e a prevalência no norte da Europa foram relatadas subsequentemente em 1 por 100,000 e 1 por 10,000 ao ano, respectivamente.[45]
Geralmente associada à doença inflamatória intestinal (70% dos pacientes com colangite esclerosante primária apresentam doença inflamatória intestinal).[46]
A apresentação é insidiosa. Os sintomas são raros na doença em estágio inicial. À medida que a doença evolui, pode ocorrer dor no quadrante superior direito, prurido, fadiga, icterícia, febre e perda de peso.[47]
Causas hepatocelulares: genética
Doença de Wilson
Distúrbio hereditário autossômico recessivo raro do metabolismo do cobre caracterizado pelo depósito excessivo de cobre no fígado, no cérebro e em outros tecidos.[48]
Menos de 50% dos pacientes desenvolvem icterícia antes do diagnóstico.[49]
Os pacientes geralmente apresentam doença hepática durante a primeira década de vida ou doença neuropsiquiátrica durante a terceira década.
O diagnóstico é confirmado pela medição da ceruloplasmina sérica e pela excreção urinária de cobre.
Hemocromatose hereditária
Uma das doenças genéticas mais comuns encontradas em indivíduos do norte da Europa, com prevalência de 1 em 200 a 1 em 400 pessoas.[50]
Um distúrbio hereditário autossômico recessivo causado pela absorção contínua de ferro do intestino delgado, apesar de um ferro corporal total normal.
Na doença avançada, o acúmulo de ferro causa danos teciduais disseminados, incluindo diabetes mellitus, artrite e artralgia, cardiomiopatias e arritmias, e cirrose.[50]
Deficiência de alfa 1-antitripsina
Uma doença autossômica codominante causada por mutações no gene SERPINA1 que codifica a alfa 1-antitripsina (AAT), um importante inibidor de proteases séricas.
Os pacientes com a variante Z ou outras variantes raras têm aumento do risco de desenvolvimento de doença hepática, devido ao acúmulo de proteína nos hepatócitos.
As manifestações pulmonares e hepáticas incluem enfisema e cirrose.
Na forma mais grave de deficiência de AAT, as características clínicas consistem em enfisema de início precoce, hepatite neonatal, hepatite crônica, cirrose e carcinoma hepatocelular. No entanto, a expressão fenotípica ao longo da vida é extremamente variável.
Os pacientes podem relatar história familiar de doença hepática ou pulmonar antes dos 40 anos de idade.
Causas colestáticas
A icterícia colestática (algumas vezes chamada de icterícia pós-hepática) resulta da obstrução da drenagem da bile. As causas podem ser benignas ou malignas.
Causas colestáticas: benignas
Coledocolitíase
A icterícia decorrente de coledocolitíase resulta da formação primária de cálculos no ducto colédoco ou da passagem de cálculos biliares da vesícula biliar através do ducto cístico para o ducto colédoco.
Estase da bile, bacteriobilia, desequilíbrios químicos, desequilíbrios de pH, aumento da excreção de bilirrubina e formação de sedimentos estão entre os principais fatores que causam a formação de cálculos.
Os cálculos biliares são diferenciados por sua composição química. Os cálculos de colesterol são compostos principalmente de colesterol; os cálculos de pigmento preto, principalmente de pigmento; e os cálculos de pigmento marrom são compostos por uma mistura de pigmento e lipídeos biliares.
A obstrução do ducto colédoco causada pelos cálculos biliares gera sintomas e complicações que incluem dor, icterícia, colangite, pancreatite e sepse.
Estenose pós-operatória
Lesão iatrogênica do ducto biliar durante uma cirurgia pode causar estenose e obstrução subsequente.
Colangite ascendente
Infecção da árvore biliar, mais comumente causada por obstrução. As causas subjacentes mais comuns são a coledocolitíase e as estenoses decorrentes de cirurgias, pancreatite crônica, radioterapia ou quimioterapia.
Em sua forma menos grave, ocorre obstrução biliar com inflamação e inoculação e crescimento bacteriano na árvore biliar. Formam-se também sedimentos, proporcionando um meio de crescimento para as bactérias. Conforme a obstrução evolui, a pressão do ducto biliar aumenta. Cria-se, consequentemente, um gradiente de pressão que promove o extravasamento das bactérias para a corrente sanguínea e, por fim, a sepse.
Na forma mais grave e que apresenta risco de vida, os pacientes apresentam conteúdo purulento da árvore biliar, bem como evidências de sepse, hipotensão, insuficiência de múltiplos órgãos e alterações do estado mental.
Colangiopatia relacionada à imunoglobulina G4 (IgG4)
A colangiopatia relacionada à imunoglobulina G4 (IgG4) é uma doença fibroinflamatória hepatobiliar que afeta os grandes ductos biliares e a vesícula biliar e, menos comumente, os pequenos ductos intra-hepáticos. Caracteriza-se por níveis séricos de IgG4 elevados.
Os pacientes geralmente são homens com 50-60 anos de idade e mais de 75% apresentará obstrução do ducto colédoco e icterícia.[51]
O tratamento inicial faz-se com corticosteroides e pode ser necessário continuá-los como tratamento de manutenção.
Infecção parasitária
A obstrução biliar é uma complicação rara da estrongiloidíase. A presença de Strongyloides stercoralis na mucosa duodenal pode resultar em estenose papilar.
Geralmente, o tratamento da estrongiloidíase resolve a obstrução biliar.
Causas colestáticas: malignas
Câncer de pâncreas
O carcinoma da cabeça do pâncreas resulta na obstrução do ducto colédoco distal e no desenvolvimento de icterícia obstrutiva. Uma revisão sistemática constatou que 30% das pessoas com câncer de pâncreas relataram ter icterícia.[52] A icterícia apresentou um valor preditivo positivo para câncer de pâncreas de 4% entre pessoas com mais de 40 anos.[52]
Nos EUA, são esperados 67,440 novos casos de câncer de pâncreas em 2025.[53] O câncer de pâncreas é a terceira principal causa de morte por câncer nos EUA.
A sobrevida relativa em cinco anos para pessoas com câncer de pâncreas localizado ao diagnóstico é de 43.6%; o número comparável para doença metastática ao diagnóstico é de 3.2% (dados de 2015-2021).[53]
Colangiocarcinoma
O colangiocarcinoma se origina no epitélio biliar intra-hepático ou extra-hepático. Mais de 90% são adenocarcinomas, e o restante são carcinomas de células escamosas. À medida que o tumor cresce, obstrui a drenagem da bile.
Existe uma forte relação entre o colangiocarcinoma e a colangite esclerosante primária. A American Association for the Study of Liver Diseases recomenda realizar vigilância do colangiocarcinoma anualmente em pacientes adultos com colangite esclerosante primária (embora não naqueles com colangite esclerosante primária de pequenos ductos).[54] O colangiocarcinoma geralmente se desenvolve em pacientes com colite ulcerativa de longa duração e colangite esclerosante primária.[55]
Pacientes com colite ulcerativa, na ausência de colangite esclerosante primária sintomática, também apresentam aumento do risco.[56][57]
Algumas exposições químicas têm sido implicadas no desenvolvimento do câncer dos ductos biliares, principalmente em pessoas que trabalham nos setores de impressão, aviação, borracha e acabamento em madeira.[58][59] O colangiocarcinoma tem se desenvolvido ocasionalmente após anos da administração de dióxido de tório em meio radiopaco.
Metástases
Depósitos metastáticos no fígado e linfonodos circundantes podem comprimir a árvore biliar, causando icterícia colestática.
Linfoma
O linfoma que afeta os linfonodos na porta hepática pode comprimir o ducto biliar extra-hepático, causando coléstase e icterícia.[40]
Gestação
Uma avaliação de dados de 80,857 partos consecutivos em um hospital dos EUA descobriu que 397 gestantes (0.5%) apresentavam bilirrubina elevada. As causas mais comuns foram cálculos biliares (25%), pré-eclâmpsia/eclâmpsia/HELLP (hemólise, enzimas hepáticas elevadas, plaquetopenia; 24%) e coléstase intra-hepática gestacional (13%).[60]
Doença hepática em estágio terminal
A doença hepática em estágio terminal pode ocorrer em decorrência de qualquer etiologia relacionada ao fígado. Os pacientes com doença hepática avançada podem estar recebendo tratamento ativo (incluindo encaminhamento para uma unidade de transplante de fígado e inclusão na lista de espera) ou uma abordagem para expectativa de vida limitada nos últimos dias de vida.
Os sinais podem incluir icterícia progressiva e sintomas que podem incluir hemorragia por varizes, ascite, peritonite bacteriana espontânea, encefalopatia hepática e síndrome hepatorrenal ou hepatopulmonar.
A cirrose descompensada pode estar associada a uma taxa de mortalidade ≥50% em 12 meses.[61][62] Portanto, recomenda-se que o paciente com cirrose descompensada seja tratado de maneira abrangente, incluindo uma avaliação da sua necessidade de cuidados de suporte. Isso pode incluir o encaminhamento à equipe local de cuidados paliativos especializados se forem identificadas necessidades físicas, psicossociais ou espirituais complexas.[63]
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