Abordagem

O principal objetivo do tratamento é controlar a hipersecreção de ácido gástrico com inibidores da bomba de prótons (IBP). Se um paciente apresentar doença localizada, mas sem síndrome da neoplasia endócrina múltipla (NEM) do tipo 1, a cirurgia pode ser uma opção.

Metástases são tratadas dependendo do comprometimento extra-hepático.

Teste de gastrina positivo com necessidade de supressão de ácido em longo prazo

O tratamento de primeira linha é o controle da hipersecreção de ácido gástrico com IBP; não há preferência entre agentes.[1]

Para evitar complicações da secreção elevada de ácido gástrico, recomendava-se anteriormente que a secreção de ácido gástrico fosse controlada para <10 mEq/hora nos pacientes com síndrome de Zollinger-Ellison esporádica e <5 mEq/hora nos pacientes com NEM1.[1][44]​ No entanto, estudos sobre a secreção ácida muitas vezes não estão disponíveis e, na maioria dos casos, a terapia com IBP é iniciada em uma dosagem maximizada empírica.[18]

Formulações intravenosas de IBP podem ser usadas para pacientes que não toleram formulações orais, ou no período perioperatório.

Quando os IBPs são incapazes de controlar a secreção de ácido gástrico, os análogos da somatostatina, como a octreotida e a lanreotida, podem ser considerados, pois reduzem a secreção de gastrina. No entanto, devido à imprevisibilidade da resposta a eles e à necessidade de administração parenteral, eles não são agentes de primeira linha para os pacientes sintomáticos com hipergastrinemia.[18]

O uso de antagonistas H2 foi substituído quase que inteiramente pelos IBPs devido à sua maior eficácia. Os IBPs têm um perfil menor de efeitos adversos e não demonstram a tolerância que foi relatada com os antagonistas H2.[1][45]

Potenciais efeitos da terapia de longo prazo com IBP

Análises retrospectivas sugerem uma associação entre o uso de IBPs e:[46][47][48][49][50]

  • aumento da mortalidade

  • Diabetes mellitus do tipo 2

  • aumento do risco de fratura

  • Hipergastrinemia

  • desenvolvimento de pneumonia

  • desenvolvimento de infecções entéricas

  • Colite microscópica

  • Demência

  • má absorção de magnésio

  • Interações de medicamentos

  • Organismos resistentes a múltiplos medicamentos

Mas esses estudos são incapazes de estabelecer uma relação causal.

Em um dos maiores estudos randomizados prospectivos de IBPs para qualquer indicação (n=17,958 pacientes com doença cardiovascular), nenhuma diferença significativa nos efeitos adversos foi relatada entre pantoprazol e placebo a 3 anos (53,000 pacientes-anos de acompanhamento), além de um possível aumento nas infecções entéricas.[51] Um estudo prospectivo duplo-cego multicêntrico menor, incluindo 115 mulheres saudáveis no pós-menopausa, revelou que 26 semanas de tratamento com um IBP não tem efeitos clinicamente significativos sobre a homeostase óssea.[52]

Com base em dados de estudos de casos cumulativos, a Medicines and Healthcare Products Regulatory Agency do Reino Unido (MHRA) relata que os IBPs estão associados a casos muito pouco frequentes de lúpus eritematoso cutâneo subagudo.[53]

Os IBPs devem ser prescritos apenas para as indicações apropriadas e devem ser limitados à duração terapêutica garantida. Com base nos dados atuais, os benefícios gerais do tratamento com IBPs superam os riscos potenciais na maioria dos pacientes com síndrome de Zollinger-Ellison.

A descontinuação dos IBPs é muito arriscada em pacientes com síndrome de Zollinger-Ellison, e protocolos adequados devem ser seguidos.[44][54][55]

Doença esporádica localizada

A ressecção cirúrgica exploratória visando a cura é recomendada nos pacientes com gastrinoma esporádico mesmo que os exames de imagem pré-operatórios falhem em localizar o tumor. Foi demonstrado que cirurgiões experientes podem encontrar o gastrinoma na maioria dos pacientes e obter uma taxa de cura e sobrevida livre de doença semelhante às de pacientes com achados de imagens positivos.[56] A ressecção bem-sucedida de gastrinomas esporádicos pode proteger contra a morbidade e a morte decorrente de alteração maligna e disseminação metastática. A cirurgia laparoscópica é controversa na síndrome de Zollinger-Ellison em comparação com outros tumores neuroendócrinos pancreáticos, devido à necessidade de exploração mais extensa para fins diagnósticos e linfadenectomia. Sua utilidade para os gastrinomas é limitada aos pacientes nos quais a imagem pré-operatória fornece uma definição precisa da localização do tumor. A maioria dos pacientes submetidos a tratamento cirúrgico para síndrome de Zollinger-Ellison necessita da laparotomia.[18]

Os gastrinomas no duodeno são tratados com duodenotomia e ultrassom intraoperatório com ressecção local ou enucleação dos tumores e dissecção dos linfonodos periduodenais. Os gastrinomas na cabeça do pâncreas exofíticos ou periféricos (conforme determinado por imagens) e que não forem imediatamente adjacentes ao ducto pancreático devem ser enucleados. Os linfonodos periduodenais também devem ser removidos. Os gastrinomas pancreáticos devem ser enucleados se estiverem localizados a 3 mm ou mais do ducto pancreático principal. Os gastrinomas da cabeça do pâncreas mais profundos ou invasivos e aqueles próximos ao ducto pancreático principal devem ser tratados com pancreatoduodenectomia. Os gastrinomas no pâncreas distal devem ser tratados por pancreatectomia distal e esplenectomia.[24] Os linfonodos regionais devem sempre ser removidos porque as metástases nodais estão presentes em 30% a 70% dos pacientes com gastrinomas duodenais ou pancreáticos e a linfadenectomia tem sido associada a aumentos na sobrevida livre de doença.[57][58]

Foram publicadas diretrizes sobre o manejo dos gastrinomas, se forem encontrados durante endoscopias de rotina. Assim como nos gastrinomas detectados por outras vias, recomenda-se a ressecção cirúrgica do tumor primário; no entanto, se não for ressecado, a vigilância e a ressecção endoscópica das lesões gástricas pequenas (<2 cm) podem ser consideradas.[59]

Se o gastrinoma puder ser removido completamente, a taxa de sobrevida a 5 anos é >90%.[60] Quanto aos pacientes que recusam a cirurgia ou nos quais o tumor primário não puder ser ressecado, deve-se considerar a vigilância endoscópica e a ressecção endoscópica dos tumores proeminentes e/ou podem ser administradas octreotida ou lanreotida. A hipersecreção de ácido gástrico deve ser controlada com IBPs em altas doses.[24]

Doença localizada: NEM1

Na literatura, há muita controvérsia relacionada ao manejo da síndrome de Zollinger-Ellison em pacientes com síndrome NEM1. A ressecção cirúrgica geralmente não é recomendada porque a natureza multifocal dos tumores na NEM1 quase sempre descarta a cura bioquímica da hipersecreção de gastrina. Isso pode estar relacionado ao fato de que os pacientes com NEM1 geralmente apresentam tumores multifocais pequenos no duodeno ou pâncreas.[24] Esses pacientes, portanto, têm sido tradicionalmente mantidos apenas com IBPs. No entanto, vários estudos pequenos demonstraram sucesso na cura em longo prazo da hipersecreção de gastrina e na prevenção de metástases à distância com ressecção cirúrgica precoce e agressiva do gastrinoma nos pacientes com NEM1.[61][62]​ No caso de tumores neuroendócrinos pancreáticos na NEM1, as diretrizes da National Comprehensive Cancer Network (NCCN) recomendam a ressecção cirúrgica em casos de:

  • tumores funcionais sintomáticos refratários ao tratamento clínico

  • um tumor maior que 2 cm, ou

  • um tumor com uma taxa de crescimento relativamente rápida ao longo de 6-12 meses.

A observação pode ser considerada para tumores não funcionais e indolentes. A endoscopia com ultrassonografia endoscópica deve ser realizada antes da cirurgia pancreática para avaliar e localizar os tumores.[24]

Pacientes com presença de metástase com comprometimento predominantemente hepático

Terapia medicamentosa de primeira linha

Aproximadamente um terço dos pacientes com síndrome de Zollinger-Ellison se apresenta com doença metastática para o fígado. A presença de metástases hepáticas é um dos fatores prognósticos mais importantes para a sobrevida em pacientes com síndrome de Zollinger-Ellison, com a sobrevida diminuindo com o aumento da extensão das metástases hepáticas.[18] Os análogos da somatostatina (por exemplo, octreotida, lanreotida) são usados para tratar os sintomas associados ao excesso de secreção de gastrina.[63]​ Em pacientes submetidos a cirurgias abdominais nos quais é planejado o tratamento com octreotida ou lanreotida, a colecistectomia profilática pode ser considerada devido a um maior risco de colelitíase em pacientes que recebem análogos da somatostatina.[24][64]

Os pacientes são mantidos com IBPs porque ainda apresentam risco de evoluir para hipersecreção de ácido gástrico e, consequentemente, úlcera péptica.

Terapias direcionadas ao fígado

Em alguns pacientes com metástases hepáticas limitadas, pode ser realizada a ressecção cirúrgica completa do tumor primário e das metástases com intenção curativa.[24][65]

Quando não for possível realizar a ressecção curativa de metástases, podem ser considerados os seguintes tratamentos direcionados ao fígado:

  • A cirurgia citorredutora de >90% da doença metastática pode fornecer alívio sintomático, prevenir sintomas futuros e melhorar a sobrevida livre de progressão nos pacientes com tumores funcionais. Essa estratégia é particularmente apropriada para os pacientes com tumores neuroendócrinos do intestino delgado metastáticos relativamente indolentes, e menos apropriada para os pacientes nos quais a progressão rápida da doença é esperada após a cirurgia.[24]

  • A cirurgia citorredutora não curativa pode ser considerada em casos selecionados, especialmente se o paciente estiver sintomático devido ao volume tumoral ou à produção hormonal.[24]

  • A ablação térmica percutânea - que, normalmente, utiliza energia de micro-ondas - pode ser considerada para a doença hepática oligometastática, geralmente até quatro lesões não maiores que 3 cm. A radiofrequência e a crioablação também podem ser consideradas.[24]

  • A embolização arterial hepática na maioria das vezes só é aplicada como tratamento paliativo nos pacientes com metástases hepáticas sintomáticas que não são candidatos à ressecção cirúrgica. Ela pode ser realizada com ou sem infusão de quimioterapia na artéria hepática. No entanto, a embolização raramente é realizada e não é recomendada como parte do tratamento de rotina desses pacientes. A radioembolização com radioterapia interna seletiva usando microesferas de ítrio também é usada. Estudos prospectivos comparando um tipo de embolização com outro não foram concluídos.[66]

  • Em pacientes altamente selecionados com metástases exclusivamente hepáticas e que preencham critérios de inclusão rígidos, o transplante de fígado pode ser considerado.[67]​ No entanto, seu uso ainda é controverso, e o risco de recorrência do tumor é um problema.[68][69]​​ A European Society of Medical Oncology (ESMO) recomenda que o transplante de fígado pode ser uma opção válida em pacientes muito selecionados com metástases hepáticas irressecáveis quando os seguintes critérios forem atendidos: ausência de doença extra-hepática, confirmação histológica de um tumor neuroendócrino bem diferenciado, remoção prévia do tumor primário, difusão metastática <50% do volume total do fígado, doença estável em resposta à terapia por pelo menos 6 meses antes da consideração do transplante e idade <60 anos. Nestes pacientes selecionados com bons fatores prognósticos basais foi relatada uma sobrevida global a 5 anos de 69% a 97.2%.[68]

Progressão de doença metastática predominante no fígado ou presença de metástases extra-hepáticas

  • Everolimo ou sunitinibe: O everolimo é um inibidor do sinal de proliferação de mTOR com propriedades antiproliferativas e imunossupressoras. Ele inibe a proliferação celular estimulada por fator de crescimento, provocando a interrupção do ciclo celular no final da fase G1. Além de inibir a proliferação impulsionada pelo fator de crescimento das células musculares lisas vasculares, o everolimo previne a expansão clonal das células T ativadas. Foi demonstrado que ele inibe o remodelamento vascular e o espessamento da camada íntima. Até hoje o everolimo tem sido bem tolerado em combinação com a octreotida. Ensaios clínicos mostraram atividades antitumorais promissoras e ensaios clínicos adicionais estão sendo realizados para avaliar esse composto em grupos maiores de pacientes.[70] O everolimo é aprovado pela Food and Drug Administration (FDA) para o tratamento do tumor neuroendócrino pancreático que evoluiu e não pode ser tratado com cirurgia. O sunitinibe é aprovado pela FDA para o tratamento do tumor neuroendócrino pancreático que se agravou e não pode ser tratado com cirurgia. O sunitinibe é um inibidor de tirosina quinase com múltiplos alvos que inibe a sinalização celular. Isso ajuda a deter ou lentificar a disseminação das células cancerosas e pode ajudar a reduzir os tumores Em ensaios clínicos, esse agente foi bem tolerado com pouca toxicidade hematológica grave.[71]

  • Terapia com radionuclídeo para receptor de peptídeo (PRRT): a PRRT é um novo tratamento que combina a octreotida com um radionuclídeo (lutécio Lu 177 dotatate). O lutécio Lu 177 dotatate é um análogo da somatostatina radiomarcado, direcionado especificamente para tumores neuroendócrinos e destrói as células tumorais por emissão radioativa com radiação gama e/ou beta. Ele é administrado por via intravenosa a cada 8 semanas por um total de 4 tratamentos. Uma infusão intravenosa de aminoácidos é administrada de maneira concomitante para nefroproteção.[24] Em dados de estudos, a PRRT com 177Lu foi associada a uma redução no tamanho do tumor, uma redução nos sintomas e a interrupção da progressão do tumor.[72] Atualmente não há dados randomizados. Os efeitos colaterais comuns da PRRT incluem náuseas, vômitos e dor abdominal; também foram relatados efeitos adversos mais graves, incluindo insuficiência renal, toxicidade hepática, infertilidade e doença da medula óssea (por exemplo, leucemia mielogênica aguda, síndrome mielodisplásica).[73][74]​​​​ O status quanto a gravidez deve ser verificado nas mulheres em idade reprodutiva e todas as pacientes devem ser aconselhadas sobre o uso de contracepção efetiva por até 7 meses (mulheres) e 4 meses (homens) após a última dose. Geralmente, pacientes com tumores hormonalmente funcionais devem continuar com octreotida ou lanreotida de ação prolongada junto com 177Lu-dotatate. No entanto, o análogo de somatostatina de ação prolongada deve ser descontinuado por 4 semanas antes de cada tratamento com 177Lu-dotatate, pois há preocupação com a competição teórica pela ligação ao receptor de somatostatina.[24] PRRT com Lu 177 dotatate está aprovada pela FDA para o tratamento de pacientes com tumores neuroendócrinos gastroenteropancreáticos positivos para receptores de somatostatina, inclusive tumores neuroendócrinos do intestino anterior, intestino médio e intestino posterior em adultos.

  • Quimioterapia sistêmica: a experiência com quimioterapia sistêmica para o gastrinoma metastático é limitada neste momento. O esquema tradicional escolhido foi estreptozocina, fluoruracila e doxorrubicina em combinação com a radioterapia.[75][76][77]​ No entanto, esses tratamentos atuais têm benefícios limitados em muitos pacientes, e efeitos adversos, os quais podem incluir a mielossupressão prolongada e insuficiência renal, têm limitado a aceitação disseminada da quimioterapia como terapia de primeira linha padrão para pacientes com gastrinomas metastáticos. As diretrizes da NCCN listam o fluorouracil, a capecitabina, a dacarbazina, a oxaliplatina e a temozolomida como opções para quimioterapia citotóxica para gastrinomas avançados, mas observe que as taxas de resposta do tumor são geralmente baixas e nenhum benefício para a sobrevida livre de progressão foi claramente demonstrado.[24] Dados de estudos retrospectivos mostraram que a quimioterapia à base de temozolomida é efetiva no tratamento de tumores neuroendócrinos pancreáticos, isoladamente ou em combinação com capecitabina.[78] A temozolomida é um agente alquilante ativo por via oral. Um estudo prospectivo multicêntrico randomizado de fase 2 (ECOG2211) comparando temozolomida versus capecitabina/temozolomida em pacientes com tumores neuroendócrinos pancreáticos avançados relatou taxas de resposta semelhantes em ambos os grupos (aproximadamente 30%), mas houve uma melhora significativa na sobrevida livre de progressão de 14.4 meses com a temozolomida isoladamente para 22.7 meses com capecitabina/temozolomida concomitantes (razão de risco 0.58, P=0.022). Uma melhora clinicamente significativa, mas não estatisticamente significativa, foi observada na sobrevida global. Como resultado deste estudo, o uso de capecitabina mais temozolomida tornou-se rotina para tumores neuroendócrinos pancreáticos avançados.[79]

As metástases ainda são capazes de excretar quantidades excessivas de gastrina, contribuindo assim para a hipersecreção de ácido gástrico induzida pela hipergastrinemia. Por esse motivo é comum manter esses pacientes com uma dose suficientemente alta de IBP para controlar a hipersecreção de ácido gástrico de forma adequada.

A radioterapia paliativa é recomendada para doença oligometastática e/ou metástases sintomáticas (exceto massas mesentéricas).[24]

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