Abordagem
A distinção clínica entre a síndrome nefrótica e a síndrome nefrítica pode ser ambígua; portanto, em ocasiões raras, as doenças com apresentação tipicamente nefrítica podem apresentar um quadro nefrótico.
Na maioria dos casos, no entanto, a história familiar, a história de medicamentos, a história dos sintomas, o exame e as investigações (incluindo biópsia renal) levam ao diagnóstico de uma causa subjacente para a síndrome nefrótica.
A avaliação inicial inclui:
Anamnese minuciosa e exame físico (veja abaixo).
Quantificação da proteinúria por relação proteína/creatinina na amostra de urina em uma amostra de urina aleatória. A coleta de urina de 24 horas não faz mais parte da prática de rotina e não é necessária.
Urinálise (urina fresca) com microscopia para verificar a presença de cilindros celulares. A urina também deve ser submetida a eletroforese de proteínas urinárias.
Estudos sorológicos, incluindo:
Rastreamento autoimune (FAN, dsDNA, ANCA, anticorpos contra o receptor da fosfolipase A2, rastreamento de complemento [C3, C4], crioglobulinas)
Eletroforese de proteínas, cadeias leves livres no soro
Sorologia para sífilis
Sorologia para hepatite B e C, HIV
Em crianças ou adultos jovens com síndrome nefrótica resistente a esteroides (SNRE), deve ser considerado um perfil genético para investigar possíveis mutações.
Biópsia renal para determinar o tipo de síndrome nefrótica. Esse exame deve ser realizado sempre em consulta com um nefrologista. A biópsia renal geralmente não é realizada em crianças com doença de lesão mínima (DLM) que são sensíveis a esteroides (síndrome nefrótica sensível a esteroides [SNSE]).[20]
História
Os principais sintomas da síndrome nefrótica são o edema e a urina espumosa. O edema, que inicia nas pernas, pode ser grave, comprometendo todo o corpo.
Os pacientes também podem apresentar sintomas sugestivos de neoplasia maligna oculta (por exemplo, tosse, perda de peso, sudorese noturna, alteração do hábito intestinal, sangramento gastrointestinal), lúpus eritematoso sistêmico (LES) (por exemplo, erupção cutânea, úlceras orais ou artralgias) ou doença de Fabry (por exemplo, neuropatia dolorosa). A história familiar da doença de Fabry, amiloidose ou qualquer outra doença renal deverá ser observada.
A história médica pregressa pode incluir diabetes de longa duração, danos em órgãos-alvo (por exemplo, retinopatia), neoplasia maligna, LES, infecções virais, infecções bacterianas crônicas, mieloma múltiplo, doenças do tecido conjuntivo ou amiloidose.
Uma história completa de medicamentos deve ser colhida. Alguns medicamentos (por exemplo, pamidronato, ouro, penicilamina ou anti-inflamatórios não esteroidais [AINEs] e, muito raramente, alfainterferona, lítio ou heroína) podem estar associados à síndrome nefrótica.[62] Deve ser considerado o uso ilícito de ervas chinesas ou cremes para clareamento da pele com mercúrio.
Causas comuns de síndrome nefrótica, como DLM ou glomeruloesclerose segmentar focal (GESF), são doenças recidivantes.[31][63][64] A taxa de recidiva é alta.
Exame físico
Os pacientes geralmente apresentam um leve edema nas pernas ou um edema grave que envolve o corpo todo (anasarca). É mais provável que o edema envolva o rosto, particularmente edema periorbital, que em pacientes com outras causas de edema (como insuficiência cardíaca congestiva ou doença hepática grave). Monitorar o peso é útil para avaliar a sobrecarga hídrica e a resposta ao tratamento. Os pacientes podem apresentar faixas brancas nas unhas decorrentes da hipoalbuminemia (conhecidas como linhas de Muehrcke). Na proteinúria intensa, a desnutrição proteica provoca perda de massa corporal magra, mas isso é frequentemente ocultado pelo ganho de peso em decorrência de edema simultâneo. Além disso, os pacientes podem contrair xantelasma em decorrência da hipercolesterolemia grave.
Esses achados físicos são úteis para ajudar no diagnóstico da síndrome nefrótica, mas eles não são úteis para a determinação da causa.
Os achados físicos que podem ajudar a determinar a causa da síndrome nefrótica incluem:
erupção cutânea com possível artralgia (consistente com LES)
facilidade em apresentar hematomas e neuropatia (compatíveis com amiloidose)
fezes positivas para heme (compatíveis com neoplasia maligna gastrointestinal) ou
evidência de retinopatia diabética (revelada durante exame fundoscópico).
Avaliação laboratorial
A proteinúria deve ser quantificada pela RPC em amostra de urina (mg/micromol). Uma RPC >300 mg/micromol na urina é diagnóstica de proteinúria na faixa nefrótica.
Uma preparação de sedimento urinário fresco deve ser avaliada ao microscópio. A presença de gotículas lipídicas, corpúsculos adiposos ovais, cruz de Malta birrefringente, cilindros carregados de lipídios ou cristais de colesterol sugere síndrome nefrótica.[65][66] Os pacientes com síndrome nefrótica geralmente apresentam poucos cilindros celulares presentes na urina.
Todos os pacientes devem ter uma avaliação das bioquímicas de sangue básicas, incluindo função renal, hemograma completo, perfil lipídico (os níveis de colesterol total e de lipoproteína de baixa densidade [LDL] ficam tipicamente elevados na síndrome nefrótica) e albumina sérica. O teste de hormônio tireoidiano pode estar anormal devido à perda de hormônios tireoidianos na urina e globulina ligadora de tiroxina.
Outros exames laboratoriais
Os testes para diferenciar a causa da síndrome nefrótica, que podem prevenir a necessidade de biópsia renal, incluem:
Cadeias leves livres no soro e eletroforese de proteínas urinárias
teste de HIV
Sorologias para hepatite
níveis do complemento sérico
Teste de sífilis (RPR)
Crioglobulinas, ou fator antinuclear (FAN): a medição de crioglobulinas é particularmente relevante em caso de suspeita de mieloma, em que uma biópsia renal pode protelar o início da quimioterapia urgente. Nesse cenário, a biópsia renal pode não contribuir para o diagnóstico de mieloma; no entanto, cadeias leves livres no soro são diagnósticas.
Anticorpos contra o receptor da fosfolipase A2 (PLA2R): a biópsia renal é recomendada em pacientes com alto título de anticorpos anti-PLA2R e função renal anormal; a biópsia renal pode não ser necessária em pacientes com alto título de anticorpos anti-PLA2R e função renal preservada.
Exames de imagem
Se houver suspeita de malignidade (por exemplo, como uma causa de nefropatia membranosa), talvez seja necessário. Adenocarcinomas subjacentes do trato gastrointestinal/abdome estão associados com a doença glomerular.[67] A escolha dos exames de imagem e outros estudos dependerá do quadro clínico.
A ultrassonografia renal pode ajudar em alguns diagnósticos (por exemplo, rins pequenos assimétricos podem ser observados no processo de GESF secundária, devido à hiperfiltração dos néfrons restantes na displasia renal).
É obrigatório o uso da ultrassonografia (ou outro exame de imagem renal) para avaliar o tamanho do rim para assegurar-se se é seguro proceder com uma biópsia renal. Rins pequenos aumentam o risco de sangramento pós-biópsia que requer embolização arterial renal, ou, muito mais raramente, que requer uma nefrectomia de urgência se a embolização não conseguir conter o sangramento. O risco de uma complicação do sangramento é maior quando há evidências de cronicidade e rins pequenos, com rendimento diagnóstico potencialmente menor devido à cicatrização e ao dano renal crônico. Esses riscos devem ser ponderados levando-se em conta a importância da descoberta, e do possível tratamento, da causa subjacente.
Biópsia renal
Em crianças, quase todos os casos de síndrome nefrótica se devem à DLM. Portanto, muitos nefrologistas pediátricos tratam o paciente com DLM com corticosteroides empíricos. A International Pediatric Nephrology Association recomenda iniciar corticosteroides sem biópsia renal em pacientes de 1 a 12 anos, a menos que haja história familiar de SNRE ou características atípicas ou extrarrenais.[20]
A biópsia renal geralmente não é realizada se as crianças com DLM forem sensíveis a esteroides (SNSE).[20] Crianças com SNRE são submetidas a biópsia renal, sendo a patologia mais provável a GESF.
Em adultos, a doença de lesão mínima (DLM) é relativamente incomum, e os pacientes necessitam de uma biópsia renal para o diagnóstico definitivo, já que a história, o exame físico e a avaliação laboratorial muitas vezes não são úteis para diferenciar a causa subjacente.[68]
É recomendável fazer uma consulta antecipada com um nefrologista. Pode ser prudente interromper qualquer terapia de anticoagulação recente que o paciente esteja tomando, para não atrasar a biópsia renal. Isso deve ser cuidadosamente considerado, juntamente com uma análise completa dos riscos e benefícios.
Entre as contraindicações para a biópsia renal percutânea, estão:[69]
Diátese hemorrágica resistente à correção
Cistos renais múltiplos e bilaterais
Tumor renal
Hidronefrose
Infecção renal ativa
Rins pequenos secundários a doença crônica irreversível
Hipertensão grave e resistente.
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