Etiologia

A síndrome nefrótica, definida como a presença de proteinúria (>3.5 g/24 horas), hipoalbuminemia (<30 g/L) e edema periférico, é uma manifestação relativamente rara, mas importante, da doença renal.

Apesar da presença de proteinúria e lipidúria intensas em pacientes com síndrome nefrótica, a urina contém poucas células ou cilindros. Isso difere da síndrome nefrítica, a qual geralmente é definida pela presença de lesão renal aguda (disfunção renal), hipertensão e um sedimento urinário ativo (eritrócitos e cilindros eritrocitários).

Nos EUA, a incidência anual de síndrome nefrótica entre crianças é relatada como sendo de 2 a 7 casos por 100,000.[12][13][14][15][16][17]​ Em adultos, a incidência da síndrome nefrótica é de aproximadamente 3 a 4 casos por 100,000 a cada ano.[18][19]

Etiologia: crianças

A causa mais comum de síndrome nefrótica em crianças pequenas é a doença de lesão mínima (DLM). Geralmente, a biópsia renal não é realizada se as crianças com DLM forem sensíveis a esteroides (síndrome nefrótica sensível a esteroides).[20] Crianças com síndrome nefrótica resistente a esteroides (SNRE) são submetidas à biópsia renal, sendo a patologia mais provável a glomeruloesclerose segmentar focal (GESF). Em crianças mais velhas/adolescentes, a incidência de DLM começa a diminuir e outras causas de síndrome nefrótica tornam-se mais comuns.

Etiologia: adultos

Existem muitos diagnósticos diferenciais possíveis em adultos que apresentam síndrome nefrótica. Uma biópsia renal é necessária na grande maioria dos casos para obter o diagnóstico. Dados dos EUA e da Europa sugerem que a GESF é uma causa comum de síndrome nefrótica em adultos; a incidência de GESF é semelhante ou maior que a nefropatia membranosa em alguns estudos.[21][22][23]​ Em uma série de biópsias renais em adultos com síndrome nefrótica inexplicada, as frequências etiológicas relativas foram: GESF 35%; nefropatia membranosa 33%; DLM 15%; nefropatia por IgA 9%; amiloidose 4%; e outras 4%.[21]

Em idosos, a nefropatia membranosa é a causa mais comum de síndrome nefrótica.[23][24][25][26]​ A nefropatia diabética é a causa mais comum de síndrome nefrótica em adultos com história de diabetes de longa duração.

Muitas das mesmas doenças que causam a síndrome nefrótica em adultos (por exemplo, nefropatia membranosa) podem causar a síndrome em crianças, mas isso é incomum.

Etiologia: etnia

As causas da síndrome nefrótica também podem variar de acordo com a etnia; por exemplo, em um estudo nos EUA com adultos com síndrome nefrótica primária, a causa mais comum de síndrome nefrótica em pacientes negros foi a GESF, enquanto as causas mais comuns em pacientes brancos e asiáticos foram nefropatia membranosa e DLM, respectivamente.[27]

Condições com características de síndrome nefrótica

Pacientes com nefropatia por IgA, glomerulonefrite membranoproliferativa (GNMP) e glomerulonefrite pós-infecciosa podem demonstrar algumas características da síndrome nefrótica (proteinúria de faixa nefrótica com hipoalbuminemia). No entanto, essas causas de doença renal são predominantemente nefríticas e as investigações revelarão hematúria, cilindros eritrocitários e possivelmente disfunção renal.

Doença de lesão mínima

A DLM é responsável por até 90% dos casos de síndrome nefrótica em crianças menores de 10 anos.[28][29]​ Esse número diminui para aproximadamente 50% em crianças mais velhas e para entre 10% e 20% em adultos.[26][28][29]​ A DLM é frequentemente classificada como SNRE, pois geralmente não há diagnóstico histológico.

A DLM é uma causa principal de síndrome nefrótica idiopática.[30][31]​ Na minoria dos casos, pode estar associada a uma causa secundária subjacente, como uso de anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) ou linfoma de Hodgkin.[32][33]​ A infecção é um fator desencadeante reconhecido na síndrome nefrótica idiopática em crianças e adultos.[34] Em 20% a 30% dos pacientes com DLM, pode haver lesão renal aguda associada.[29] Os fatores de risco para o desenvolvimento de lesão renal aguda em pacientes com DLM incluem sexo masculino, idade >50 anos, síndrome nefrótica grave, hipertensão conhecida e arteriosclerose.[29]

"Lesão mínima" refere-se a achados na microscopia óptica que frequentemente revelam glomérulos normais ou proliferação mesangial leve com imunofluorescência negativa e sem deposição de imunocomplexo. No entanto, a microscopia eletrônica classicamente demonstra obliteração difusa dos processos podais das células epiteliais. Normalmente, a DLM apresenta resposta clínica aos esteroides. Caso seja observada resistência a esteroides, etiologias alternativas devem ser consideradas, em particular a GESF.

Glomeruloesclerose e segmentar focal

A GESF pode ser primária (idiopática), secundária ou genética. Diferenciar entre GESF primária e secundária é fundamental para determinar o tratamento, pois a GESF primária pode responder à imunossupressão, enquanto as causas secundárias são tratadas pela redução da pressão intraglomerular (bloqueio renina-angiotensina).

As causas secundárias da GESF podem ser divididas naquelas causadas por:[24][25][35][36]

  • condições como infecção por HIV, nefropatia de refluxo, obesidade classe III (IMC de 40 ou superior), hiperfiltração glomerular crônica de um rim solitário ou qualquer outra causa de perda extensa de néfrons (por exemplo, obstrução renal, glomerulonefrite prévia) ou

  • certos medicamentos (como pamidronato ou heroína).

O HIV está associado com GESF colapsante, caracterizada por colapso e esclerose do tufo glomerular total (não segmentar).

Geralmente, as formas genéticas de GESF se manifestam na infância. Uma mutação em um de quatro genes (NPHS1, NPHS2, LAMB2, WT1) representa até 85% dos casos de SNRE que se manifesta até os 3 meses, e até 66% que se manifesta no primeiro ano de vida.[3][37]

A análise genética pode ser oferecida quando a GESF não pode ser classificada pela avaliação clinicopatológica.[35] Isso é particularmente relevante em pacientes adultos jovens, principalmente quando há uma forte história familiar. Um estudo de coorte demonstrou que uma causa de gene solitário de SNRE foi encontrada em 29.5% dos pacientes, com manifestação antes dos 25 anos de idade.[3]

A GESF geralmente apresenta-se com hematúria, hipertensão e função renal reduzida. Pode haver edema. A microscopia óptica mostra as áreas segmentares de colapso mesangial e esclerose que afetam alguns, mas não todos os glomérulos (doença focal). Geralmente, os pacientes são resistentes a corticosteroides e a biópsia renal é necessária para confirmar o diagnóstico.

Nefropatia membranosa

A nefropatia membranosa é a causa mais comum de síndrome nefrótica em adultos mais velhos, mas é rara em crianças.[23][24][25][38]

A maioria dos casos de nefropatia membranosa são primários (70%), e os 30% restantes estão associados a neoplasia maligna, infecções crônicas (por exemplo, hepatite B, hepatite C, sífilis, malária ou tuberculose), doença autoimune (por exemplo, nefropatia membranosa lúpica) ou determinados medicamentos (por exemplo, ouro, penicilamina e AINEs).[25][39]

Nefropatia membranosa primária

Na nefropatia membranosa primária, foram identificados anticorpos para receptor de fosfolipase A2 de tipo M (PLA2R) em 70% a 80% dos pacientes.[40][41]​ A medição do título de anticorpos anti-PLA2R é rotineira, contribuindo para o diagnóstico, planejamento do tratamento e prognóstico.[42][43]​ Um teste negativo de anticorpo anti- PLA2R (no caso de coloração negativa de antígeno, PLA2R, por imuno-histoquímica em biópsia renal) deve levar a investigações de uma causa secundária.

A microscopia demonstra espessamento da membrana basal sem proliferação celular associada ou infiltração na nefropatia membranosa primária. A imunofluorescência revela depósito granular e difuso de IgG ao longo das paredes capilares, e a microscopia eletrônica mostra depósitos elétron-densos no espaço subepitelial. O crescimento de uma nova membrana basal entre os depósitos imunes subepiteliais causa a clássica aparência de "espícula e domo".

Nefropatia membranosa secundária

A causa secundária mais comum da nefropatia membranosa é a neoplasia maligna. Embora deva haver suspeita dessas causas em pacientes com >60 anos, as investigações subsequentes para uma neoplasia maligna subjacente são determinadas com base em cada caso. Uma radiografia torácica e um exame de mama são razoáveis, com outras investigações (por exemplo, tomografia computadorizada do tórax, colonoscopia, mamografia) guiadas pelos sintomas.

Nefropatia diabética

A causa mais comum de síndrome nefrótica em adultos com diabetes de longa duração. Aproximadamente 20% a 50% dos pacientes com diabetes do tipo 1 ou 2 desenvolvem evidências de nefropatia diabética.[44][45][46]​ A doença renal não diabética também é comum em adultos com diabetes.[47][48]

A microalbuminúria (≥30 mg/dia) constitui evidência clínica precoce de nefropatia diabética. Se não tratada, a microalbuminúria persistente evoluirá para proteinúria franca em uma proporção de pacientes ao longo dos próximos 10 a 15 anos.[49][50]​ Esses pacientes estão em risco de evoluir para doença renal em estágio terminal.

Os pacientes com doença renal diabética não proteinúrica, como glomeruloesclerose hipertensiva ou doença tubulointersticial, também apresentam risco de queda na função renal.[51][52]

Ocorre uma combinação de processos patogênicos, incluindo hiperfiltração glomerular, hiperglicemia e glicação de proteínas da matriz. Raramente, a proteinúria intensa causada por nefropatia diabética pode causar síndrome nefrótica. A nefropatia diabética é definida por uma expansão mesangial característica, espessamento da membrana basal glomerular e esclerose glomerular, levando ao desenvolvimento de nódulos de Kimmelstiel-Wilson.

O desenvolvimento súbito de proteinúria intensa em pacientes com diabetes não é típico e pode sugerir um diagnóstico alternativo subjacente. A hematúria microscópica pode estar presente na nefropatia diabética, mas em pacientes com hematúria, proteinúria e uma queda rápida na função renal, deve ser considerado um diagnóstico alternativo. A ausência de retinopatia diabética também deve sugerir um diagnóstico alternativo.

Amiloidose

A amiloidose é responsável por cerca de 10% dos casos de síndrome nefrótica. Os principais subtipos de amiloidose incluem:[53][54]

  • Amiloidose primária (AL), uma discrasia de cadeias leves na qual as cadeias leves monoclonais formam fibras amiloides; pode afetar vários órgãos e ter distintas apresentações

  • Amiloide AA, que está associada à inflamação crônica (por exemplo, artrite reumatoide, doença inflamatória intestinal) e infecções crônicas; geralmente afeta os rins

  • Amiloidose hereditária, geralmente causada por amiloidose por transtirretina; uma doença com múltiplos sintomas que, mais comumente, manifesta-se com uma neuropatia, mas pode causar nefropatia, comprometimento gastrointestinal, cardiomiopatia ou deposição ocular.

As investigações devem revelar a presença de paraproteína monoclonal na urina ou no plasma.

Glomerulonefrite membranoproliferativa

A GNMP é uma causa relativamente rara de síndrome nefrótica e ocorre principalmente em crianças e adultos jovens.[55]

Foi proposta uma classificação fisiopatológica que divide a GNMP em dois grupos principais:[56][57]

  • Presença de imunoglobulinas com ou sem C3: os diagnósticos diferenciais incluem gamopatia monoclonal de significado renal, doenças autoimunes (crioglobulinemia mista) e infecções (hepatite B e C, infecções bacterianas crônicas), ou

  • Coloração de C3 sem deposição de imunoglobulina: glomerulopatias de C3 como C3GN ou doença de depósito denso (DDD). Tanto C3GN como DDD requerem investigação para distúrbios genéticos de regulação do complemento.

Hipertensão maligna

Uma causa rara de síndrome nefrótica; pode ser diagnosticada com base na pressão arterial e, geralmente, nos sinais fundoscópicos. No entanto, uma apresentação com proteinúria e pressão arterial elevada pode ser parte de uma síndrome nefrítica, tipicamente observada com glomerulonefrite aguda, caso em que haverá hematúria microscópica e cilindros eritrocitários na microscopia de urina.

Síndrome nefrótica congênita

A síndrome nefrótica congênita manifesta-se no nascimento ou nos primeiros 3 meses de vida. A síndrome nefrótica infantil manifesta-se entre os 3 e os 12 meses de vida. A maioria das crianças terá uma causa genética subjacente da doença, sem resposta clínica à imunossupressão, e terá um prognóstico desfavorável em relação à evolução para doença renal em estágio terminal.[37][58]

Outras causas de síndrome nefrótica

As causas incomuns de síndrome nefrótica incluem glomerulopatias fibrilares (por exemplo, glomerulopatia fibrilar e glomerulopatia imunotactoide), mieloma múltiplo (doenças de depósito de cadeia leve), doença de Fabry, síndrome de unha-patela e síndrome de Alport.

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