Abordagem
A avaliação da hematúria visível (macroscópica) exige anamnese e exame físico completos.[8][39] A urinálise é um componente crítico da investigação da hematúria visível e deve ser o exame inicial. É importante coletar uma amostra de urina nova, de jato médio ou através de cateterismo.
A presença de leucócitos, esterase leucocitária e nitritos indica um processo infeccioso que deve ser confirmado por cultura de urina e tratado com antibióticos. A urina deve ter testada novamente por urinálise, microscopia e cultura após a conclusão da antibioticoterapia para garantir a resolução da hematúria.[40][41] Investigações adicionais serão necessárias somente se houver persistência da hematúria após a conclusão da antibioticoterapia.
A presença de proteinúria significativa, cilindros eritrocitários e eritrócitos dismórficos exige uma consulta com nefrologista para investigação de um processo renal intrínseco. Pacientes mais velhos com hematúria visível e indolor devem ser considerados de alto risco para malignidade, devendo-se realizar uma citologia de urina.
Utiliza-se a creatinina sérica para avaliar a função renal basal e a adequação para estudos radiográficos que exijam contraste intravenoso. O hemograma completo é útil na avaliação de uma possível anemia e na presença de infecção. Exames de coagulação podem ser solicitados em caso de suspeita de coagulopatia.
Exames de imagem do trato urinário superior devem ser feitos logo após o exame laboratorial. A tomografia computadorizada é a modalidade preferencial de diagnóstico por imagem. É necessário o encaminhamento a um urologista para realização de cistoscopia, a fim de se descartar patologia do trato urinário inferior. Deve-se conduzir investigações adicionais em todos os pacientes com hematúria confirmada e não explicada pelas causas acima.
História
Idade: o risco de neoplasia maligna renal e urológica aumenta com a idade.[6]
Sexo: a incidência de câncer do trato urinário é maior em homens que em mulheres.[2][7] As mulheres podem ter falsa hematúria devido à relação sexual recente ou à menstruação.[42][43] As mulheres tendem a ter mais infecções do trato urinário que os homens. Gestantes com história de parto cesáreo apresentam risco de placenta percreta.[33] Os indivíduos expostos a agentes emagrecedores contendo ácido aristolóquico integram uma população de risco especial para nefropatia (nefropatia por ácido aristolóquico [NAA]) e carcinoma urotelial do trato superior.[44]
Tempo de surgimento do sangue no fluxo de urina: o momento em que a hematúria surge durante a micção (inicial, terminal, total) é uma pista importante para a identificação da origem do sangramento.[45] O sangue que aparece no início do jato e depois desaparece é chamado hematúria inicial. A hematúria terminal ocorre no fim do jato. As hematúrias inicial e terminal representam sangramento na uretra, próstata, vesícula seminal ou colo vesical. A hematúria total, presente ao longo de todo o jato, indica sangramento na bexiga ou no trato superior (rim ou ureter).
Sintomas do trato urinário inferior: uma história pessoal de disúria, polaciúria, urgência e secreção uretral sugere um processo infeccioso ou inflamatório. A hiperplasia prostática benigna (HPB) pode causar hematúria e sintomas urinários obstrutivos como hesitação urinária, esforço para urinar e sensação de esvaziamento incompleto. A estase urinária, causada por HPB grave, pode levar à infecção do trato urinário e à formação de litíase vesical.
Dor: a hematúria por si só não causa dor a não ser que esteja associada a inflamação ou obstrução urinária aguda.[13] A pielonefrite e a nefrolitíase renal podem manifestar-se como dor no flanco. A dor derivada de nefrolitíase muitas vezes se irradia para a virilha. A obstrução infravesical total ou intermitente por um coágulo ou uma litíase vesical pode apresentar-se como dor ou desconforto suprapúbico.
Atividade física intensa recente: pode causar hematúria autolimitada induzida por exercício, mas outras etiologias importantes devem ser descartadas.[43][42]
Mecanismos inflamatórios ou citotóxicos: deve-se pesquisar qualquer história de uso indevido de analgésicos.
Grau de terapia de anticoagulação: se apropriado, deve ser determinado.
Exposição a tabaco/substância química industrial (benzeno, aminas aromáticas): ligada a carcinomas uroteliais.[46]
Edema periférico e periorbital, ganho de peso, oligúria, urina escura ou hipertensão: sugerem uma causa glomerular.
Faringite ou infecção cutânea recente: podem sugerir glomerulonefrite pós-infecciosa.[47]
Dores nas articulações, erupções cutâneas e febre baixa: sugerem doença vascular do colágeno ou lúpus eritematoso sistêmico.
História familiar: pode incluir história de nefrolitíase, câncer, aumento prostático, anemia falciforme, doença vascular do colágeno ou doença renal.
Intervenções urológicas recentes: podem causar hematúria recorrente, por exemplo, cateterismo vesical, colocação de stent ureteral de demora ou biópsia recente da próstata.
Exposição a antibióticos nos últimos 12 meses: exposição a sulfonamidas, nitrofurantoína, fluoroquinolona, cefalosporina e penicilinas de amplo espectro está associada ao aumento do risco de nefrolitíase.[48]
Exame físico
Sinais vitais: hipotensão e taquicardia são observadas em pacientes hemodinamicamente instáveis em função de hemorragia recente. A temperatura corporal central pode estar elevada em caso de infecção.
Palidez da pele e da conjuntiva: frequentemente observada em pacientes com anemia.
Edema periférico, periorbital e escrotal: pode indicar hipoalbuminemia causada por doença glomerular ou renal.
Caquexia: pode indicar malignidade.
Sensibilidade nos flancos ou ângulo costovertebral: pode ser causada por pielonefrite ou por massas em crescimento, como um tumor renal.
Sensibilidade suprapúbica: pode surgir em caso de cistite, seja ela causada por infecção, radiação ou medicamentos citotóxicos.[13]
A bexiga não é palpável ao ser descomprimida: uma bexiga com 200 mL de urina é percutível. Na retenção urinária aguda, geralmente observada em pacientes com HPB ou obstrução por coágulos, a bexiga é palpável e pode ser sentida até o nível do umbigo.[13]
Exame de toque retal anormal e nodular: pode significar adenocarcinoma prostático ou tumor da bexiga invasivo.[49][50] Uma próstata aumentada ou um lobo mediano aumentado é um sinal de hiperplasia prostática benigna.
Adenopatia palpável: supraclavicular ou inguinal, pode indicar processo neoplásico.
Presença de um cateter uretral, cateter suprapúbico, stent ureteral ou tubo de nefrostomia: pode significar uma causa iatrogênica de sangramento, geralmente benigna.
Avaliação laboratorial
A urinálise com tira reagente deve ser realizada para urina escura ou colorida a fim de se distinguir a hematúria real da falsa, causada por medicamentos ou alimentos.[43] Exames falso-positivos podem ocorrer em caso de mioglobinúria ou hemoglobinúria, confirmada pela ausência de eritrócitos no exame microscópico.[43] Observa-se baixa densidade na urina pouco concentrada decorrente de doença renal intrínseca. Proteinúria intensa (>3 g/dia) sugere glomerulonefrite. A presença de nitrito ou esterase leucocitária pode indicar infecção.
A avaliação microscópica da urina confirmará a presença de eritrócitos ou cilindros. Três ou mais eritrócitos por campo de grande aumento (em uma única amostra) são considerados hematúria não visível (microscópica).[51] A hematúria franca obscurecerá o exame microscópico com um campo cheio de eritrócitos, geralmente >150 eritrócitos/campo de grande aumento. Cilindros eritrocitários ou eritrócitos dismórficos indicam uma origem tubular/glomerular de sangramento. Bactérias, leucócitos e cilindros leucocitários indicam uma infecção do trato urinário. Cristais na urina indicam urolitíase.
Culturas de urina devem ser realizadas em pacientes cuja avaliação clínica sugira infecção do trato urinário, a fim de se identificar a causa, e os dados de sensibilidade utilizados para guiar a terapêutica antimicrobiana apropriada. Culturas de urina devem ser realizadas com amostras de urina cateterizada ou de jato médio, para evitar resultados contaminados. Uma nova urinálise deve ser realizada 6 semanas após o tratamento.[40]
A citologia de urina deve ser solicitada para pacientes com suspeita de carcinoma urotelial e pode ser útil para pacientes com fatores de risco ou achados ambíguos na avaliação cistoscópica.[42][46][51] Os fatores de risco incluem sexo masculino, idade avançada, história de tabagismo, exposição ocupacional a produtos químicos ou corantes, episódios anteriores de hematúria visível, história de sintomas de micção principalmente irritativos, história de infecções recorrentes do trato urinário, uso indevido de analgésicos ou radiação pélvica anterior.[2][6][7] Carcinomas de células renais e cânceres de próstata não são detectados por esse teste.
Em casos de sangramento intenso, pode-se solicitar um hemograma completo para avaliar anemia. Leucocitose respalda um diagnóstico de infecção.
Creatinina sérica e taxa de filtração glomerular estimada (TFGe) são úteis para avaliar a função renal.
Em geral, os estudos de coagulação não contribuem para a avaliação da hematúria, e deve-se conduzir investigações adicionais para determinar a causa do sangramento. A hematúria visível em pacientes anticoagulados significa, em geral, uma patologia subjacente.
Outros testes específicos podem incluir eletroforese da hemoglobina para o diagnóstico de doença falciforme ou medição dos níveis de complemento sérico para avaliação de patologia glomerular. Observam-se baixos níveis de complemento sérico na glomerulonefrite pós-infecciosa, nefrite lúpica, endocardite bacteriana e glomerulonefrite membranoproliferativa. Um título elevado de antiestreptolisina O sugere uma infecção por estreptococos recente.
O antígeno prostático específico pode ter um papel na avaliação do trato urinário inferior (por exemplo, câncer de próstata) como fonte de hematúria visível.[13][8]
Exames de imagem
Estudos de imagem são uma parte essencial da avaliação da hematúria e fornecem informações estruturais e funcionais sobre o parênquima renal e sobre o trato urinário superior.
Muitas modalidades estão disponíveis para a visualização do trato urinário superior, incluindo a ultrassonografia (US), a urotomografia computadorizada (UTC), a tomografia computadorizada (TC) sem contraste, a urografia por ressonância magnética (URM) e a urografia intravenosa (UIV; usada com menos frequência).[51][52]
Geralmente, a UTC é a modalidade de imagem de escolha, uma vez que oferece os melhores detalhes anatômicos e as maiores sensibilidades e especificidades para uma gama de etiologias.[15][51][53][54]
A UTC, comparada à UIV, tem maior capacidade de caracterização de massas renais e maior sensibilidade para a detecção de tumores uroteliais do trato superior.[55][56]
A UTC ideal consiste em 4 fases distintas: uma fase sem contraste, que estabelece a densidade inicial do tecido e revela litíases urinárias, gordura e hematomas; uma fase de realce arterial, que revela estruturas inflamatórias ou neoplásicas; uma fase corticomedular, que pode demonstrar alterações e danos no tecido renal; e uma fase excretora retardada, que permite a avaliação do urotélio dos ureteres e da bexiga.[57] Ao utilizar-se contraste para a avaliação de trauma, deve-se certificar-se de que há contraste suficiente para uma avaliação efetiva.
Antes da UTC, o médico deve avaliar a função renal do paciente, podendo solicitar uma creatinina sérica para descartar função renal prejudicada. O uso de contraste iodado é uma causa de insuficiência renal aguda em determinados pacientes, principalmente naqueles com insuficiência renal.[58] Os médicos devem ficar atentos a: riscos de reações graves ao contraste (que são raras mas bem documentadas); a dose de radiação ionizante liberada por cada modalidade de imagem, especialmente em casos de crianças ou gestantes.[59][60]
Para pacientes com contraindicações relativas ou absolutas para a UTC, a URM é uma abordagem de imagem alternativa.[51][61] A URM oferece uma visualização anatômica menos detalhada que a UTC, mas tem a vantagem de evitar a radiação ionizante.[62]
Se, pelas circunstâncias, não for possível utilizar a UTC nem a URM, uma combinação de TC sem contraste ou US renal com pielografia retrógrada (PGR) fornece uma avaliação alternativa do sistema urinário superior.[51]
A TC sem contraste é a modalidade de exame de imagem preferencial para a nefrolitíase.[63] A TC sem contraste pode detectar nefrolitíase com sensibilidade de 94% a 98%, em comparação a 52% a 59% da UIV.[64] Consequentemente, agora a UIV é raramente usada para essa indicação.[65]
Caso sejam detectadas litíases urinárias em uma TC sem contraste, deve-se realizar uma radiografia simples do abdome (rins, ureteres, bexiga) para identificar a posição e a radiodensidade das litíases, anotando-as para acompanhamento futuro. Muitas vezes, deve-se realizar uma observação registrada (topograma) no momento da UTC, que pode servir para esse propósito.
Para pacientes com suspeita de câncer de próstata, a ressonância nuclear magnética (RNM) multiparamétrica é uma ferramenta útil para ajudar a selecionar homens para a biópsia e para identificar as áreas-alvo para a amostra de biópsia.[66][67] [
]
Exames de cintilografia renal, arteriografias e cistouretrografias miccionais podem ser solicitados em caso de indicação clínica, mas não fazem parte da avaliação inicial.
Estudos especiais
Cistoscopia: durante um exame de cistoscopia, um cistoscópio rígido ou flexível é utilizado para avaliar o urotélio da bexiga, da próstata e da uretra. Os orifícios ureterais podem ser visualizados, e o sangramento no trato superior pode ser observado como um jato de urina sanguinolenta ou coágulo emanando dessas estruturas. Uma vez que o carcinoma urotelial pode surgir em qualquer porção da mucosa do trato urinário, é necessária a visualização completa da bexiga, dos divertículos vesicais e da uretra anterior e posterior. Pode-se observar hipertrofia prostática, e varizes associadas, que podem causar sangramento, podem ser visualizadas. A cistoscopia flexível tem utilidade limitada na presença de sangramento urinário ativo.
Pielografia retrógrada (PGR): o contraste pode ser injetado em cada orifício ureteral para opacificar o espaço luminal do ureter e do rim. Para pacientes que não podem ser submetidos a urotomografia computadorizada (UTC) ou a urografia por ressonância magnética (URM), a PGR é uma alternativa.[42][51]
Biópsia renal: pode ser necessária para determinar a causa clínica renal de uma hematúria visível. Certos tipos de doença renal clínica, como a glomerulonefrite em crescente, podem progredir para insuficiência renal. Uma biópsia renal e uma consulta urgente podem ser necessárias. A biópsia renal também pode confirmar a presença e o tipo de câncer renal. Ela deve ser realizada antes das terapias ablativas para câncer renal e antes do tratamento sistêmico nos pacientes com doença renal metastática.[68]
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