Etiologia
Acredita-se que as miopatias inflamatórias idiopáticas (MIIs) têm uma etiologia autoimune, com resposta imune adaptativa disfuncional sugerida pela evidência de miotoxicidade mediada por células, alta prevalência de autoanticorpos e superexposição a moléculas do complexo principal de histocompatibilidade (MHC) I e II no sarcolema muscular.[15][16][17][18]
Embora ainda sejam amplamente incertos os fatores desencadeantes exatos e as contribuições relativas de vários componentes do sistema imunológico para a patogênese da MII, acredita-se que as interações entre fatores ambientais e genéticos provoquem autoimunidade.[1][15] Por exemplo, foi relatado que a presença do alelo HLA-DRB1*03:01 em conjunto com tabagismo aumentou consideravelmente o risco de doença pulmonar intersticial e polimiosite.[19]
No entanto, a patologia da miosite de corpos de inclusão parece envolver processos não imunológicos, inclusive componentes degenerativos e características de acúmulo inadequado de proteína intracelular e disfunção mitocondrial.[15][18]
Portanto, fatores associados com a etiologia das MIIs podem incluir fatores infecciosos, ambientais, genéticos e imunológicos.
Fatores infecciosos:
Vírus, incluindo o vírus Coxsackie, o vírus da gripe (influenza), o retrovírus, o citomegalovírus, o vírus Epstein-Barr (EBV) e SARS-CoV-2 parecem estar associados às MIIs.[1][20][21][22][23][24][25][26]
Outros agentes infecciosos associados incluem protozoários, cestódeos, nematódeos e a espécie Borrelia.[27]
Fatores ambientais não infecciosos:
As estatinas foram associadas a um espectro de toxicidade muscular que vai de mialgia à miopatia necrosante mediada imunologicamente e rabdomiólise.[28][29]
Outros medicamentos: inibidores de checkpoint imunológico, antirretrovirais, hidroxiureia, genfibrozila, carbimazol (possível aumento do risco em indivíduos de etnia asiática), penicilamina.[1][30][31][32][33][34][35][36]
Vacinações: SARS-CoV-2 (predominantemente relatado após a administração da vacina de RNAm), gripe (influenza; relatado após a vacinação na pandemia de H1N1 e vacinações trivalentes sazonais), hepatite B (não está claro se as complicações autoimunes podem ser atribuídas a outros componentes, como proteínas de leveduras, alumínio adjuvante, neomicina).[37][38][39]
Uso de substâncias: o tabagismo foi associado ao aumento do risco de polimiosite em indivíduos brancos, o que leva ao aumento do risco de desenvolver doença pulmonar intersticial, em comparação com indivíduos que nunca fumaram.[34] Os anticorpos antissintetase foram mais prevalentes em fumantes brancos, em comparação com não fumantes, independente da duração da exposição ao tabaco.[19][34][40]
Luz ultravioleta: há evidências que sugerem que a radiação ultravioleta é o maior fator contribuinte da proporção relativa da dermatomiosite e está fortemente relacionada à proporção de autoanticorpos anti-Mi2.[41] Por outro lado, em estudos subsequentes essa correlação não foi encontrada ao comparar as capitais dos estados australianos, com latitudes que variam de Hobart (42.9°S) a Darwin (12.5°S), ou ao analisar o gradiente norte-sul da incidência de MII na Suécia.[42][43]
Outros fatores ambientais: implantes mamários de silicone, doença do enxerto contra o hospedeiro, quimerismo (associado com a dermatomiosite juvenil), sílica (descrita em associação com a miosite de sobreposição com esclerose sistêmica), determinados cogumelos/levedura vermelha de arroz/chá Pu-ehr/Bacopa (associados à miopatia necrosante mediada imunologicamente anti-HMGCR nunca tratada com estatina).[1][41][44][45][46][47][48] Sugeriu-se também que fatores ambientais como latitude, residência em áreas urbanas e residência próxima ao mar estão associados com a MII.[34]
Fatores genéticos: acredita-se que os subtipos específicos de antígeno leucocitário humano (HLA) conferem um risco elevado de desenvolver MIIs.[49] É importante observar que os alelos do haplótipo ancestral 8.1 HLA-DRB1*03:01 e HLA-B*08:01 estão mais fortemente associados com a MII.[1][50] Outras associações que devem ser observadas são:[50][51][52]
HLA-DRB1*03:01 com polimiosite e dermatomiosite juvenil
HLA-B*08:01 com dermatomiosite em adultos
HLA-DRB1*03:01, HLA-DRB1*01:01 e HLA-DRB1*13:01 com miosite de corpos de inclusão esporádica
HLA-DRB1*03:01 e HLA-B*08:01 com positividade para anti-Jo1
HLA-DQB1*02:01 com positividade para anti-PM/Scl
HLA-DRB1*03:01 com positividade para anti-cN1A
HLA-DQB1*02:02 com positividade para anti-TIF1gamma na dermatomiosite em adultos
HLA-DQB1*02:01 com positividade para anti-TIF1gamma na dermatomiosite juvenil
HLA-DRB1*11:01 com positividade para anti-HMGCR
Fatores genéticos - genes não-HLA: as associações de genes não-HLA descritos na MII incluem:[50][53][54][55][56]
STAT4 e PTPN22 que interagem com a sinalização de células T
TRAF6 e UBE2L3 que interagem com a sinalização de células B
NAB1 com polimiosite
CCR5 e novas variantes associadas de SDK2 e LINC00924 com miosite de corpos de inclusão esporádica
Gene WDFY4 com positividade para anti-MDA5 em japoneses e com doença anti-MDA5 em chineses
Fatores imunológicos: vários anticorpos específicos da miosite e/ou associados à miosite (AEMs/AAMs) foram encontrados em até 70% dos pacientes com MII.[6]
Fisiopatologia
A cascata exata de mecanismos que causam a ocorrência dos diferentes subtipos de MII continua amplamente desconhecida.[57] Acredita-se que a MII seja causada por uma desregulação na função imunológica inata, e a resposta autoimune difere de acordo com o subtipo de MII. Grande parte das pesquisas sobre o sistema imunológico inato nas MIIs refere-se à dermatomiosite, e muitas informações ainda são desconhecidas sobre a forma exata em que esses processos se inter-relacionam ou diferem entre os subtipos de MII.[15]
Cada subtipo foi associado a um fenótipo clínico distinto e, muitas vezes, autocanticorpos específicos da miosite e/ou associados à miosite (AEMs/AAMs).[1][2][6][58]
AEMs e AAMs associados aos subtipos de MII[1][2][6][58]
Além daqueles mencionados acima, os seguintes autoanticorpos foram descritos, mas não foram formalmente atribuídos, como um AEM ou AAM para o diagnóstico ou classificação dos subtipos de MII:[1][57]
A presença de anti-Sp4 e anti-CCAR em pacientes com anti-TIF1gamma na dermatomiosite foi descrita como um fator que reduz o risco de câncer.
Anti-FHL1 foi relatado em pacientes soronegativos com MII e esclerose sistêmica e pode ser considerado um AAM.
Os anticorpos antimitocôndria (AMA) podem ser encontrados em uma pequena porcentagem de adultos com dermatomiosite, polimiosite e miosite de corpos de inclusão esporádica. Nesses pacientes positivos para AMA foi relatada a presença de fenômeno de Raynaud, disfagia, cardiomiopatia e miopatia inflamatória idiopática mais grave.
Dermatomiosite
Na dermatomiosite, o principal alvo do antígeno consiste em componentes do endotélio vascular dos maiores vasos sanguíneos endomisiais.[27][59][60] A ativação do complemento ocasiona a deposição de um complexo de ataque à membrana na microvasculatura endomisial. Isso resulta em necrose capilar, microinfarto, inflamação, hipoperfusão endofascicular e, por fim, atrofia perifascicular.[61][62] Isso é mais proeminente na periferia dos fascículos onde a rede capilar é menos densa.[61] As células linfocíticas se infiltram nas regiões perimisiais e perivasculares dos músculos afetados, dando suporte ao processo de mediação humoral na patogênese da dermatomiosite.[61] Consulte Dermatomiosite.
Polimiosite e miosite de corpos de inclusão
Na polimiosite e na miosite de corpos de inclusão, há evidências de citotoxicidade restrita por complexo principal de histocompatibilidade-1 (CPH-1) e direcionada por antígeno mediada por células T CD8+.[61] Na polimiosite, formam-se sinapses imunológicas entre as células T CD8+ e o CPH-1 expresso nas fibras musculares.[61] Na polimiosite e na miosite de corpos de inclusão esporádica, o ligante do coestimulador induzível (ICOS) expresso nas fibras musculares interage com os receptores ICOS localizados nas células T autoinvasivas. Isso facilita a expansão clonal e a coestimulação das células T de memória.[61] Um ligante de morte celular programada que media a inibição da ativação da célula T também é expresso nas fibras musculares.[61] Esses achados sugerem que:
As fibras musculares se comportam como células apresentadoras de antígenos
Há um equilíbrio de estímulos inflamatórios dentro da sinapse imunológica dos músculos/células CD8+, a fim de proteger o músculo do excesso de agressividade imunológica.[61]
A adesão às fibras musculares pelas células T ativadas é facilitada pelas citocinas, quimiocinas e moléculas de adesão.[61][62][63][64]
A miosite de corpos de inclusão tem outra característica histológica, a presença de vacúolos marginados autofágicos que contêm grânulos basofílicos, e depósitos intracelulares de beta-amiloide positivo para vermelho congo.[65]
Esses vacúolos não são uma característica específica da miosite de corpos de inclusão esporádica e podem ser observados em vários processos miopáticos não inflamatórios. Foram encontradas várias outras moléculas intracelulares associadas à degeneração, inclusive tau, presenilina, alfassinucleína, ubiquitina e apolipoproteína.[65]
A interação entre inflamação e degeneração que ocorre na miosite de corpos de inclusão não é bem compreendida.[15][66]
Alguns acreditam que o evento patológico primário é inflamatório, com disfunção secundária da proteína; outros conceitualizam a doença como um processo degenerativo com inflamação em resposta ao acúmulo de moléculas β-amiloide.[66][65]
Função das interferonas
Descobriu-se que a assinatura de interferona do tipo I é suprarregulada na dermatomiosite e na polimiosite, mas não na miosite de corpos de inclusão esporádica.[67] As prováveis fontes de interferona-α/β na dermatomiosite são as células dendríticas plasmocitoides CD4+ (que podem ser ativadas por diversos fatores) e células musculares possivelmente imaturas ou em regeneração.[68] As proteínas e citocinas induzidas pela interferona-α/β têm efeitos deletérios no músculo. As interferonas também induzem à expressão aberrante de MHC I no sarcolema muscular, o que possibilitaria a apresentação de autoantígeno muscular para as células T CD8+ e também pode ter efeitos negativos diretos no músculo, independente de inflamação.
Outros fatores desencadeantes para up-regulation da expressão de MHC-I são TNFα, proteína 1 do grupo de alta mobilidade (HMGB1), IL-1, outras citocinas, infecção viral, denervação e lesão muscular mecânica.[69]
É importante observar que a HMGB1 pode induzir a uma grande variedade e efeitos pró-inflamatórios e regenerativos quando estiver no espaço extracelular.[70] Ela também pode desempenhar um papel na ativação e desregulação da autofagia nas células musculares em regeneração, além de atuar diretamente no músculo por meio de receptores do tipo Toll 4 para afetar de maneira negativa a função muscular.[70][71] A ativação das vias do inflamassoma também pode desempenhar um papel nessas condições.
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