Abordagem

Deve-se suspeitar de trombocitopenia induzida por heparina (TIH) quando um paciente apresenta trombocitopenia e/ou trombose de início recente no contexto de exposição à heparina confirmada ou suspeita (ou seja, heparina não fracionada, heparina de baixo peso molecular [HBPM] ou, mais raramente, fondaparinux) nos últimos 100 dias, particularmente após cirurgia cardíaca ou ortopédica recente. TIH também deve ser considerada quando um paciente apresenta necrose hemorrágica adrenal (secundária a trombose venosa adrenal), lesões necrosantes da pele nos locais de injeção de heparina, ou uma reação sistêmica aguda no contexto de exposição à heparina ou HBPM nos últimos 100 dias.

O diagnóstico requer a combinação de um quadro clínico compatível e uma confirmação laboratorial da presença de anticorpos contra TIH que ativam plaquetas dependentes de heparina. Apenas a presença de anticorpos de TIH, sem manifestações clínicas, não é suficiente para um diagnóstico de TIH.

Quadro clínico

O primeiro passo é determinar a probabilidade de um paciente apresentar TIH com base em critérios clínicos. Isso inclui uma revisão cuidadosa da história de exposição a heparina do paciente (ou seja, heparina não fracionada, HBPM ou fondaparinux). O risco de TIH, de acordo com o tipo de heparina, ordenado do maior para o menor, é o seguinte: heparina não fracionada >HBPM >fondaparinux.[16][32] [ Cochrane Clinical Answers logo ] Apesar de sua semelhança estrutural com a heparina, o fondaparinux, um anticoagulante pentassacarídeo, geralmente não promove a ligação do anticorpo ao fator plaquetário 4 (FP4) por causa da reatividade cruzada ausente/fraca. Portanto, fondaparinux apresenta um risco muito baixo de indução de TIH. Estudos observacionais relatam sucesso no uso de fondaparinux, considerado um anticoagulante não heparínico, para tratar TIH.[2][3]

A ausência de condições ou medicamentos que causam trombocitopenia aumenta a probabilidade de TIH. Uma história de cirurgia (especialmente ortopédica ou cardiovascular) ou trauma recente aumenta a probabilidade de TIH em pacientes expostos à heparina. Pacientes com história de TIH que são expostos novamente à heparina por pelo menos 4 dias correm risco de recorrência.

Características consistentes com um evento tromboembólico venoso ou arterial recente (por exemplo, trombose venosa profunda [TVP], embolia pulmonar [EP], acidente vascular cerebral [AVC], infarto do miocárdio [IAM]) são comuns. Elas incluem: edema unilateral de membros inferiores de início recente, sensibilidade ou descoloração (TVP); dor torácica, taquipneia, hipotensão ou taquicardia (EP ou IAM); deficits neurológicos focais (AVC).

Febre, calafrios, taquicardia, hipertensão, dispneia ou parada cardiopulmonar podem ocorrer até 30 minutos após uma dose de heparina, e geralmente são acompanhados por uma queda abrupta na contagem plaquetária.

Necrose pode ser observada no exame físico nos locais de injeção da heparina. Sangramento em pacientes com TIH é raro e pode haver sinais mínimos ou nenhum sinal de sangramento (por exemplo, petéquias, equimoses). Pacientes com necrose hemorrágica adrenal podem apresentar dor abdominal, hipotensão refratária e crise addisoniana. Pacientes com trombose venosa cerebral podem apresentar cefaleia, náuseas, vômitos e/ou deficits neurológicos. Raramente, pacientes com TVP provocada por TIH apresentam gangrena venosa de membros (como consequência do tratamento inapropriado com um antagonista da vitamina K).[7][Figure caption and citation for the preceding image starts]: Gangrena venosa do pé esquerdo em trombocitopenia induzida por heparina (TIH): (A) região dorsal; (B) região medial; e (C) região plantarRozati H, Shah SP, Peng YY. Lower limb gangrene postcardiac surgery. BMJ Case Reports. 2013; doi:10.1136/bcr-2012-008362 [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@1430664b

Ferramentas de predição clínica

Uma série de ferramentas de predição clínica foi desenvolvida para ajudar médicos a determinar a probabilidade clínica de TIH (por exemplo, escore de 4Ts, HIT expert probability [HEP] score).

Embora as regras de predição clínica tenham detalhes específicos diferentes, todas se concentram em várias características principais:

  • Magnitude da queda da contagem plaquetária

  • Momento da queda da contagem plaquetária (ou outro evento relacionado à TIH) em relação ao início da administração de heparina

  • Presença ou ausência de explicações alternativas para a trombocitopenia.

O escore 4Ts foi submetido a mais avaliações que outras ferramentas e é recomendado pela American Society of Hematology:[35][36][37][38][39]

  • Uma pontuação 0-2 é atribuída a 4 categorias: magnitude da Trombocitopenia, momento de início da queda de plaquetas (ou outras sequelas de TIH), trombose e outra explicação para a queda das plaquetas.

  • Probabilidade pré-teste de TIH:

    • Um escore baixo (0-3) indica <1% de probabilidade de TIH

    • Um escore intermediário (4-5) indica aproximadamente 10% de probabilidade de TIH

    • Um escore alto (6-8) indica aproximadamente 50% de probabilidade de TIH.

Um escore de 4Ts alto clássico seria um paciente que apresenta uma queda de 50% na contagem plaquetária com um nadir ≥20 × 10⁹/L (>20 × 10³/microlitro) entre os dias 5 e 10 de exposição à heparina, e descobre-se uma nova trombose sem nenhuma explicação alternativa para a queda na contagem plaquetária.

Escore HEP:[40]

  • Uma pontuação de -3 a +3 é atribuída a 8 categorias: magnitude de queda na contagem plaquetária, momento da queda na contagem plaquetária, contagem plaquetária de nadir, trombose, necrose de pele, reação sistêmica aguda, sangramento, outras causas de trombocitopenia.

Confirmação laboratorial de TIH

Um hemograma completo deve ser solicitado a todos os pacientes com suspeita de TIH e tipicamente mostra uma contagem plaquetária em queda. O momento da queda na contagem plaquetária (a partir do primeiro dia de exposição à heparina [dia 0]) é fundamental. Um exemplo seria um paciente que apresenta uma queda de 50% na contagem plaquetária com um nadir ≥20 × 10⁹/L (>20 × 10³/microlitro) entre os dias 5 e 10 de exposição à heparina. A contagem plaquetária não deve cair abaixo de 150 × 10⁹/L (150 × 10³/microlitro) para que trombocitopenia induzida por heparina (TIH) seja considerada (por exemplo, redução de 50% ou mais em relação ao valor inicial durante o intervalo de tempo correto ainda é suspeita de TIH, mesmo se o nadir de plaquetas absoluto for >150 × 10⁹/L [>150 × 10³/microlitro]).

Não é incomum que a contagem plaquetária inicialmente caia após uma cirurgia e, em seguida, suba para um nível acima da contagem no pré-operatório (trombocitose de efeito rebote). Nesses casos, a contagem plaquetária de efeito rebote no pós-operatório deve ser considerada como a nova contagem inicial nesses pacientes ao se determinar a probabilidade clínica de TIH. Trombocitopenia, no contexto de pancitopenia, reduz a probabilidade de TIH.

Estudos de coagulação (ou seja, razão normalizada internacional [INR], tempo de tromboplastina parcial ativada [TTPa]) devem ser solicitados a pacientes com suspeita de TIH para descartar coagulopatia. A TIH pode induzir coagulação intravascular disseminada em 10% a 20% dos pacientes; portanto, coagulopatia e níveis baixos de fibrinogênio não descartam TIH se o quadro clínico for compatível.[41]

Pacientes com uma suspeita clínica pelo menos intermediária de TIH (ou seja, escore de 4Ts ≥4) devem ser submetidos a testes para detecção de anticorpos de TIH.[37] Um escore de 4Ts baixo (ou seja, ≤3) tem alto valor preditivo negativo; as diretrizes não recomendam exames laboratoriais nesses pacientes.[37][42][43] Porém, se houver incertezas sobre o escore (por exemplo, contagens plaquetárias múltiplas ausentes, história incerta de exposição recente a heparina, possíveis causas concomitantes de trombocitopenia), deve-se considerar o teste para a detecção de TIH.[37][44]

Uma ampla variedade de ensaios laboratoriais é utilizada para confirmar a presença de anticorpos de TIH. Estes ensaios geralmente se enquadram em uma de duas categorias:

  • Ensaios de antígeno (por exemplo, fator antiplaquetário 4 [FP4]/ensaio de imunoadsorção enzimática [ELISA] H, H/FP4-PaGIA) estão disponíveis na maioria dos centros clínicos. Ensaios de antígeno são altamente sensíveis (>99%), mas têm alta taxa de resultado falso-positivo. Os falso-positivos resultam da detecção de todos os tipos de anticorpos de TIH, independentemente da sua capacidade de ativar plaquetas.[45] Por exemplo, até 50% dos pacientes de cirurgia cardiovascular desenvolvem anticorpos de TIH, mas apenas 2% desses pacientes desenvolverão TIH.[11] Os ensaios ELISA que detectam apenas anticorpos IgG (imunoglobulina G) são mais específicos para TIH e, quanto maior o título do ensaio de antígeno, maior a probabilidade do paciente ter anticorpos ativadores de plaquetas (ou seja, maior a probabilidade do paciente ter TIH ou especificidade melhorada).[35] Alguns imunoensaios rápidos que podem fornecer resultados em menos de 30 minutos parecem ter propriedades diagnósticas semelhantes aos ensaios ELISA.[44][46]

  • Ensaios funcionais (por exemplo, teste de libertação de serotonina, ativação de plaquetas induzida por heparina) são limitados a um pequeno número de centros clínicos, mas têm maior especificidade que ensaios de antígeno. Os ensaios funcionais detectam anticorpos com base em suas propriedades de ativação de plaquetas (ou seja, anticorpos com maior probabilidade de serem clinicamente significativos).[47] Esses ensaios têm alta sensibilidade (>95%) e especificidade (>95%) para TIH; portanto, no contexto de um quadro clínico compatível, um resultado positivo confirma TIH e um resultado negativo descarta TIH.[10][48]

Como muitos centros não têm acesso a ensaios funcionais, o diagnóstico muitas vezes é baseado na suspeita clínica de TIH (com base no escore 4Ts), combinada com resultados de ensaios de antígenos, conforme mostrado na tabela abaixo.[49]

[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Combinação de quadro clínico e evidência laboratorial de anticorpos de trombocitopenia induzida por heparina (TIH)Criada pelo BMJ Knowledge Centre com base nas informações de: Raschke RA, Gallo T, Curry SC, et al. Clinical effectiveness of a Bayesian algorithm for the diagnosis and management of heparin-induced thrombocytopenia. J Thromb Haemost. 2017 Aug;15(8):1640-5. [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@5cf6c9a9

Exames por imagem

Uma ultrassonografia Doppler venosa deve ser solicitada em pacientes com suspeita de TVP. Nova TVP (segmento venoso não comprimível) ou extensão de uma TVP recente (segmento venoso não comprimível previamente comprimível de modo total) aumenta a probabilidade de TIH.[50]

Uma angiografia pulmonar por tomografia computadorizada (APTC) ou cintilografia de ventilação/perfusão (cintilografia V/Q) deve ser realizada em pacientes com suspeita de embolia pulmonar e uma venografia por tomografia computadorizada cerebral ou venografia por ressonância magnética do crânio em pacientes com suspeita de trombose venosa cerebral.[50]

Trombose foi relatada em 50% dos pacientes com TIH não tratada.[51] No contexto de TIH confirmada, a presença de uma TVP pode prolongar a duração do tratamento.

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