Etiologia
As parestesias podem ser causadas por doenças que afetam a função sensitiva ao nível do nervo periférico ou, com menor frequência, ao nível do gânglio da raiz dorsal, das raízes nervosas sensoriais dorsais, da medula espinhal ou do cérebro. As condições subjacentes podem ser hereditárias ou adquiridas. É preciso conhecer a anatomia das vias somatossensoriais para entender os padrões de parestesias produzidos pelos vários processos.
As causas incluem:
Compressão ou lesão do nervo
Desmielinização e/ou degeneração axonal do nervo
Doença endócrina ou metabólica
Deficiência nutricional
Exposição a medicamentos ou toxinas
Doença macrovascular
Infecção
Distúrbios psicogênicos
Doença inflamatória ou vasculítica
Distúrbios genéticos
Outras (por exemplo, convulsões focais; neuropatia sensorial paraneoplásica)
[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Vias sensoriais ascendentes da medula espinhal. O sistema da coluna dorsal e o trato espinotalâmico são as principais vias ascendentes que conectam as extremidades com o cérebro.Betts JG, Young KA, Wise JA et al.Anatomy and physiology. Houston, TX:OpenStax; 2013 (CC BY4.0 - https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/) [Citation ends].
Compressão ou lesão do nervo
As síndromes focais de encarceramento do nervo podem causar parestesias na distribuição do nervo periférico afetado, se as fibras nervosas sensoriais tiverem sido afetadas. Os sintomas sensoriais geralmente aparecem primeiro, seguidos por fraqueza motora na distribuição do nervo afetado. Os sintomas geralmente seguem o padrão da distribuição do nervo distal até o local da compressão ou encarceramento. As neuropatias de encarceramento mais frequentes incluem:
Neuropatia mediana no punho (síndrome do túnel do carpo)
Neuropatia ulnar no cotovelo (síndrome do túnel cubital)
Neuropatia fibular (peroneal) no joelho
Neuropatia do nervo cutâneo femoral lateral da coxa (meralgia parestésica)
Neuropatia ou neuralgia do trigêmeo devida à compressão microvascular na zona de entrada do nervo na ponte.
Neuropatias mais raras, com encarceramento, incluem neuropatia tibial no tornozelo (síndrome do túnel do tarso) e neuropatia sensorial cutânea dos ramos dorsais dos nervos espinhais em alguns dermátomos (T2-T6) unilateralmente na parte superior das costas (notalgia parestésica).
Lesões vasculares ou de massa de vários tipos podem causar a compressão ou encarceramento de nervos periféricos e se manifestarem com parestesias.[1][2][3][4][5]
As síndromes de encarceramento afetando o plexo braquial ou lombossacral podem ser produzidas por lesão traumática no plexo, ou por anomalias vasculares (por exemplo, hemangioma), ou por invasão direta carcinomatosa do plexo por um tumor metastático ou linfoma.[6]
A síndromes de encarceramento que afetam as raízes nervosas da medula espinhal dorsal são divididas em radiculopatias cervicais, torácicas e lombossacrais, dependendo da raiz nervosa afetada, e podem ser produzidas por espondilose, estenose, hérnia do disco intervertebral, artrite degenerativa ou compressão por uma lesão com efeito de massa.[7][8][9][10] As síndromes de compressão da medula espinhal podem ocorrer devido a um trauma da coluna, como fraturas por compressão vertebral, hérnia de disco intervertebral, tumor primário ou metastático da medula espinhal, malformações vasculares ou infecções.[8][11]
Desmielinização e/ou degeneração axonal do nervo
Esclerose múltipla
Distúrbio inflamatório focal recidivante e remitente do sistema nervoso central (SNC), clinicamente definido por dois episódios de disfunção neurológica separados no espaço e no tempo. As lesões podem afetar o cérebro, a medula espinhal ou os nervos ópticos. As lesões que afetam a via somatossensorial na medula espinhal, tronco encefálico ou córtex somatossensorial podem produzir parestesias. Raramente, o paciente pode apresentar síndrome do queixo dormente, na qual existam parestesias de queixo unilaterais, como manifestação inicial de esclerose múltipla.[12]
Distúrbio do espectro da neuromielite óptica (doença de Devic)
Os autoanticorpos (NMO-IgG) afetam os principais os canais de íons na superfície dos astrócitos do SNC que, em última análise, causam disfunção do nervo óptico (perda de visão) e da medula espinhal (parestesias, fraqueza e disfunção intestinal e da bexiga).
Encefalomielite disseminada aguda
Distúrbio inflamatório monofásico agudo do SNC, que produz encefalite com sintomas constitucionais e é semelhante, em termos patológicos, à esclerose múltipla. Desencadeado com frequência por antecedentes de infecção ou vacinação.
Polirradiculoneuropatia desmielinizante inflamatória aguda (PDIA)
A variante mais comum da síndrome de Guillain-Barré. Polineuropatia desmielinizante caracterizada por um ataque mediado imunologicamente à bainha da mielina ou às células de Schwann dos nervos sensoriais e motores. O quadro clínico característico é uma fraqueza muscular progressiva simétrica afetando os membros inferiores antes dos membros superiores e músculos proximais antes dos músculos distais, acompanhada de parestesias nos pés e nas mãos.
Polirradiculoneuropatia desmielinizante inflamatória crônica (PDIC)
Neuropatia periférica desmielinizante adquirida de suposta etiologia autoimune. A evolução, geralmente, é progressiva crônica (no decorrer de 8 semanas ou mais) ou recidivante e remitente. O fenótipo clínico consiste em fraqueza simétrica proximal e distal, perda de sensibilidade distal e ausência de reflexos.
Polirradiculopatia sensorial desmielinizante inflamatória crônica
Doença desmielinizante adquirida que afeta preferencialmente as fibras mielinizadas grossas das raízes posteriores. Apresenta-se com ataxia de marcha, perda de sensibilidade das fibras grossas e parestesias.
Neuropatia periférica de antiglicoproteínas associadas à mielina (anti-MAG)
Condição rara, semelhante à PDIC, que afeta principalmente homens de meia-idade em que os autoanticorpos contra a MAG causam parestesias (mãos e pés), tremor e ataxia.
Polineuropatia simétrica distal
Neuropatia periférica com predominância distal ou dependente do comprimento, com distribuição simétrica, podendo comprometer os nervos puramente sensoriais ou mistos motores e sensoriais. Ela pode comprometer exclusiva e primariamente as fibras nervosas sensoriais finas não mielinizadas, mas com mais frequência compromete as fibras nervosas motoras e sensoriais finas e grossas. A sua ocorrência pode ser em consequência de uma série de causas adquiridas, dentre elas, causas infecciosas, inflamatórias, tóxicas, endócrinas, metabólicas e condições nutricionais. É a manifestação clínica mais frequente da doença dos nervos periféricos, a distribuição clássica em "meia e luva” de sintomas e achados motores e sensoriais. A causa pode ser a desmielinização, a degeneração axonal ou uma combinação desses dois processos patológicos afetando os nervos periféricos.[13][14]
Doença endócrina ou metabólica
Diabetes mellitus
A hiperglicemia inicia um processo de danos nos nervos afetando as fibras nervosas periféricas e as células de Schwann. A fisiopatologia é complexa e inclui o estresse oxidativo e nitrosativo, o desequilíbrio redox, a disfunção endotelial, as perturbações no metabolismo das prostaglandinas e a hipóxia direta e isquemia dos troncos e gânglios nervosos. Estas mudanças prejudicam a função mitocondrial e o suporte neurotrófico. A hiperglicemia constante causa dano progressivo, perda das fibras nervosas periféricas e comprometimento da função sensitiva.
Hipertrigliceridemia
Altos níveis de triglicerídeos estão associados a uma polineuropatia predominantemente sensorial e dependente do comprimento axonal que, muitas vezes, apresenta-se com parestesias ardentes nos pés. A causa é desconhecida.
Uremia
Síndrome clínica de anormalidades metabólicas e desequilíbrio hidroeletrolítico e hormonal e que se desenvolve no contexto da deterioração da função renal. Os pacientes são acometidos de neuropatia periférica generalizada mediada por substâncias tóxicas que se acumulam no sangue, e também podem ser acometidos por síndromes focais de encarceramento dos nervos, como a síndrome do túnel do carpo ou a neuropatia do nervo mediano. A encefalopatia urêmica também pode ocorrer.
Hipocalcemia
O cálcio desempenha um papel fundamental na função neural, e a hipocalcemia produz uma série de sinais e sintomas neurológicos, dentre eles, parestesias afetando as pontas dos dedos, pododáctilos e a região perioral.
Hipotireoidismo
Produz uma neuropatia periférica com parestesias, mas seu mecanismo não é conhecido. O hipotireoidismo também pode produzir neuropatias de encarceramento específicas, das quais a neuropatia do nervo mediano é a mais frequente.
Deficiência nutricional
Deficiência de vitamina B12[15][16]
A vitamina B12 é crítica para a produção de S-adenosilmetionina, considerada importante para a função neural. Também é um cofator essencial na hematopoiese. A deficiência de vitamina B12 geralmente se manifesta como anemia macrocítica com ou sem parestesias, mas as parestesias podem ser a única manifestação em alguns casos.
A degeneração combinada subaguda da medula é uma complicação grave da deficiência de vitamina B12.
Deficiência ou excesso de vitamina B6[16]
A vitamina B6 é um importante cofator no metabolismo dos aminoácidos e do glicogênio. Há um grande variedade de sintomas neurológicos que incluem dormência distal dos membros, parestesias, e fraqueza com comprometimento da vibração e propriocepção e ataxia sensorial. Os outros sinais incluem a dermatite seborreica, a glossite atrófica com ulceração e a queilite angular.
Deficiência de vitamina B1[16]
A tiamina é um importante cofator no metabolismo de carboidratos. A sua deficiência produz sintomas de taquicardia em repouso, fraqueza e diminuição dos reflexos tendinosos profundos. Alguns pacientes são acometidos por uma neuropatia periférica. Os pacientes também apresentam anomalias cardíacas e paralisia das pregas vocais associadas.
Deficiência de vitamina E[16]
A vitamina E é um importante nutriente antioxidante lipossolúvel. A sua deficiência danifica os nervos. A neuropatia periférica é uma manifestação tardia, sendo que a ataxia espinocerebelar e as alterações visuais ocorrem mais cedo.
Deficiência de cobre[17]
A deficiência de cobre produz anemia e neurodegeneração, que se manifesta com espasticidade progressiva, ataxia e neuropatia periférica sensorial. As causas incluem a nutrição parenteral total deficiente em cobre, a cirurgia de bypass gástrico e a toxicidade do zinco.
Exposição a medicamentos ou toxinas
Bebidas alcoólicas
O elevado consumo de álcool produz uma polineuropatia periférica, embora a etiologia não seja clara. A neuropatia está, em parte, relacionada aos efeitos tóxicos diretos do álcool e, em parte, à deficiência de vitaminas e minerais associadas. Os sintomas sensoriais predominam, mas também ocorrem manifestações motoras, proprioceptivas e autonômicas.
A polineuropatia é conhecida como axonopatia distal (dying back). Os sintomas começam na parte distal. Inicialmente, os pacientes são acometidos de dormência nas plantas dos pés, seguidas por parestesias nos pés e nas pernas, sobretudo de noite. As parestesias avançam lentamente em direção proximal, e os pacientes evoluem com dor (descrita como ardência ou lancinante). As parestesias dos dedos e das mãos, com frequência, aparecem após os sintomas terem se estendido acima do nível do tornozelo. Sinais motores incluem fraqueza e perda de massa muscular.
Os pacientes também podem ser acometidos de perda de propriocepção (causando uma marcha anormal independente dos problemas do cerebelo) e, raramente, de disfunção autonômica.
Induzida por medicamentos
As causas mais frequentes da neuropatia periférica incluem os agentes quimioterápicos (cisplatina, vincristina, citosina arabinosídeo, talidomida, paclitaxel), antibióticos (metronidazol, nitrofurantoína), agentes antirretrovirais (zidovudina, estavudina, lamivudina) e antiepilépticos (fenitoína).[18] A parestesia é uma das reações adversas mais frequentemente descritas ao medicamento topiramato, o qual é usado para tratar uma série de condições neuropsiquiátricas, incluindo dependência alcoólica, tremor essencial, transtorno da compulsão alimentar periódica, bulimia nervosa, enxaqueca e epilepsia.[19]
Metais pesados
Chumbo, arsênico, mercúrio e tálio podem causar uma polineuropatia periférica sensorial. A toxicidade pode ser consequência de uma série de exposições ocupacionais, ambientais ou recreativas. A exposição ao tálio também pode ocorrer através da contaminação da cocaína, heroína e produtos fitoterápicos. Há uma preocupação cada vez maior com a exposição ao mercúrio encontrado em peixes contaminados.[20]
Hexano
O hexano, oriundo do comportamento de cheirar cola ou da exposição industrial, pode produzir neurotoxicidade que é atribuída à 2,5-hexanodiona formada a partir do composto precursor. Os pacientes são acometidos de axonopatia distal semelhante àquela que é produzida pelo álcool.
Neurotoxinas ingeridas
A toxina ciguatera é inodora e insípida, sendo encontrada em peixes de recife, mais frequentemente barracuda, garoupa, vermelho caranha, enguia, charuteiro-catarino, robalo e cavala. A toxina não é destruída durante o cozimento. Comer peixe contaminado com ciguatera resulta em envenenamento. Os sintomas começam 6 a 8 horas depois da ingestão e incluem parestesias, dor abdominal, náuseas, vômitos, diarreia, tontura e vertigem.
A saxitoxina, uma das mais potentes toxinas naturais, é produzida por algumas espécies de dinoflagelados marinhos e cianobactérias e acumula-se em frutos do mar. A toxina atua nos canais de sódio dependentes de voltagem, impedindo a condução nervosa. A ingestão de frutos do mar contaminados produz envenenamento por frutos do mar com paralisia. Os sintomas começam dentro de 30 minutos depois da ingestão e incluem parestesias dos lábios, língua e gengivas, com progressão rápida para os membros. Cefaleias, ataxia, anormalidades dos nervos cranianos e motores também podem ocorrer.
Irradiação
Pode ocorrer plexopatia braquial ou lombossacral induzida por radiação a plexopatia se os nervos estiverem no campo de radiação por feixe externo. Os sintomas podem se manifestar muitos anos após a exposição à radiação inicial. Além disso, os efeitos tardios da radiação na pelve podem incluir a síndrome da cauda equina ou a polirradiculopatia lombossacral.[21]
Doença macrovascular
Acidente vascular cerebral (AVC) ou ataque isquêmico transitório
O AVC hemorrágico ou isquêmico no córtex somatossensorial pode causar parestesias e perda de sensibilidade na face ou nos membros. Se o AVC afetar o tronco encefálico, os pacientes podem também apresentar sintomas de fraqueza, visto que as vias motoras e sensoriais no tronco encefálico estão muito próximas umas das outras. Foi constatado que o infarto isolado do esplênio (parte posterior do corpo caloso) raramente causa parestesias no hemicorpo como a única manifestação.[22]
Enxaqueca
Algumas enxaquecas estão associadas a aura que inclui sintomas neurológicos focais ou unilaterais. Estas podem incluir parestesias na face ou nos membros, como parte da cefaleia ou como complicação causada por medicamentos (por exemplo, os que contêm derivados do ergot usados para tratar enxaqueca).[23][24]
Doença vascular periférica
A parestesia é um dos sinais clássicos de isquemia dos membros, acompanhada de dor, palidez, frio, ausência de pulsação e paralisia. A parestesia geralmente apresenta uma distribuição tipo "meia e luva".
Outra doença cerebrovascular
As parestesias unilaterais raramente podem ser associadas a outras anormalidades vasculares no cérebro e na medula espinhal, inclusive as malformações cavernosas e o linfoma intravascular.[8][25] As malformações cavernosas, na maioria das vezes, ocorrem no cérebro, mas também podem raramente afetar áreas extracranianas, como a medula espinhal, causando parestesias nos membros.[8] O linfoma intravascular de grandes células B é uma forma rara de linfoma difuso de grandes células B que se apresenta com comprometimento do sistema nervoso central (SNC) em 75% a 85% dos pacientes.[25] Os sintomas neurológicos incluem as neuropatias motoras e sensoriais, parestesia, fraqueza muscular, hemiparesia, meningorradiculite, disartria, afasia, convulsões, perda transitória de visão, vertigem e comprometimento cognitivo.[25]
Infecção
Vírus da imunodeficiência humana (HIV)
O HIV produz uma neuropatia periférica que pode ser causada, em parte, por uma infecção direta dos gânglios da raiz dorsal e, em parte, por citocinas neurotóxicas secretadas por macrófagos localmente invasores. A neuropatia também pode ser produzida por infecções associadas. O citomegalovírus pode produzir uma polirradiculopatia em pacientes imunossuprimidos, sobretudo nos que têm síndrome de imunodeficiência adquirida (AIDS).
Vírus linfotrópico humano de células T (HTLV)
O HTLV é um retrovírus que pode causar mielopatia progressiva (paraparesia espástica tropical) que gera fraqueza nas pernas, dorsalgia, parestesias e disfunção intestinal e da bexiga. Além disso, foi implicado como causa de polineuropatias sensoriais.
Hanseníase (lepra)
Doença infecciosa crônica causada pelo Mycobacterium leprae que afeta a pele e os nervos periféricos, produzindo lesões cutâneas características com deficits sensoriais e/ou motores.
Doença de Lyme (Borrelia burgdorferi)
A doença de Lyme é uma infecção zoonótica causada por uma espiroqueta do gênero Borrelia transmitida aos seres humanos por carrapatos. A radiculopatia é uma complicação da doença. A neuropatia periférica é uma complicação tardia de comprometimento do sistema nervoso central (SNC).
Infecção por herpes-zóster
Infecção viral que se irradia através dos linfonodos regionais até o fígado, o baço e outras células do sistema reticuloendotelial. Os sintomas surgem quando a infecção se dissemina do sistema reticuloendotelial para a pele e as membranas mucosas. Os sintomas iniciais são dor e parestesia. Pouco depois destes sintomas, surge uma erupção cutânea característica no dermátomo afetado.
Infecção por herpes simples
Causa úlceras orais, genitais e oculares. Os pacientes descrevem uma parestesia localizada que faz parte do pródromo antes do início das úlceras. A parestesia pode ser o único sintoma em alguns pacientes.
Neurossífilis
Uma infecção sexualmente transmissível causada pelo Treponema pallidum. Associada à infecção primária (local), secundária (disseminada) e terciária (complicações em órgãos-alvo incluindo neurossífilis). A neurossífilis pode causar uma polirradiculopatia que geralmente afeta os membros inferiores. Ela pode também produzir danos na coluna dorsal da medula espinhal, produzindo uma síndrome chamada tabes dorsalis. As principais características da tabes dorsalis incluem pupilas de Argyll-Robertson, ataxia, perda de reflexos tendíneos profundos, perda de propriocepção, de senso de vibração e posição.
Distúrbios psicogênicos
Ataques de pânico com hiperventilação
Pacientes podem descrever parestesias periorais dos membros distais que estão associadas à ansiedade ou sintomas de pânico e hiperventilação. É uma causa extremamente frequente de parestesias.
Transtornos de conversão e de sintomas somáticos
Causados por um quadro clínico psiquiátrico subjacente. A distribuição das parestesias pode ser focal, hemifacial ou hemicorporal, mas não se correlaciona com uma lesão patológica ou anormalidade da via sensorial subjacente.
Doença inflamatória ou vasculítica
As doenças vasculíticas podem produzir mononeurite múltipla (doença associada a deficits motores e sensoriais progressivos na distribuição de nervos periféricos específicos) ou polineuropatia. Neuropatias vasculíticas são frequentemente dolorosas.[26] A neuropatia periférica sensorial também pode ocorrer por uma inflamação direta dos nervos mediada imunologicamente causada por autoanticorpos ou por uma reação ao depósito de proteína monoclonal. Em alguns casos, está presente uma combinação destas etiologias. As causas incluem:
Vasculite associada a doenças do tecido conjuntivo, como o lúpus eritematoso sistêmico (LES) e a artrite reumatoide. LES está associado a uma neuropatia sensorial simétrica distal, com parestesias progressivas dos membros inferiores distais, que pode progredir e afetar as fibras nervosas motoras[27]
Poliarterite nodosa, uma doença vasculítica que afeta apenas os vasos sanguíneos de médio calibre. As anormalidades associadas incluem artrite, púrpura ou outras manifestações cutâneas, dor abdominal devido a isquemia de órgãos abdominais e insuficiência renal[28]
Síndrome de Churg-Strauss, uma doença vasculítica que afeta os vasos sanguíneos de pequeno e médio calibres. As anormalidades associadas incluem asma, eosinofilia e infiltrados anormais na radiografia torácica[26][29][30][31]
Granulomatose com poliangiite (anteriormente conhecida como granulomatose de Wegener), uma vasculite que afeta os vasos sanguíneos de pequeno e médio calibre com lesões das passagens nasais, pulmões e rins[32][33][34]
Poliangiite microscópica, uma doença vasculítica que afeta os pequenos vasos. As anormalidades associadas incluem púrpura palpável ou outras manifestações cutâneas, estertores pulmonares, hipertensão, insuficiência cardíaca e insuficiência renal
A síndrome de Sjögren pode estar associada a danos nas fibras nervosas sensoriais finas ou grossas. Danos nas fibras finas produzem parestesias com ardência, ao passo que os danos nas fibras grossas produzem ataxia ou desequilíbrio de marcha. Neuropatias cranianas e neuropatia autonômica também podem ocorrer[35][36][37]
Sarcoidose (neurossarcoidose) pode causar danos nos nervos periféricos, embora a paralisia facial seja a manifestação mais frequente
Distúrbios de produção da proteína monoclonal causam neuropatia devido ao depósito de proteína e inflamação nos nervos periféricos. Distúrbios incluem macroglobulinemia de Waldenström, gamopatia monoclonal de significado incerto, mieloma múltiplo, crioglobulinemia e amiloidose
A doença de Neuro-Behçet raramente pode apresentar lesões inflamatórias na medula espinhal causando parestesias e fraqueza nos membros[38]
A neurite sensorial migratória de Wartenberg é uma mononeurite limitada, mediada imunologicamente, que afeta somente os nervos sensoriais. Apresenta-se com início abrupto de parestesias dolorosas na distribuição de um ou vários nervos cutâneos ou sensoriais (mais frequentemente os nervos periféricos dos membros, mas também o nervo trigêmeo e os ramos tronculares), de modo sequencial ou simultâneo. As parestesias podem ser antecedidas por sensações de dor (pontada, ardência, formigamento) na mesma área, e o estiramento do nervo afetado (por exemplo, ao ajoelhar-se) pode precipitar os sintomas.[39][40]
Distúrbios genéticos
As causas hereditárias da neuropatia periférica sensorial podem incluir mutações genéticas que afetam a estrutura da fibra nervosa, o que causa neuropatia periférica ou plexopatia. As causas mais comuns são os seguintes:
Doença de Charcot-Marie-Tooth (neuropatia motora e sensorial hereditária): causada por mutações que afetam a mielina (produzindo desmielinização) ou a formação do axônio (produzindo neuropatia axonal). A herança pode ser autossômica dominante ou recessiva, dependendo da forma. O principal sintoma é a fraqueza motora, mas também ocorrem sintomas sensoriais, incluindo parestesias.
Neuropatia autonômica e sensorial hereditária: trata-se de um grupo de distúrbios genéticos que provocam disfunção autonômica e analgesia. A herança pode ser autossômica dominante ou recessiva, dependendo da forma. Os pacientes podem apresentar lesões indolores nos membros (por causa da ausência de sensibilidade) ou parestesias com ardência nos membros.
Neuropatia hereditária com predisposição a paralisias por pressão: doença autossômica dominante causada pela deleção de uma região do cromossomo 17 que inclui o gene PMP-22. Os pacientes apresentam sintomas recidivantes e remitentes de encarceramento dos nervos. A síndrome pode causar neuropatias compressivas isoladas ou múltiplas ou uma plexopatia braquial, dependendo do nervo periférico afetado.
Os erros congênitos do metabolismo produzem defeitos no metabolismo a jusante e acúmulo de intermediários metabólicos a montante no citoplasma, o que causa danos celulares. A neuropatia periférica resulta de um dano axonal ou de uma desmielinização. A desmielinização é geralmente produzida por danos nas células de Schwann, mas também pode ser causada pela síntese de mielina defeituosa.
A doença de corpos de poliglucosanos em adultos é uma deficiência da enzima ramificante do glicogênio. Esta deficiência causa a formação de corpos poliglucosanos dentro de fibras nervosas. Estes órgãos são tóxicos e causam danos nos nervos. A doença se apresenta da metade até a fase avançada da vida adulto com parestesias ou perda de sensibilidade nos membros inferiores, disfunção progressiva dos neurônios motores superiores e inferiores, disfunção esfincteriana (incontinência) e demência.[41] Ela é causada por várias mutações no gene GBE1.[41][42]
A doença de Tangier é provocada por um defeito na produção de lipoproteína de alta densidade, causando depósito de ésteres de colesterol e toxicidade celular em diversos tecidos, incluindo as células de Schwann dos nervos periféricos. Os pacientes são acometidos de parestesias e fraqueza motora causada por neuropatia periférica sensorial-motora. Tonsilas de cor alaranjada são características da doença. Alguns pacientes apresentam na infância sintomas que afetam os membros inferiores, ao passo que outros apresentam mais tardiamente sintomas que afetam os membros superiores.[43][44]
A doença de Refsum é um distúrbio peroxissomal que produz acúmulo de ácido fitânico. Manifesta-se em jovens com retinite pigmentosa, polineuropatia periférica e ataxia cerebelar.
A doença de Fabry, causada por deficiência de alfagalactosidase, é um distúrbio recessivo ligado ao cromossomo X de armazenagem de glicolipídios que afeta pacientes do sexo masculino a partir de uma idade precoce (geralmente <10 anos de idade). O gene afetado está localizado no braço longo do cromossomo X, entre Xq21.33 e Xq22. Condições sistêmicas associadas incluem insuficiência renal crônica, doença cardíaca ou cerebrovascular inicial e opacificações corneanas. Mulheres portadoras podem apresentar sintomas mais leves, com início mais tarde nas suas vidas. A neuropatia periférica afeta as fibras nervosas não mielinizadas finas, assim, as parestesias com ardência são sintomas proeminentes, localizadas nas mãos, pés e membros inferiores distais. Os pacientes também podem descrever produção de suor reduzida. Os pacientes também apresentam angioqueratomas e escurecimento característico da pele em uma distribuição tipo "roupa de banho" devido a erupção cutânea macular.[45]
A doença de Krabbe ou leucodistrofia de células globoides é uma doença autossômica recessiva produzida por deficiência da enzima galactocerebrosidase. Ela causa diminuição na formação de mielina no sistema nervoso central (SNC) e nervos periféricos. A doença tem formas infantil, juvenil e adulta. A forma infantil é a mais grave e fatal. Os pacientes apresentam parestesias com ardência e fraqueza muscular, por causa da neuropatia sensorial-motora. Alguns pacientes também desenvolvem um comprometimento cognitivo ou sinais do neurônio motor superior devido à desmielinização no SNC.[46][47]
A ataxia de Friedreich, causada pela expansão da sequência de repetição de trinucleotídeos no gene da frataxina, apresenta ataxia progressiva dos membros e neuropatia axonal sensorial com sinais do trato piramidal (fraqueza e extensão dos pododáctilos após estimulação plantar) associadas a ausência de reflexos tendinosos profundos e cardiomiopatia. Os sintomas clínicos aparecem em crianças ou adultos jovens.
A adrenomieloneuropatia é um distúrbio recessivo ligado ao cromossomo X que causa acúmulo anormal de ácidos graxos de cadeia muito longa. Afeta sobretudo adultos jovens do sexo masculino, embora portadoras do sexo feminino também possam sofrer comprometimento neurológico, e se manifesta primariamente com paraplegia espástica, insuficiência adrenal, e, às vezes, neuropatia periférica e mielopatia.[48][49]
As síndromes de ataxia espinocerebelar são um grupo de doenças neurodegenerativas hereditárias autossômicas dominantes. Alguns subtipos estão associados a neuropatia sensorial (tipos 1 a 4, 8, 18, 23, 24, 15, 27), além de ataxia e outras características, como a disfunção piramidal e extrapiramidal.
A doença de Niemann-Pick, ou deficiência da esfingomielinase ácida, pode produzir neuropatia periférica e anormalidades da retina.[50] No entanto, este quadro não é frequente, visto que a expectativa de vida da maioria dos pacientes é reduzida, não vivendo tempo suficiente para apresentarem esses sintomas.
A encefalomielopatia necrosante subaguda (doença de Leigh) é uma doença neurodegenerativa grave da primeira infância que pode incluir neuropatia periférica, além de atraso psicomotor, convulsões, oftalmoplegia, ataxia, distonia e vômitos.[51][52] A doença, geralmente, é fatal na infância ou na primeira infância.
A abetalipoproteinemia, ou síndrome de Bassen-Kornzweig, é um distúrbio autossômico recessivo do metabolismo de lipoproteínas e pode se manifestar com neuropatia sensorial na infância, além de outras características neurológicas, como deficiência intelectual, retinite pigmentosa e ataxia.[53]
Outras causas
Convulsões focais (antes conhecidas como crises parciais)
As convulsões focais que afetam o córtex somatossensitivo podem causar sintomas sensoriais estereotipados no hemicorpo ou hemiface, como parestesias.
Neuropatia sensorial paraneoplásica
Vários cânceres podem causar neuropatia periférica. A causa, geralmente, está relacionada ao encarceramento dos nervos pelo tumor, efeitos colaterais do tratamento, deficiências nutricionais ou alterações metabólicas. No entanto, alguns pacientes desenvolvem uma neuropatia periférica paraneoplásica na ausência dessas causas; esta ocorre associada a vários anticorpos antineuronais, incluindo o anti-Hu e o anti-CRMP-5. A neuropatia pode surgir muitos anos antes do diagnóstico de câncer e ser a única indicação clínica de uma malignidade oculta. Não se entende o seu mecanismo exato, mas acredita-se que esteja relacionada à reatividade cruzada dos anticorpos antineuronais com antígenos tumorais.
Síndrome do queixo dormente
As parestesias unilaterais ou a anestesia do queixo podem se apresentar como manifestação inicial de malignidade oculta e sempre devem ser completamente investigadas quanto a sua causa subjacente.[12][54] Pode também ser a manifestação inicial da esclerose múltipla ou ocorrer após uma cirurgia dentária ou oral.
Neuropatia periférica após cirurgia bariátrica
Constatou-se que a polineuropatia distal predominantemente sensorial ocorre com mais frequência em pacientes depois de uma cirurgia bariátrica em comparação com outros tipos de cirurgia abdominal.[55] A desnutrição relacionada ao período perioperatório parece ser o fator de risco mais significativo para o surgimento da polineuropatia distal predominantemente sensorial.[55] O mais provável é que a perda rápida de grande parte do peso corporal cause várias deficiências nutricionais, e subsequentemente, ao surgimento da polineuropatia.
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