Abordagem

O tratamento para ADF inclui terapia de reposição de ferro por via oral ou intravenosa. A terapia de reposição de ferro deve continuar após a normalização dos parâmetros hematológicos para repor os estoques de ferro corporais.

Pode ser necessário realizar transfusão de sangue em pacientes com sintomas de comprometimento cardiovascular (por exemplo, dispneia em repouso, dor torácica ou tontura).

Terapia de reposição de ferro por via oral

O tratamento inicial é a terapia de reposição de ferro por via oral diariamente (por exemplo, sulfato ferroso, gliconato ferroso ou maltol férrico). Os sais ferrosos têm melhor biodisponibilidade e absorção, comparados com os sais férricos.[112]

Há evidências que sugerem que a suplementação de ferro por via oral como dose única em dias alternados (por exemplo, segunda, quarta e sexta-feira) pode otimizar a absorção de ferro e oferecer uma dosagem mais conveniente, comparada à suplementação de ferro por via oral diariamente.[113][114][115]

A absorção do ferro não heme de plantas e produtos lácteos requer ácido para a digestão. A absorção é potencializada pelo ácido ascórbico (vitamina C) e pela carne e é inibida por cálcio, fibras, chá, café e vinho.[23]

O uso concomitante de antiácidos que contêm bicarbonato de sódio ou carbonato de cálcio reduz a absorção de ferro.[116] Os antagonistas H2 prejudicam a secreção de ácido durante todo o tempo em que o antagonista H2 estiver ativo. Os medicamentos e suplementos que podem interferir com a absorção de ferro quando administrados simultaneamente aos suplementos de ferro incluem colestiramina, colestipol, neomicina, antibióticos de fluoroquinolona, antibióticos tetraciclinas, cálcio, magnésio, manganês e zinco.

O hemograma completo e a contagem de reticulócitos devem ser monitorados durante o tratamento. A contagem de reticulócitos deve atingir o máximo em 1 a 2 semanas; a hemoglobina deve mostrar uma melhora em 3 a 4 semanas (até 20 g/L [2 g/dL]), com sua normalização após 2 a 4 meses, e a reposição das reservas de ferro após 6 meses.[4]

Falha do tratamento com ferro por via oral

Até 10% dos pacientes podem ter intolerância gastrointestinal ao ferro por via oral. Opções alternativas para esses pacientes incluem mudar para uma formulação com níveis mais baixos de ferro elementar, ingerindo uma formulação líquida, tomando comprimidos com alimentos (embora isso diminua a absorção) ou mudando para ferro intravenoso.

Os pacientes que não respondem ou que são intolerantes ao ferro por via oral podem ser considerados para reposição de ferro por via intravenosa. Resultados de uma análise de cinco ensaios clínicos sugerem que os pacientes devem fazer a transição do ferro por via oral para ferro por via intravenosa se a resposta de hemoglobina com ferro por via oral for <10.0 g/L (<1.0 g/dL) no 14o dia.[117]

Em comparação com ferro por via oral, o ferro intravenoso parece ser mais eficaz para o tratamento da ADF relacionada à malignidade, à doença inflamatória intestinal e, possivelmente, à insuficiência cardíaca.[118][119][120][121][122][123][124][125]

O ferro intravenoso complementar não é benéfico para pacientes de trauma anêmicos em estado crítico; portanto, a suplementação de ferro intravenoso de rotina não é recomendada nesses pacientes.[126]

Terapia de reposição de ferro intravenoso

O ferro intravenoso deve ser considerado como tratamento de primeira linha para pacientes selecionados com doença inflamatória intestinal, inclusive aqueles com doença ativa ou intolerância prévia ao ferro por via oral.[127]

Uma dose baixa de ferro semanal em pacientes que fazem hemodiálise (mesmo em pacientes em estado repleto de ferro) pode estabilizar os níveis de ferro e hemoglobina e possibilitar a redução da dose de eritropoetina.[128] Uma revisão sistemática e uma metanálise encontraram evidências de baixa certeza de que o ferro intravenoso, comparado com o ferro por via oral, aumenta o número de pacientes com doença renal crônica que alcançam a meta de hemoglobina e reduz a necessidade de agentes estimulantes da eritropoiese.[129]

O ferro intravenoso aumenta a resposta aos agentes estimulantes da eritropoiese em pacientes com câncer e anemia relacionada à quimioterapia.[125]

A falta de resposta ao ferro intravenoso deve levar a uma investigação do sangramento contínuo e a um questionamento do diagnóstico. O diagnóstico de anemia ferropriva (ADF) ou de ADF recorrente deve ser acompanhado por uma avaliação para determinar a causa subjacente.[130]

Escolha da preparação de ferro intravenoso

Várias preparações de ferro intravenoso estão disponíveis. Nenhuma preparação se mostrou mais eficaz que outra.[131][132][133][134]

Ferrodextrana:

  • Disponível apenas como preparação de baixo peso molecular.[135]

  • Os efeitos adversos incluem anafilaxia, artralgia e mialgia.[136][137][138] O risco de efeitos adversos pode ser menor com preparações de ferro intravenoso mais novas, comparadas à ferrodextrana.[139][140][141][142][143][144]

  • Em um estudo, o uso de metilprednisolona intravenosa antes e após a infusão de dose total de ferrodextrana diminuiu drasticamente o risco de artralgias e mialgias.[137]

  • Os pacientes intolerantes à ferrodextrana podem ser considerados para o tratamento com preparações de ferro intravenoso mais novas.

Sacarose de ferro:

  • Tem um perfil de segurança similar ao da ferrodextrana.[145]

  • Dados retrospectivos sugerem que a administração inicial de sacarose de ferro pode estar associada com a redução da incidência de anafilaxia, em comparação com ferrodextrana (1.2 casos por 10,000 primeiras administrações versus 9.8 casos, respectivamente)[138]

  • Parece ser segura durante a gravidez e mostrou ser mais eficaz que o ferro por via oral.[146][147][148][149] Em mulheres com anemia pós-parto, a sacarose de ferro pode proporcionar uma resposta mais rápida que o ferro por via oral.[150]

Complexo de gluconato férrico de sódio:

  • Tem um perfil de segurança superior comparado à ferrodextrana.[143]

  • Dados retrospectivos sugerem que a administração inicial de gluconato férrico pode estar associada com a redução da incidência de anafilaxia, em comparação com ferrodextrana (1.5 casos por 10,000 primeiras administrações versus 9.8 casos, respectivamente)[138]

Ferromoxitol:

  • Tem um cronograma de doses mais conveniente que a ferrodextrana e a sacarose de ferro.

  • A eficácia e segurança do ferromoxitol são similares às da sacarose de ferro e carboximaltose férrica.[132][133][151]

  • Dados retrospectivos sugerem que a administração inicial de ferromoxitol pode estar associada com o aumento da incidência de anafilaxia (4 casos por 10,000 primeiras administrações).em comparação com sacarose de ferro (1.2 casos) ou carboximaltose férrica (0.8 casos), respectivamente.[138]

  • O ferromoxitol é seguro para uso em pacientes com doença renal crônica, mas, caso haja necessidade de hemodiálise, deve ser administrado >1 hora depois da hemodiálise, quando a pressão arterial estiver estabilizada.[152]

Carboximaltose férrica:

  • Segurança e eficácia superiores, comparadas ao ferro por via oral.[134][153] Dados retrospectivos sugerem baixo risco de anafilaxia (0.8 casos por 10,000 primeiras administrações).[138]

  • A carboximaltose férrica é mais bem tolerada e mais eficaz que outras preparações de ferro intravenoso para tratar a ADF em pacientes com doença inflamatória intestinal.[154]

  • Seu uso em pacientes com insuficiência cardíaca sistólica com deficiência de ferro pode reduzir as hospitalizações cardiovasculares recorrentes.[155] Em um estudo randomizado controlado por placebo realizado com pacientes com deficiência de ferro e fração de ejeção do ventrículo esquerdo persistentemente reduzida, o tratamento com carboximaltose férrica resultou em melhora da função cardíaca.[156]

  • Em mulheres com anemia pós-parto, o uso de carboximaltose férrica pode restaurar os níveis de hemoglobina e ferritina com mais rapidez que outras preparações de ferro intravenoso.[157]

Derisomaltose férrica:

  • Pode ser administrado como infusão única; portanto a dosagem é mais conveniente que a de outras preparações.

  • Eficácia superior e ação mais rápida que a sacarose de ferro, com um perfil de segurança similar.[158][159]

  • Em um estudo, a probabilidade de reações de hipersensibilidade foi 3.4 vezes maior com derisomaltose férrica, comparado à carboximaltose férrica.[160]

Efeitos adversos do ferro intravenoso

O uso de ferro intravenoso está associado à anafilaxia, que pode representar risco de vida.[143][161] Um estudo de coorte retrospectivo relatou as seguintes taxas de incidência de anafilaxia por 10,000 primeiras administrações:[138]

  • 9.8 casos para ferrodextrana

  • 4.0 casos para ferromoxitol

  • 1.5 casos para gluconato férrico

  • 1.2 casos para sacarose de ferro, e

  • 0.8 caso para carboximaltose férrica.

Uma dose de teste pode ser administrada, embora isso não seja recomendado em alguns países, pois mesmo assim podem ocorrer reações alérgicas em pacientes que não reagiram à dose de teste.[162]

O ferro intravenoso pode ser administrado em cenários com equipe adequadamente treinada e instalações de ressuscitação disponíveis para tratar reações alérgicas.[161] Os pacientes devem ser rigorosamente monitorados para sinais de alergia durante e após cada administração.[161] Eventos adversos infecciosos e cardiovasculares também foram relatados com o ferro intravenoso.[163][164]

A carboximaltose férrica e a derisomaltose férrica estão associadas à hipofosfatemia transitória; é significativamente mais comum com a primeira.[165][166] Foram relatadas fadiga muscular e osteomalácia em pacientes tratados com carboximaltose férrica.[167][168]

Transfusão de eritrócitos

Os pacientes com sintomas de comprometimento cardiovascular (por exemplo, dispneia em repouso, dor torácica ou tontura) podem receber transfusão de eritrócitos, mas é necessário ter cautela para evitar repor os eritrócitos muito rápido (o que pode causar sobrecarga de volume).[96] A transfusão de concentrado de hemácias fornece ao paciente apenas cerca de 250 mg de ferro elementar por unidade (o suficiente para elevar a hemoglobina em 1 grama), de modo que mais reposição de ferro será necessária mesmo após a transfusão de sangue. Ficou comprovado que a reposição de sangue intravenoso em pacientes com insuficiência cardíaca e deficiência de ferro (com ou sem anemia) melhora os sintomas, a capacidade funcional e a qualidade de vida.[141]

Riscos graves da transfusão incluem transmissão de doenças infecciosas, reações agudas e tardias da transfusão, púrpura pós-transfusão, doença do enxerto contra o hospedeiro associada à transfusão e lesão pulmonar aguda relacionada à transfusão.[169]

A transfusão não é indicada em pacientes com comprometimento cardíaco que são assintomático em repouso e em esforço físico. Recomenda-se repouso e tratamento da anemia.

Gestação e pós-parto

O tratamento inicial consiste em suplementação diária com sais ferrosos.[61] Em mulheres com gestação gemelar e ADF, dobrar a dose de ferro pode oferecer benefícios sem causar efeitos adversos gastrointestinais.[170] O ferro intravenoso pode ser considerado no segundo ou terceiro trimestre de gestação se a paciente não apresentar resposta clínica ou for intolerante ao ferro por via oral, mas deve ser evitado no primeiro trimestre.[61][171]

Mulheres diagnosticadas com ADF pós-parto que estão hemodinamizamente estáveis devem receber suplementação oral de ferro diariamente. Em mulheres com anemia pós-parto grave, a adição de ferro intravenoso (por exemplo, sacarose de ferro) ao ferro oral não oferece benefícios adicionais, comparado ao ferro oral isolado.[172] As diretrizes recomendam considerar o uso de ferro intravenoso pós-parto em mulheres que apresentaram intolerância ou sem resposta clínica ao ferro oral e/ou quando os sintomas de anemia exigirem tratamento imediato.[61]

Pacientes que serão submetidos a cirurgia

Cirurgia não urgente de grande porte deve ser postergada para possibilitar o tratamento da ADF.[71] O tratamento com ferro por via oral deve ser iniciado o mais rápido possível.

O ferro intravenoso pode ser considerado antes ou depois da cirurgia quando os pacientes têm ADF e:[173]

  • não conseguem tolerar, absorver ou aderir ao ferro por via oral

  • têm deficiência de ferro funcional (não conseguem mobilizar o ferro armazenado de maneira rápida ou eficaz o suficiente para dar suporte à eritropoiese)

  • o intervalo previsto entre o diagnóstico de anemia e a cirurgia é muito curto para que o ferro por via oral seja eficaz.

A meta de hemoglobina no pré-operatório é 130 g/dL (13 g/dL) para homens e mulheres.[71] Um ensaio clínico randomizado e controlado constatou que uma dose única de carboximaltose férrica, administrada a pacientes com anemia de 10 a 42 dias antes de uma cirurgia abdominal eletiva de grande porte, não reduziu a necessidade de transfusão, em comparação com placebo.[174] Um ensaio clínico randomizado prospectivo comparou o tratamento da ADF pós-operatória usando carboximaltose férrica com o padrão de cuidados. Os pacientes tratados com carboximaltose férrica apresentaram uma concentração de hemoglobina significativamente maior e necessidade reduzida de transfusão em 4 semanas.[175]

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