Etiologia

A categorização da esplenomegalia de acordo com a etiologia é descrita a seguir. A esplenomegalia de etiologia indeterminada é denominada idiopática. Médicos não hematologistas podem iniciar uma avaliação da esplenomegalia e mesmo determinar sua etiologia, mas deve haver um limiar baixo para o encaminhamento para o especialista.

Hepática

A doença hepática induzida por bebidas alcoólicas causa hipertensão portal, com pressão retrógrada resultante no baço e posterior esplenomegalia.[6] A exposição crônica dos hepatócitos ao álcool etílico leva à formação de corpos de Mallory intracitoplasmáticos e causa destruição celular. Ocorre fibrose no parênquima hepático, que depois se estende de uma tríade portal a outra. Com o passar do tempo, ocorre cicatrização irreversível extensiva.

Muitas outras doenças hepáticas também podem causar cirrose. Os mecanismos subjacentes de lesão hepática podem diferir, mas o resultado final é o mesmo: cirrose. Os exemplos incluem colangite biliar primária, colangite esclerosante primária, hepatite viral (B ou C), doença hepática gordurosa não alcoólica e hemocromatose hereditária.

Na hipertensão portal, o baço aumenta em razão da pressão retrógrada elevada através da veia porta e depois da veia esplênica. O baço aumentado remove todos os elementos celulares do sangue mais rapidamente que o normal; assim, os pacientes afetados apresentam graus variados de leucopenia, anemia e trombocitopenia. Os pacientes também podem desenvolver varizes nas quais as circulações portal e sistêmica se misturam, especialmente no esôfago distal e nas veias hemorroidárias, o que pode se manifestar como ruptura das varizes esofágicas ou sangramento hemorroidário. As veias umbilicais também são afetadas, mas isso não causa as consequências clínicas graves.

Doença neoplásica

As etiologias neoplásicas incluem neoplasias mieloproliferativas (trombocitemia essencial, policitemia vera e mielofibrose primária); leucemias (leucemia linfoide aguda, leucemia mieloide aguda, leucemia linfocítica crônica, leucemia mieloide crônica e leucemia de células pilosas); linfomas de Hodgkin/não Hodgkin; tumores esplênicos primários; e doença metastática.[7]​ Um padrão internacional (Classificação de Tumores da OMS) está disponível para o diagnóstico diferencial de leucemias e linfomas.[8]​ Há orientações atualizadas da National Comprehensive Cancer Network (NCCN) disponíveis.[9]

Lesões benignas também podem levar à esplenomegalia. Lesões esplênicas benignas incluem hamartoma esplênico, angioma de células litorâneas (lesões caracterizadas por crescimentos benignos de células endoteliais; podem reaparecer em outros órgãos ao longo do tempo), hemangioma e cistos.

Vascular oclusiva

As veias que drenam o baço em direção ao fígado podem se tornar obstruídas por coágulos, causando esplenomegalia.

  • Pode ocorrer trombose da veia esplênica em decorrência de pancreatite aguda porque a veia esplênica apresenta um trajeto logo acima e posterior a esse órgão. O início da esplenomegalia pode ser rápido e doloroso.

  • A trombose da veia porta pode ser observada em doenças mieloproliferativas (principalmente em mulheres jovens com policitemia vera). Também pode ocorrer trombose da veia porta na hemoglobinúria paroxística noturna (HPN), um distúrbio clonal em que os eritrócitos são especialmente sensíveis à lise por complemento, e estado hipercoagulável, como síndrome do anticorpo antifosfolipídeo ou um efeito adverso dos contraceptivos orais. Veias colaterais podem se formar ao redor da veia porta, podendo ocorrer o restabelecimento do fluxo sanguíneo através da veia porta ao longo do tempo (transformação cavernosa da veia porta). A esplenomegalia pode ser leve ou grave. Em pacientes com doenças mieloproliferativas subjacentes com hipercoagulabilidade, que estejam causando trombose da veia porta, pode haver razões sinérgicas para a esplenomegalia.

  • A síndrome de Budd-Chiari é causada por tromboses em pequenos vasos no fígado, com deslocamento da trombose em direção às veias hepáticas principais. Ela pode ocorrer após altas doses de quimioterapia (em consequência de quimioterapia preparatória no momento de transplante de medula óssea), na HPN e em doenças mieloproliferativas.

Imunológica/inflamatória

Amiloidose[10]

  • Descreve a deposição de fibrilas no tecido extracelular, compostas de subunidades de baixo peso molecular de uma variedade de proteínas. As principais formas de amiloidose (isto é, acúmulo de amiloide) incluem amiloide AL (cadeia leve), AA e transtirretina. Essas proteínas podem se depositar em qualquer local, mas, em geral, depositam-se nos tecidos moles, no coração, no fígado e no baço. A esplenomegalia pode ser leve, moderada ou grave, podendo causar ou contribuir para citopenias.

Anemia hemolítica autoimune

  • Testes de antiglobulina diretos revelam a presença de imunoglobulina na superfície dos eritrócitos (do tipo quente), o que causa o clearance desses eritrócitos pelo sistema reticuloendotelial. Os eritrócitos tornam-se esferócitos, que são mais propensos à destruição. A esplenomegalia pode resultar em hemólise do tipo quente ou frio (associada ao complemento na superfície dos eritrócitos) porque a polpa vermelha do baço é tão ativa no clearance dessas células que chega a se expandir. Em geral, esse tipo de esplenomegalia é leve.

Linfo-histiocitose hemofagocítica (LHH)

  • LHH pode ser primária ou secundária.

  • Geralmente, a LHH primária se manifesta na infância. Ela é causada por mutações genéticas que prejudicam a função citotóxica das células Natural Killer (NK) e das células T citotóxicas. As mutações genéticas associadas à LHH incluem PRF1, RAB27A, STX11, STXBP2, UNC13D, LYST, AP3B1, SH2D1A, XIAP, NLRC4, CDC42, as doenças de suscetibilidade ao vírus Epstein-Barr, e XLP.[11][12]

  • A LHH secundária pode ser observada em associação a doenças autoimunes, imunodeficiência, infecção ou malignidade; no entanto, em alguns casos, não se identifica associação com outra doença.[13][14]

  • Foram desenvolvidos vários critérios para identificar os pacientes com síndromes que possam representar LHH, inclusive HLH-2004 e HScore.[15][16][17]​ No entanto, ambos não têm sensibilidade nem especificidade; dessa forma, nenhum conjunto de critérios é suficiente para diagnosticar a LHH em todas as populações.[15]

  • ​ Uma força-tarefa da EULAR/ACR (European Alliance of Associations for Rheumatology/American College of Rheumatology) recomenda que as anormalidades clínicas e laboratoriais sejam usadas em conjunto para reconhecer uma LHH com potencial risco de vida.[15]

Doenças reumáticas

  • Síndromes reumáticas, como a artrite reumatoide, podem causar esplenomegalia decorrente da expansão da polpa branca. Isso se deve a uma expansão sistêmica das células imunes. O grau de esplenomegalia geralmente é de leve a moderado.

  • A síndrome de Felty é uma tríade de artrite reumatoide, esplenomegalia e neutropenia. A neutropenia é mediada por uma resposta de anticorpos ou, em alguns casos, por linfócitos granulares excessivamente grandes no baço ou na circulação sistêmica.

  • A esplenomegalia no lúpus eritematoso sistêmico ocorre por um mecanismo similar àquele da artrite reumatoide e geralmente é de leve a moderada.

Sarcoidose

  • Doença de mecanismo e origem desconhecidos, caracterizada por granulomas não caseosos, encontrados, principalmente, nos pulmões e linfonodos. O baço pode se tornar excessivamente aumentado na sarcoidose, causando sintomas de dor e inanição. Podem ocorrer citopenias, e podem ser exacerbadas pela presença de granulomas não caseosos na medula óssea e pela produção medular diminuída de leucócitos, eritrócitos e plaquetas.

Doenças do armazenamento lisossomal

Doença de Gaucher

  • Exemplo prototípico de esplenomegalia associada à doença do armazenamento lisossomal.[18] Trata-se de uma doença genética comum, particularmente entre descendentes de judeus asquenazes.[19]​ Em razão de uma deficiência de glucocerebrosidase, as células do sistema reticuloendotelial acumulam glicocerebrosídeos, os quais são um produto de metabolização do metabolismo dos ácidos graxos. As células ficam hipertróficas e não podem ser removidas do baço nem do fígado. A hepatoesplenomegalia pode ser grave. Citopenias e dor óssea (crises) são características comuns à apresentação.[19]​ Os exames de imagem óssea revelam alterações distintas, como o sinal de "frasco de Erlenmeyer" nos fêmures distais. A densidade óssea está comprometida.

Doença de Niemann-Pick

  • Causada por uma anormalidade (ou deficiência) do gene da esfingomielinase.[20] Inclui três tipos: o tipo A é observado em lactentes e causa distúrbios neuronais; o tipo B caracteriza-se por apresentação de início tardio e é não neuropático; e o tipo C, a forma mais comum, é neuropática, mostrando início tardio e transporte de colesterol anormal. A doença do tipo C afeta judeus asquenazes de maneira desproporcional.

Infecciosa

Malária

  • Trata-se de um problema de saúde grave em regiões do mundo afetadas pelo mosquito Anopheles. Ela é mais comumente causada por quatro protozoários parasitas: Plasmodium falciparum, Plasmodium vivax, Plasmodium ovale e Plasmodium malariae.[21]

  • A transmissão para os humanos ocorre pela mordida do mosquito Anopheles. O parasita tem vários estágios de ciclo de vida, mas infecta principalmente os eritrócitos, causando lise. O baço aumenta, em parte, devido à hiperatividade da polpa vermelha na eliminação desses eritrócitos lisados.[22]

  • A esplenomegalia malárica hiper-reativa (HMS) é causada por uma resposta imune inadequada à exposição crônica ao parasita da malária. É uma das principais causas de esplenomegalia maciça em regiões endêmicas para malária.[23]

Vírus Epstein-Barr (EBV)

  • Causa mononucleose infecciosa. A infecção manifesta-se como febre, faringite, adenopatia cervical posterior e esplenomegalia. A esplenomegalia geralmente é leve, mas pode ser substancial sob circunstâncias incomuns. Em geral, uma vez tratada a infecção, o baço volta ao tamanho normal. As infecções crônicas por EBV podem ocorrer em pacientes imunocomprometidos e causar adenopatia generalizada e hepatoesplenomegalia mais proeminente. O EBV pode ser responsável por uma complicação em receptores de transplante de órgãos sólidos, uma entidade chamada doença linfoproliferativa pós-transplante, em que a esplenomegalia pode ser uma característica.

Dengue

  • Caracterizada por febre, mal-estar, cefaleia, astenia e, menos comumente, sangramento, extravasamento plasmático e comprometimento de órgãos (por exemplo, hepatoesplenomegalia).[24]

  • Aproximadamente 1 em cada 10 pessoas com dengue grave tem LHH secundária, que tem uma alta taxa de mortalidade.[25] Os pacientes com LHH associada à dengue apresentam febre, trombocitopenia, esplenomegalia, anemia, hepatomegalia e ferritina sérica elevada.[26]

Vírus da hepatite

  • Infecção crônica contínua do fígado pelo vírus da hepatite B ou C que pode causar cirrose e esplenomegalia resultante.

Endocardite

  • Causada por diferentes tipos de bactérias e outros organismos. Pode causar esplenomegalia porque todo o sistema imunológico é expandido em uma tentativa de depurar os organismos da circulação. Além disso, o baço pode se tornar um terreno fértil para o organismo invasor, com possível surgimento de abscessos esplênicos. Os abscessos esplênicos podem se tornar muito grandes, com necrose liquefativa no interior, causando esplenomegalia.

Abscessos esplênicos secundários a sepse

  • Os abscessos esplênicos podem resultar de disseminação a partir de septicemia não relacionada à endocardite. Bactérias ou fungos podem ser os culpados. A esplenomegalia pode ser de leve a moderada.

Anormalidades intrínsecas dos eritrócitos

Defeitos citoesqueléticos

  • Podem causar deformidade anormal dos eritrócitos, que ficam aprisionados na polpa vermelha do baço, causando esplenomegalia.[27] Anormalidades na espectrina são o tipo mais comum de defeito cistoesquelético e resultam em esferocitose hereditária. A eliptocitose hereditária é outro exemplo de defeito citoesquelético.

Hemoglobinopatias

  • Podem ser divididas em talassemias e defeitos estruturais (substituições de aminoácidos) na globina alfa ou beta.[28]

  • Na anemia falciforme homozigótica, infartos repetidos no baço causam um processo autodestrutivo pelo qual o baço é reduzido a um pequeno caroço fibrótico. No entanto, em algumas variantes de doença falciforme, como na doença falciforme associada à hemoglobina mutante C (HbSC), o baço pode aumentar. Em crianças, pode ocorrer um aumento esplênico súbito com acúmulo de eritrócitos, conhecido por crise de sequestro. Hipotensão e colapso cardiovascular podem ocorrer.

  • As talassemias resultam da produção de uma quantidade indevida de globina alfa ou beta. Clinicamente, as talassemias são divididas em três categorias.

    • Talassemia major: anemia grave com anisocitose e poiquilocitose, com microcitose grave. O fígado e o baço podem estar maciçamente aumentados.

    • Talassemia intermediária: talassemia menos grave. O baço geralmente encontra-se levemente aumentado.

    • Talassemia menor: a anemia microcítica e hipocrômica pode estar presente. O baço pode ter tamanho normal ou encontrar-se levemente aumentado.

Trauma

O baço pode estar rompido, com rasgos na cápsula esplênica e sangramento intraperitoneal, o que requer esplenectomia de urgência. Raramente, o trauma pode causar sangramento na cápsula esplênica, com resultante hematoma subcapsular.

Relacionada ao uso de medicamentos

O tratamento com fatores estimuladores de colônias de granulócitos pode causar esplenomegalia.[29] Em casos muito raros, pode ocorrer ruptura esplênica. Quimioterapia em altas doses pode causar síndrome de Budd-Chiari. Tratamento prévio ou atual com contraceptivos orais sugere a possibilidade de trombose da veia porta.

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