Abordagem

Os pacientes que apresentam disfunção neurológica dos membros inferiores precisam de uma anamnese e exame físico detalhados para localizar a lesão e identificar a causa subjacente. A natureza, localização, duração e intensidade dos sintomas devem ser avaliadas e as pistas relacionadas a uma doença sistêmica subjacente devem ser elucidadas.

A função do exame físico é identificar o(s) nervo(s) afetado(s). Podem-se detectar sinais de doença sistêmica. A maioria das neuropatias por compressão pode ser diagnosticada clinicamente. Se for necessária uma investigação mais aprofundada, os estudos eletrodiagnósticos são geralmente a investigação preferencial. Outras investigações podem ser consideradas com base nas características clínicas.

História neurológica

É importante caracterizar os sintomas neurológicos do paciente.[16]

  • Sintomas sensitivos: o paciente deve ser estimulado a descrever os sintomas em detalhes com suas próprias palavras. As descrições mais comuns incluem incômodo, queimação, pontadas, formigamento, dormência, picadas e dores intensas súbitas. É importante estabelecer se há uma perda associada de sensação e se ela está na mesma área que as parestesias.[17] As parestesias dolorosas sugerem um processo inflamatório ou isquêmico, como vasculite. Dores lancinantes são características de encarceramento do nervo.

  • Sintomas motores: sintomas associados de fraqueza motora ou anormalidades da marcha (por exemplo, pé pendente) também devem ser avaliados.

  • Localização: a localização dos sintomas fornece pistas sobre o nervo afetado e o local da compressão. A compressão das raízes nervosas produz sintomas na distribuição do dermátomo e do miótomo afetados. As plexopatias produzem sintomas na distribuição dos vários nervos periféricos do plexo. A compressão ou lesão de nervos isolados distais ao plexo produz sintomas na distribuição do nervo individual.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Mapa do dermátomoAdaptado pela BMJ de uma imagem de Ralf Stephan [Citation ends].com.bmj.content.model.assessment.Caption@2b565d4c[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Inervação cutânea da perna, tornozelo e dorso do péTeachMeAnatomy (https://teachmeanatomy.info/lower-limb/nerves/cutaneous-innervation/); usado com permissão [Citation ends].com.bmj.content.model.assessment.Caption@62d82324

  • Duração e gravidade: o paciente deve ser questionado se os sintomas são constantes ou recorrentes e remitentes e se houve piora em algum sintoma. Uma história de sintomas similares prévios deve ser investigada.

  • Ao descartar causas do sistema nervoso central (SNC), o diagnóstico de esclerose múltipla pode ser definido pela disseminação de lesões em diferentes localizações anatômicas do SNC e em múltiplas apresentações clínicas distintas.[18]

História médica geral

Sintomas constitucionais

  • Perda de peso, sudorese noturna e/ou fadiga podem estar presentes nas infecções, doenças neoplásicas ou em uma variedade de condições inflamatórias. Uma perda de peso significativa pode causar neuropatia compressiva.[19]​ Olhos ou boca secos podem indicar síndrome de Sjögren.

Alterações cutâneas e articulares

  • Úlceras, púrpura, erupção cutânea ou escurecimento da pele pode sugerir doença vascular periférica, infecção, vasculite, produção de proteína monoclonal ou sarcoidose. Artralgias, inchaço ou rigidez nas articulações pode indicar uma condição reumatológica.

Afecções clínicas passadas

  • É importante estabelecer se o paciente tem alguma das condições subjacentes a seguir: diabetes mellitus (nível de controle e complicações da retinopatia e nefropatia diabéticas), distúrbios reumatológicos (lúpus eritematoso sistêmico [LES], síndrome de Sjögren, artrite reumatoide, vasculites), câncer ou doença infecciosa (especialmente o vírus da imunodeficiência humana [HIV]).

  • Se houver uma história de diabetes mellitus ou estados de intolerância à glicose (por exemplo, pré-diabetes), deve-se suspeitar de diabetes amiotrófica.[1]​ Uma história de doença grave prévia ou alterações no peso devem ser investigadas, embora o paciente possa não ter apresentado sintomas adicionais. O paciente pode relatar dor na região pélvica/da coxa que se manifesta de forma intensa e "pungente". A dor pode, às vezes, se resolver em 2 a 3 semanas antes de a fraqueza e a atrofia muscular se instalarem.

  • Determine qualquer história de radioterapia na pelve.

História familiar

  • Uma história familiar positiva de parestesias ou deficiência sensorial pode indicar uma neuropatia hereditária.

  • Uma história familiar de doenças adquiridas, como neuropatias por compressão, doença autoimune, câncer, amiloidose ou diabetes, também pode estar presente.

História social

  • Uma história de tabagismo deve levantar suspeita de síndrome paraneoplásica.

  • A presença de fatores de risco em relação à exposição ou infecção por HIV deve despertar a suspeita de neuropatia por HIV.

Exame

Sistemas sensoriais

  • O exame neurológico deve se basear detalhadamente nas áreas que correspondem aos sintomas do paciente, mas um exame neurológico geral também deve ser realizado para identificar pistas adicionais. A primeira etapa é examinar as modalidades sensoriais nos membros inferiores, com teste adicional nas áreas em que o paciente relata parestesia.

  • A sensibilidade tátil pode ser testada com um chumaço de algodão. A temperatura pode ser testada com o uso de um estímulo frio ou quente. O estímulo doloroso pode ser testado com o uso de uma ferramenta padrão para produção de estímulo de uso único, como um alfinete de segurança ou objeto pontiagudo semelhante. A noção de posição segmentar é testada usando-se as articulações interfalângicas distais do hálux ou do dedo médio. A vibração é testada com o uso de um diapasão de 128 Hz colocado na articulação interfalângica distal do hálux ou dedo médio. O exame físico pode revelar um dos padrões a seguir.

    • Uma perda sensorial na distribuição de um único nervo periférico indica uma mononeuropatia periférica. A palpação de um nervo periférico individual ou testes provocativos específicos, como o sinal de Tinel, podem provocar parestesias, indicando uma síndrome de encarceramento nervoso. As causas da compressão, incluindo neoplasias malignas, devem ser consideradas.

    • A perda sensorial simétrica em uma distribuição em luva e meia geralmente indica uma polineuropatia periférica (comprimento dependente). Essa distribuição é mais comum no diabetes mellitus e em outros distúrbios metabólicos. Ela também pode ser observada nos casos avançados de vasculite.

    • A perda sensorial na distribuição de vários nervos periféricos indica uma mononeuropatia múltipla ou uma plexopatia. Se for dolorosa, a mononeuropatia múltipla deve ser considerada e uma causa de vasculite deve ser investigada. A mononeuropatia múltipla também pode indicar infecção por HIV, citomegalovírus (CMV), vírus do herpes simples (HSV), vírus do herpes-zóster, vírus Epstein-Barr (EBV) ou hanseníase. Consulte Mononeurite múltipla.

    • A perda sensorial em um padrão de dermátomo indica radiculopatia. O nervo espinhal correspondente também é afetado e a distribuição do nervo espinhal também deve ser testada em relação à perda sensorial. Se os sintomas forem dolorosos, uma radiculite por CMV, HSV, herpes-zóster ou EBV pode estar presente. O teste provocativo pode desencadear sintomas, mas o diagnóstico não deve se basear somente nele.[20][21][22] [ Cochrane Clinical Answers logo ]

Sistema motor

  • A presença de atrofia muscular deve ser observada. A fraqueza ou atrofia na mesma distribuição que a perda sensorial indica uma neuropatia motora e sensorial periférica mista (se a distribuição do nervo periférico for afetada) ou o envolvimento de uma raiz espinhal (se um dermátomo e miótomo forem afetados).

  • A perda dos reflexos tendinosos profundos também pode ser observada.

  • A marcha deve ser avaliada para determinar se há pé pendente.

Exame físico de rotina

  • A febre pode indicar infecção.

  • A linfadenopatia pode indicar infecção (por exemplo, por HIV, HSV, doença de Lyme) ou doença inflamatória sistêmica.

  • O diabetes mellitus deve ser considerado se o paciente estiver com sobrepeso ou obeso. A perda de peso pode ser um sinal de neoplasia maligna subjacente.

  • Membranas mucosas orais secas podem indicar a síndrome de Sjögren.

  • Púrpura ou erupção cutânea sugere infecção ou vasculite. Bolhas em um padrão de dermátomo indicam herpes-zóster. Alterações na cor ou espessamento da pele podem indicar gamopatia monoclonal ou sarcoidose.

  • Deformidades articulares características podem estar presentes associadas a condições reumatológicas subjacentes.

  • A fundoscopia pode revelar retinopatia diabética em um paciente diabético.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Herpes-zóster grave em um paciente imunocomprometido envolvendo dermátomos T1 e T2BMJ Case Reports 2009 [doi:10.1136/bcr.07.2008.0533] Copyright © 2009 by the BMJ Publishing Group Ltd. [Citation ends].com.bmj.content.model.assessment.Caption@4316108a[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Artrite reumatoide (deformidades crônicas das mãos)Do acervo do Dr. Soumya Chatterjee [Citation ends].com.bmj.content.model.assessment.Caption@536d89f4

Exames iniciais

Estudos eletrodiagnósticos

  • A eletromiografia (EMG) e os estudos de condução nervosa são frequentemente os primeiros exames diagnósticos solicitados e devem ser direcionados aos nervos e músculos cujo envolvimento for suspeitado com base no exame clínico.[16]

  • A EMG pode caracterizar o tipo de anormalidade do nervo periférico por meio de suas características eletrofisiológicas (por exemplo, uma neuropatia axonal ou desmielinizante). Ela pode identificar síndromes de encarceramento de nervos e/ou lesões mais proximais, como radiculopatias ou plexopatias, e pode ser usada para avaliar a recuperação.

Exames laboratoriais

  • Se a história clínica, o exame físico ou a EMG e os estudos eletrodiagnósticos sugerirem a presença de doença sistêmica ou de envolvimento nervoso mais disseminado (por exemplo, polineuropatia comprimento-dependente), exames laboratoriais iniciais, como hemograma, ureia e creatinina séricas, testes de função hepática, dosagem da glicose sanguínea com ou sem teste de tolerância à glicose, e testes de função tireoidiana, devem ser considerados. Se houver suspeita de condições vasculíticas, malignas, infecciosas ou inflamatórias, a velocidade de hemossedimentação, a proteína C-reativa e os níveis de complemento também devem ser solicitados.

Exames por imagem

  • A ultrassonografia neuromuscular pode confirmar a localização da lesão nervosa e identificar as causas estruturais da neuropatia focal. Podem-se fazer medições transversais ao longo do nervo, demonstrando um aumento na área transversal próxima (ou imediatamente proximal) ao local da compressão. À medida que a lesão aumenta em gravidade (isto é, perda axonal), o nervo pode demonstrar perda da arquitetura fascicular normal (axonotmese) e até mesmo perda da continuidade (neurotmese). Nas lesões com perda axonal grave, os músculos distais à lesão podem ser mais hiperecogênicos (de cor clara), indicando fibrose muscular. As causas estruturais da neuropatia focal que podem ser identificadas na ultrassonografia incluem um gânglio intraneural na articulação tibiofibular causando uma neuropatia fibular comum.[1][5][6]

  • Se houver suspeita de neoplasia maligna, uma radiografia torácica (especialmente em fumantes) pode ser solicitada como parte de uma investigação para neoplasia maligna, juntamente com exames de imagem adicionais (isto é, TC do tórax, abdome e pelve) de acordo com o sítio e o tipo da neoplasia maligna suspeitada.

  • Se houver suspeita de luxação articular, trauma ou complicações de cirurgia, radiografias simples da região afetada devem ser solicitadas para descartar emergências ortopédicas.

Exames adicionais

Exames laboratoriais e de patologia

  • Solicitam-se estudos adicionais a depender do diagnóstico diferencial após consideração da história, do exame físico e dos testes eletrodiagnósticos, e podem incluir testes sorológicos (por exemplo, HIV, HSV, EBV), punção lombar para análise do líquido cefalorraquidiano (LCR) ou biópsia (por exemplo, linfoma).

Exames por imagem

  • Os exames de imagem neurológicos (ressonância nuclear magnética [RNM] ou TC) devem ser considerados em qualquer paciente que não responda conforme o esperado ao tratamento conservador, que esteja exibindo dor e disfunção desproporcionais ao mecanismo esperado da lesão ou que tenha sinais ou sintomas de doença sistêmica.

  • A TC é útil para a detecção de hemorragias retroperitoneais e avaliação das estruturas ósseas.

  • A RNM pode ser a modalidade preferida para a aquisição de imagens de tecidos moles, locais de compressão, raízes nervosas, plexo ou nervos individuais nomeados.[23]

Técnicas intervencionistas

  • O encaminhamento para um intervencionista da coluna ou um médico especialista em controle da dor pode ser útil nos pacientes com suspeita de radiculopatia com estudos eletrodiagnósticos e exames de imagem negativos ou ambíguos. As diretrizes da American Society of Interventional Pain Physicians descrevem como "limitadas" as evidências para a acurácia diagnóstica dos bloqueios seletivos de nervos na coluna lombar; e como "razoáveis" as evidências para a discografia lombar provocativa.[24]

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