Etiologia

Existem várias possíveis causas subjacentes dos sintomas do trato gastrointestinal superior, incluindo doença do refluxo gastroesofágico (DRGE), úlcera péptica, infecção por Helicobacter pylori, uma variedade de medicamentos e, raramente, malignidade do trato gastrointestinal superior. Na prática, no entanto, a etiologia real frequentemente não é confirmada e o paciente é avaliado e manejado como tendo dispepsia não investigada.

Dispepsia não investigada

Em pacientes com dispepsia não investigada, dispepsia funcional (hipersensibilidade intestinal, distúrbios de motilidade, infecção por H pylori, doença do refluxo não erosiva apenas com sintomas epigástricos, irritabilidade pós-infecciosa e fatores psicossociais) e esofagite de refluxo tipicamente serão as causas mais comuns. As causas secundárias mais comuns são gastrite e duodenite (com ou sem úlceras), em decorrência de aspirina, anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) ou infecção por H pylori. Por fim, há casos em que a inflamação ou as úlceras são encontradas no estômago ou no duodeno, mas sem qualquer causa identificável. A malignidade do trato gastrointestinal superior é uma causa de dispepsia incomum, mas muito importante .

Dispepsia funcional

Dispepsia funcional refere-se a sintomas de dispepsia que foram investigados, mas os exames não revelaram uma causa potencial para a dispepsia.[7] A endoscopia é necessária para estabelecer um diagnóstico firme de dispepsia funcional, mas na atenção primária os pacientes sem sintomas de alarme ou fatores de risco podem ser tratados sem endoscopia.[14]​ A orientação da British Society for Gastroenterology recomenda que os pacientes sejam encaminhados a um especialista para avaliação adicional quando houver dúvida diagnóstica; quando os sintomas forem graves ou refratários aos tratamentos de primeira linha; ou quando o paciente solicitar a opinião de um especialista.[7]

​ A dispepsia funcional pode ser decorrente de hipersensibilidade intestinal, distúrbios de motilidade, infecção por H pylori, doença do refluxo não erosiva apenas com sintomas epigástricos, irritabilidade pós-infecciosa e fatores psicossociais.[4][6][15]​​​ Essas alterações podem ser causadas pelo estado pós-infeccioso, ser idiopáticas ou ter sua origem em complexas interações cérebro-intestino. Fatores psicossociais (incluindo história de violência e abuso) foram implicados na geração dos sintomas; terapias psicológicas, como a terapia cognitivo-comportamental e psicoterapia, podem reduzir os sintomas dispépticos em curto prazo em pessoas individuais.[4][6]

DRGE típica

Os sintomas típicos de DRGE (pirose e regurgitação ácida) nem sempre estão presentes nos pacientes que sofrem de DRGE.[5]​ Em alguns casos, os pacientes com DRGE terão somente dor epigástrica ou queimação e não será possível identificá-los como portadores de DRGE com base em seus sintomas. Entre aqueles submetidos a endoscopias por sintomas típicos de DRGE, a mucosa normal é o achado mais comum.[5]​ O diagnóstico de DRGE é baseado na combinação de apresentação dos sintomas, da avaliação endoscópica da mucosa esofágica, no monitoramento do refluxo e na resposta à intervenção terapêutica.[5]

Malignidade gastrointestinal superior

Uma neoplasia maligna do trato gastrointestinal superior pode causar sintomas gastrointestinais superiores indistinguíveis de outras causas de dispepsia; no entanto, os mecanismos de produção dos sintomas permanecem obscuros.

As orientações do American College of Gastroenterology / Canadian Association of Gastroenterology (ACG/CAG) sobre o manejo da dispepsia sugerem a endoscopia para descartar neoplasia maligna como a causa subjacente de um novo episódio de dispepsia em idosos (≥60 anos de idade).[3]

No Reino Unido, o National Institute for Health and Care Excellence (NICE) recomenda a endoscopia do trato gastrointestinal superior urgente para os indivíduos com 55 anos ou mais com perda de peso e dispepsia.[16]​​ A endoscopia do trato gastrointestinal superior não urgente deve ser considerada para os indivíduos com 55 anos ou mais com:[16]

  • dispepsia resistente a tratamento, ou

  • dispepsia com contagem plaquetária elevada ou náuseas ou vômitos.

Em algumas populações e regiões, como, por exemplo, a Ásia e algumas partes da Europa Oriental, as malignidades gastrointestinais superiores são uma consideração importante em pessoas mais jovens; portanto, o limiar para a investigação deve ser adaptado aos protocolos locais.[3][4]

Medicamentos

As medicações (particularmente os AINEs, inibidores de ciclo-oxigenase [COX]-2 e aspirina) podem ser irritantes para o trato gastrointestinal, particularmente em sua porção superior onde a exposição às secreções gástricas ácidas podem contribuir para os problemas. A COX-1 tem um efeito protetor de manutenção da mucosa gastrointestinal e, quando bloqueada por aspirina ou AINEs, a mucosa pode tornar-se irritada, causando sintomas, erosões ou úlceras. Os sintomas podem ocorrer sem úlceras e as úlceras podem ocorrer sem sintomas. Os inibidores seletivos de COX-2 têm cerca de metade da probabilidade dos AINEs não seletivos de causar ulceração, e eles também podem causar sintomas da dispepsia.[17]

Outros medicamentos também podem causar dispepsia, frequentemente através da irritação da mucosa e/ou distúrbios de motilidade. Os culpados potenciais importantes incluem os bifosfonatos, nitratos, teofilinas, antibióticos macrolídeos e bloqueadores dos canais de cálcio.

Os exemplos de outros medicamentos que foram relatados como causadores de sintomas dispépticos incluem orlistate (um medicamento anti-obesidade), medicamentos para disfunção erétil (por exemplo, sildenafila, tadalafila), compostos de ferro (por exemplo, sulfato ferroso), antidepressivos (por exemplo, inibidores seletivos de recaptação de serotonina, risperidona), antibióticos (por exemplo, eritromicina, tetraciclina), bloqueadores dos canais de cálcio e betabloqueadores.[18]

O consumo excessivo de álcool pode causar gastrite, resultando em sintomas dispépticos, como dor abdominal e náusea.

Gastroparesia

Quase metade dos pacientes com diabetes (do tipo 1 e do tipo 2) sofre de esvaziamento gástrico tardio, conhecido como gastroparesia diabética, que leva à retenção do conteúdo estomacal.[19] Isso pode causar dor ou desconforto na parte superior do abdome, distensão abdominal, saciedade precoce, náuseas, vômitos ou preenchimento pós-prandial (dispepsia diabética).

A gastroparesia pós-viral também pode ocorrer em pessoas jovens sem história de diabetes.

Distúrbios hepatobiliares

A doença hepatobiliar pode causar distensão abdominal, eructação e dor na parte superior do abdome e desconforto indistinguíveis da dispepsia. Quando há comprometimento hepatobiliar, existe classicamente um atraso pós-prandial de 20 a 120 minutos no início, e os sintomas são mais susceptíveis de serem localizados no hemitórax direito ou no abdome superior direito, especialmente no dorso próximo da escápula. A história compatível com dor à palpação no quadrante superior direito ou sinal de Murphy positivo e investigações de suporte aumentam a probabilidade de distúrbios hepatobiliares.

Distúrbios pancreáticos

Na pancreatite, os pacientes apresentam um início agudo ou subagudo (horas, dias ou semanas), vômitos persistentes e dor intensa no abdome superior (particularmente com a irradiação diretamente para as costas). Pacientes com tumores pancreáticos malignos tendem a ser mais velhos (>50 anos de idade) e, frequentemente, têm sintomas iniciais com agravamento progressivo. Esses sintomas podem incluir anorexia, perda de peso e vômitos persistentes. O exame físico de pacientes com tumores pancreáticos pode revelar uma massa no epigástrio ou icterícia decorrente da obstrução do trato biliar. Pacientes com pancreatite crônica podem apresentar dor epigástrica crônica ou recorrente.

Distúrbios cardíacos

Distúrbios em órgãos e sistemas vizinhos (coração, pâncreas, fígado ou vesícula biliar) são causas potenciais dos sintomas que mascaram os distúrbios do trato gastrointestinal superior. É particularmente importante excluir inicialmente uma síndrome coronariana aguda como a causa do sintoma por causa de consequências potencialmente catastróficas evidentes desse erro de diagnóstico.

Pacientes com um problema cardíaco agudo podem se apresentar à clínica com sintomas que pareçam se originar do trato gastrointestinal superior. Eles podem descrever pirose, dor de estômago ou dispepsia. Eles também podem ter uma sensação de distensão abdominal, eructação ou outros sintomas de dispepsia. Muito cuidado é necessário ao documentar a história, junto com um alto índice de suspeita para excluir uma origem cardíaca para os sintomas. Os distúrbios cardíacos apresentam-se com uma duração mais curta dos sintomas (horas, dias ou semanas), relação temporal dos sintomas com o esforço físico e características associadas, como dispneia, fraqueza, diaforese ou sinais vitais cardiovasculares alterados. Uma qualidade de queimação da dor não exclui causas cardíacas.[20][21]

Outras doenças

A hipercalcemia pode causar dores abdominais vagas, que por sua vez podem simular a dispepsia. A doença celíaca e a intolerância à lactose também podem causar sintomas da dispepsia (por exemplo, distensão abdominal e inchaço).[22]​ O exame físico geralmente é normal em ambas as condições.

A dor que emana da parede abdominal pode ser confundida com dispepsia.

O uso deste conteúdo está sujeito ao nosso aviso legal