Abordagem
A causa de hipocalemia geralmente é aparente ao avaliar a história do paciente. Medições da pressão arterial (PA) e da excreção urinária de potássio e a avaliação do equilíbrio ácido-básico geralmente são úteis quando a causa não é aparente.[11]
[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Algoritmo para determinar a causa da hipocalemiaCortesia do Dr. Udaya Kabadi [Citation ends].
Características clínicas
A hipocalemia não grave frequentemente é assintomática. As manifestações agudas comuns são a fraqueza muscular e alterações no eletrocardiograma (ECG). A hipocalemia mais prolongada e profunda pode causar rabdomiólise, anormalidades renais e arritmias cardíacas. Há alguns relatos de casos com manifestações assimétricas ou fraqueza focal.[49]
As causas que podem ser identificadas a partir da história e do exame incluem:
Medicamentos causadores conhecidos, incluindo diuréticos, corticosteroides, agonistas beta-2 (como albuterol ou terbutalina para prevenir o parto prematuro ou para tratar asma), anfotericina B, toxicidade da cloroquina ou teofilina, vitamina B12 ou ácido fólico administrados na anemia megaloblástica e o fator estimulador de colônias de granulócitos e macrófagos (GM-CSF) administrado na neutropenia.[50] Outros tratamentos que podem produzir hipocalemia incluem diálise e plasmaférese.[41]
Uso de laxantes (especialmente com uso crônico ou uso indevido) ou uso indevido de agentes de limpeza intestinal. Isso deve ser suspeitado se houver uma história de transtorno alimentar. As características associadas incluem evacuações diarreicas, cólicas abdominais e tontura.
Uma história de ingestão crônica de álcool deve levantar suspeita de alcoolismo.
Deve-se verificar se há uma história de ingestão de alcaçuz.
Uma história de vômitos, diarreia, sucção nasogástrica ou transtorno alimentar indica perdas gastrointestinais. Os pacientes com alça/conduto ileal com implantes ureterais também podem apresentar perdas gastrointestinais. Raramente, uma história de pólipos de cólon, hematoquezia, diarreia, constipação e flatulência podem estar presentes, levantando suspeita de um adenoma viloso. Uma síndrome clínica de dor abdominal, rubor, letargia, náuseas, vômitos, fraqueza e cãibras musculares, associada à perda de peso e massa abdominal, deve levantar suspeita de uma síndrome de Verner-Morrison (VIPoma).
Em pacientes assintomáticos, a acidose tubular renal (ATR) deve ser considerada. A hipocalemia é observada na ATR distal clássica e na ATR distal proximal. A presença de retardo de crescimento em crianças também deve levantar suspeitas de ATR.
A depleção de volume, indicada por membranas mucosas secas e turgor cutâneo diminuído, tem maior probabilidade de ser decorrente de diarreia grave ou de complicações diabéticas.
A respiração de Kussmaul sugere acidose metabólica grave com compensação respiratória.
Uma história de diabetes deve levantar suspeita de cetoacidose diabética ou estado hiperosmolar hiperglicêmico (EHH). Esses pacientes podem estar hipercalêmicos inicialmente, e a hipocalemia pode aparecer após o início do tratamento com insulina. Uma história de poliúria, fadiga, perda de peso e noctúria, seguida por rápida deterioração no estado clínico (com náuseas, dor abdominal e vômitos) sugere cetoacidose diabética. Pode haver uma história de doença concomitante ou não adesão à insulinoterapia. O início do EHH é mais insidioso. Os pacientes geralmente têm idade avançada e diabetes do tipo 2. A obnubilação mental e o coma são mais frequentes.[51] Também são observados sinais neurológicos focais (hemianopsia e hemiparesia) e convulsões.
A presença de poliúria isolada pode indicar doenças como diabetes insípido central ou nefrogênico.
Se o paciente estiver visivelmente indisposto por causa de qualquer doença crítica, a hipocalemia pode ser o resultado de uma resposta ao estresse.
A hipotermia pode produzir hipocalemia.[13] A hipocalemia é reversível quando há reaquecimento.
Uma história de tratamento prolongado com glicocorticoides e/ou manifestações da síndrome de Cushing sugerem excesso de glicocorticoides.
A presença de edema ou hipertensão pode indicar excesso de mineralocorticoides circulantes com perda de potássio renal.
A hipocalemia durante o período neonatal ou na infância e adolescência pode sugerir a presença de doenças congênitas.
Episódios de fraqueza muscular ou paralisia desencadeados por exercícios, estresse ou uma refeição excessivamente carregada de carboidratos sugere paralisia periódica hipocalêmica. Os episódios podem ser desencadeados por liberação elevada de adrenalina, cortisol, aldosterona ou insulina, e devem ser suspeitados em pacientes com uma conhecida história de endocrinopatia que causa hipersecreção desses hormônios.[8]
O comprometimento de uma grande área da pele por queimaduras, psoríase ou eczema algumas vezes pode ser a causa da hipocalemia.
Os pacientes com a síndrome de Sjögren ou lúpus eritematoso sistêmico conhecidos podem apresentar uma doença renal (distúrbios tubulares) com perda de potássio.[52][53][54]
As infecções pulmonares persistentes, apetite insaciável, grandes quantidades de fezes ou fezes volumosas e gordurosas sugerem fibrose cística.
Uma história de psicose, o uso de medicamentos antipsicóticos e poliúria devem levantar suspeitas de polidipsia primária. Em geral, tem origem psicogênica.
Concentrações de potássio sérico
Não há nenhuma correlação rigorosa entre a concentração de potássio sérico e as reservas de potássio corporal total. Na hipocalemia crônica, um deficit de potássio de 200 a 400 mmol (200 a 400 mEq) é necessário para reduzir a concentração de potássio sérico em 1 mmol/L (1 mEq/L).[55] Essas estimativas são boas, contanto que não haja nenhuma anormalidade de base ácida concomitante (por exemplo, cetoacidose diabética ou estado hiperosmolar hiperglicêmico grave).
Em pacientes com cetoacidose diabética, pode haver uma concentração normal ou até mesmo elevada de potássio sérico na apresentação clínica, apesar de haver um deficit acentuado de potássio decorrente de perdas urinárias e gastrointestinais.[7]
A hipocalemia espúria pode ocorrer quando o sangue com leucocitose é deixado em temperatura ambiente devido à captação de potássio pelos leucócitos.[56] Portanto, é importante considerar repetir o teste para confirmação.
Investigações
Exames iniciais
Perfil metabólico básico (inclui as concentrações no soro de sódio, potássio, glicose, cloreto, bicarbonato, ureia e creatinina).
Eletrocardiograma (ECG).
Eletrólitos na urina (potássio e cloreto): úteis para diferenciar as causas renais das não renais de hipocalemia quando a etiologia não é prontamente visível.
Creatinina urinária: sempre deve ser medida com eletrólitos na urina. A medição da creatinina urinária (além de potássio sérico e creatinina sérica) possibilita o cálculo da excreção fracionada de potássio (FEK; de preferência, amostra de urina de 24 horas) e razão potássio/creatinina para avaliação de hipocalemia.
Testes subsequentes (realizados dependendo dos achados clínicos)
Gasometria arterial (GA); realizada para detectar acidose metabólica ou alcalose quando a causa subjacente não é aparente com base na história.
Urinálise posterior e medição do pH urinário para avaliar a presença de acidose tubular renal.
Níveis de magnésio sérico, cálcio e/ou fósforo para descartar anormalidades eletrolíticas.
Excreção urinária de cálcio para descartar a síndrome de Bartter. As características clínicas desta síndrome incluem poliúria e polidipsia, associadas a deficiência intelectual e de crescimento, podendo apresentar níveis normais de tensão arterial ou hipotensão.[28] Alguns pacientes também podem apresentar surdez neurossensorial.[28]
Nível de digoxina sérica se o paciente estiver tomando digitálicos.
Níveis plasmáticos de aldosterona e renina em pacientes que apresentam hipocalemia inexplicada, especialmente se for persistente ou resistente à terapia, ou se houver suspeita de doenças específicas de perda renal de potássio como as síndromes de Bartter, de Gitelman ou de Liddle.
Teste de supressão de aldosterona se houver suspeita de adenoma adrenal produtor de aldosterona (ou seja, hiperaldosteronismo primário).
Nível de cortisol urinário livre, teste de supressão com dexametasona em dose baixa, níveis de cortisol salivar noturno e teste do hormônio liberador de corticotropina-dexametasona se houver características clínicas da síndrome de Cushing.[57]
Tomografia computadorizada (TC) das glândulas adrenais se houver suspeita de excesso de mineralocorticoide, de glicocorticoide ou de catecolaminas, ou ressonância nuclear magnética (RNM) da glândula hipófise para descartar a doença de Cushing.
Uma TC abdominal deverá ser realizada se as características clínicas de síndrome de Verner-Morrison (VIPoma) estiverem presentes; se a TC for inconclusiva, talvez seja necessário realizar uma cintilografia radiomarcada com pentetreótida ou ultrassonografia endoscópica para confirmar o diagnóstico.
Osmolalidade e gap osmolar das fezes se houver suspeita de síndrome de Verner-Morrison (VIPoma).
Os níveis de hormônio estimulante da tireoide são necessários se houver suspeita clínica de paralisia periódica hipocalêmica.
O teste de restrição de água é necessário se houver suspeita de diabetes insípido central ou polidipsia primária.
Teste de cloreto no suor se houver suspeita de fibrose cística.
eletrocardiograma (ECG)
É recomendado um eletrocardiograma (ECG) para todos os pacientes com hipocalemia.
Tipicamente, há infradesnivelamento do segmento ST, redução na amplitude da onda T e aumento na amplitude das ondas U (geralmente observadas nas derivações pré-cordiais laterais V4 a V6).[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Eletrocardiograma (ECG) com 12 derivações demonstrando ondas U proeminentes em um paciente com hipocalemiaDe: Lin HW, Chau T, Lin CS, Lin SH, Recurring paralysis, BMJ Case Reports 2009; doi:10.1136/bcr.07.2008.0577 [Citation ends]. Uma variedade de arritmias pode estar associada à hipocalemia, incluindo bradicardia sinusal, batimentos atriais e ventriculares prematuros, taquicardia atrial ou juncional paroxística, bloqueio atrioventricular e taquicardia ou fibrilação ventricular.[11]
Hipocalemia com acidose metabólica
A análise da gasometria arterial revelando acidose metabólica, em conjunção com uma baixa taxa de excreção de potássio, sugere perdas gastrointestinais mais baixas de potássio decorrentes do uso de laxantes (especialmente com uso crônico ou uso indevido), de adenoma viloso ou de endocrinopatias gastrointestinais como tumor secretor de peptídeo vasoativo intestinal (VIPoma).[58]
A acidose metabólica com perda de potássio (potássio urinário >20mmol/L ou >20mEq/L) é, na maioria das vezes, decorrente de cetoacidose diabética ou de acidose tubular renal do tipo 1 (distal) ou do tipo 2 (proximal). Uma nefropatia perdedora de sal também pode produzir achados similares.
Hipocalemia com alcalose metabólica
Pode ocorrer devido a vômitos furtivos ou ao uso de diuréticos. Alguns pacientes que fazem uso de laxantes (especialmente uso crônico ou uso indevido) manifestam alcalose metabólica, em vez da acidose metabólica esperada.[59][60] A alcalose é decorrente de hipocalemia que prejudica a reabsorção intestinal de cloreto, levando à secreção reduzida de bicarbonato no lúmen intestinal por meio da troca de cloreto e bicarbonato.[60]
Alcalose metabólica com perda de potássio e pressão arterial normal
Na maioria das vezes, devido a vômitos furtivos, uso de diuréticos ou síndrome de Bartter. Nesse cenário, a medição da concentração de cloreto urinário (em vez de potássio urinário) geralmente é útil. O cloreto urinário fica baixo (<15 mmol/L ou <15 mEq/L) no caso de vômitos devido à necessidade de manter a eletroneutralidade, já que o excesso de bicarbonato está sendo excretado. O baixo nível de cloreto urinário decorrente de bicarbonatúria pode ser diferenciado de outras causas por meio da medição do pH urinário; o pH urinário deve ser maior que 7.0 se houver bicarbonatúria significativa. A excreção urinária de sódio e potássio pode ser relativamente alta.
Alcalose metabólica com perda de potássio e hipertensão
Sugestiva de terapia diurética furtiva ou inadequada em um paciente com hipertensão subjacente ou doença renovascular, ou pode ser decorrente de uma causa que resulta em excesso de mineralocorticoides. A presença de excesso de mineralocorticoide primário deve ser suspeitada em qualquer paciente com a tríade de hipertensão, hipocalemia não explicada e alcalose metabólica.
O aldosteronismo primário é a causa secundária mais comum de hipertensão, mas o diagnóstico é perdido na grande maioria dos pacientes. As diretrizes de prática clínica recomendam o rastreamento para aldosteronismo primário em pacientes com hipertensão sustentada (≥150/100 mmHg) antes do início da terapia anti-hipertensiva e em pacientes com hipertensão resistente, hipocalemia espontânea ou induzida por diuréticos, incidentaloma adrenal, apneia obstrutiva do sono, uma história familiar de início precoce de hipertensão ou AVC <40 anos e parentes de primeiro grau de pacientes com aldosteronismo primário.[61][62]
Paralisia periódica hipocalêmica
Suspeita com história familiar da doença, quando o início se dá após a ingestão de uma refeição com alto teor de carboidratos, com ingestão de grande quantidade de açúcar comum, durante ou imediatamente após um exercício físico extenuante, no início da manhã, ou na presença de manifestações de hipertireoidismo.
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