Etiologia

A causa exata do transtorno bipolar é desconhecida; em comum com muitos transtornos psiquiátricos, considera-se que ele seja causado pela interação complexa de vários fatores genéticos, celulares e ambientais.[37]​ O risco parece ser influenciado por vários genes.[38] O histórico familiar é o fator de risco individual mais forte para o desenvolvimento do transtorno bipolar, sendo que parentes de primeiro grau têm um risco aproximadamente oito vezes maior de desenvolverem transtorno bipolar em comparação com o risco basal da população (8% x 1%).[39]​ Estudos com gêmeos e filhos adotivos sugerem que a maior parte desse risco é genética; as estimativas de hereditariedade são de aproximadamente 60% a 80%.[40][41]​​​ Considera-se provável que estressores ou gatilhos ambientais contribuam para a expressão fenotípica do transtorno de humor subjacente.[42]​ Maus-tratos ou abuso na infância aumentam o risco de transtorno bipolar e estão associados a um desenvolvimento precoce do distúrbio, bem como a uma evolução mais grave da doença.[43][44][45][46]

Estudos de associação genômica ampla (GWAS) em larga escala sugerem que o risco genético do transtorno bipolar se distribui entre muitas variantes comuns de baixo tamanho efeito.[47][48]​​​ Os sinais mais fortes da associação foram detectados em CACNA1C, de acordo com um GWAS, e em outros genes que codificam componentes sinápticos, bem como componentes imunológicos e do metabolismo energético.[49] No entanto, o achado de CACNA1C SNP também se sobrepõe a outras doenças psiquiátricas, inclusive esquizofrenia, o que sugere semelhanças nas vias biológicas em ambas as afecções. Uma metanálise de GWAS constatou envolvimento das vias biológicas que incluem a regulação hormonal, os canais de cálcio, os sistemas de segundo mensageiro e a sinalização pelo glutamato.[50] Marcadores inflamatórios elevados, como a proteína C-reativa, sugerem que uma inflamação sistêmica também pode estar envolvida no processo da doença.[51][52]

Fisiopatologia

Estudos que utilizam ressonância nuclear magnética (RNM), espectroscopia por ressonância magnética (ERM), tomografia por emissão de pósitrons e exames funcionais por imagem (fRNM e fERM) continuam ajudando a entender melhor a fisiopatologia do transtorno bipolar. Os achados estruturais à RNM incluem um aumento dos focos de hiperintensidades da substância branca profunda, aumento da área da seção transversal do corpo caloso e redução do hipocampo e dos núcleos da base nas pessoas com transtorno bipolar, em comparação com as pessoas com transtorno depressivo maior, bem como aumento do volume do ventrículo lateral e das taxas de hiperintensidades da substância cinzenta subcortical, em comparação com controles saudáveis.[53][54]​​ Embora várias regiões cerebrais tenham sido consideradas anormais no transtorno bipolar, o córtex pré-frontal é de particular interesse, tendo diversos estudos detectado uma patologia estrutural no córtex pré-frontal em pessoas com transtornos bipolares.[55] As anormalidades incluem também uma redução da espessura da substância cinzenta cortical nas regiões frontal, temporal e parietal de ambos os hemisférios do cerebrais.[56][57]

Estudos funcionais por RNM do processamento emocional no transtorno bipolar identificaram alterações na capacidade dos pacientes de identificar, gerar e vivenciar informações emocionalmente relevantes em termos neurofisiológicos.[58] Os padrões irregulares de processamento cortical pré-frontal e a conectividade com as respostas subcorticais, nas pessoas bipolares em comparação com indivíduos saudáveis, podem explicar as dificuldades com a regulação da expressão emocional (como afeto inapropriado ou lábil) e comportamental (como impulsividade ou comportamentos sexuais inapropriados) observados clinicamente nas pessoas com transtorno bipolar.[58] Estudos por espectroscopia por RM, os quais podem identificar informações neuroquímicas em regiões específicas do cérebro, demonstram alterações no N-acetil-aspartato, colina, mioinositol, glutamato e outros substratos críticos envolvidos na regulação do humor nas pessoas com transtorno bipolar, em comparação com controles saudáveis.[59]

A inflamação também foi associada a vários comportamentos, incluindo apetite, sono, nível de atividade física, abuso de álcool e tabagismo, e comorbidades clínicas, como diabetes do tipo 2, dislipidemia, obesidade, osteoporose e dor, que têm sido associados ao transtorno bipolar.[60][61] No entanto, há evidências inconsistentes que ligam ao transtorno bipolar uma variedade de fatores de risco neuroinflamatórios, inclusive polimorfismos genéticos e expressão gênica compartilhados, aumento de citocinas pró-inflamatórias e redução de citocinas anti-inflamatórias.[62][63]​ Distúrbios na sinalização e na função da insulina têm também sido implicados no desenvolvimento do transtorno bipolar, embora não se saiba ao certo se a correlação estabelecida entre a síndrome metabólica e o transtorno bipolar é causal ou se é resultado de fatores de confundimento, como exposição a drogas psicotrópicas e fatores do estilo de vida.[64]

Estudos com evidências de baixo nível sugerem que o transtorno bipolar está associado com a hiperatividade do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA), incluindo níveis mais altos de cortisol basal e de hormônio adrenocorticotrófico (ACTH).[65] As diferenças entre casos e controles nos níveis de cortisol estão positivamente associadas com a mania e uma idade mais avançada, e negativamente associadas com o uso de antipsicóticos.[65]

Classificação

Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, quinta edição, texto revisado (DSM-5-TR) para transtorno bipolar[1]

  • Transtorno bipolar, tipo I

    • Pelo menos 1 episódio maníaco*

    *Observe que o DSM-IV exigia a presença de, pelo menos, um episódio maníaco ou misto para o diagnóstico de transtorno bipolar do tipo I. O DSM-5 alterou os requisitos diagnósticos para pelo menos um episódio maníaco, mantendo as características mistas como um especificador que pode ser aplicado tanto a episódios maníacos quanto depressivos.

  • Transtorno bipolar, tipo II

    • Nunca ter tido um episódio maníaco franco; ao menos 1 episódio hipomaníaco e ao menos 1 episódio depressivo maior

  • Transtorno bipolar induzido por substância/medicamento e transtorno relacionado

    • Distúrbio de humor persistente e proeminente caracterizado por humor elevado, expansivo e irritável e atividade ou energia anormalmente elevadas que se desenvolve durante intoxicação por ou suspensão de substância, e a substância/medicamento é capaz de produzir perturbação do humor

  • Transtorno bipolar e transtornos relacionados decorrentes de outra condição clínica

    • Distúrbio de humor persistente e proeminente caracterizado por humor elevado, expansivo e irritável e atividade ou energia anormalmente elevadas que se desenvolve como consequência fisiopatológica direta de outra afecção clínica (por exemplo, hipertireoidismo, síndrome de Cushing)

  • Transtorno ciclotímico

    • Distúrbio do humor persistente (pelo menos 2 anos para os adultos) caracterizado por numerosos períodos de sintomas hipomaníacos e numerosos períodos de sintomas depressivos; os períodos sintomáticos têm penetrância, intensidade ou duração insuficiente para preencher todos os critérios de um episódio hipomaníaco, maníaco ou depressivo maior.

  • Outro transtorno bipolar específico ou transtorno relacionado e transtorno bipolar não específico ou transtorno relacionado

    • Incapacidade clinicamente significativa nos âmbitos social e ocupacional ou em outras áreas importantes da funcionalidade causada por sintomas característicos do transtorno bipolar e transtornos associados, embora os sintomas não sejam suficientemente graves para preencher todos os critérios de qualquer um dos transtornos supracitados. O outro tipo especificado é diagnosticado quando sintomas significativos são claramente identificáveis, mas não se alinham completamente com os critérios diagnósticos padrão para transtorno bipolar I, bipolar II ou ciclotímico. Esta categoria se aplica quando o médico opta por comunicar o motivo específico pelo qual os critérios de qualquer transtorno bipolar específico e transtornos associados não são atendidos ou quando não há informações suficientes para se estabelecer um diagnóstico mais específico.

Classificação Internacional de Doenças, 11a edição (CID-11): transtorno afetivo bipolar[2]

O transtorno bipolar e os transtornos relacionados são transtornos do humor episódicos definidos como a ocorrência de episódios ou sintomas maníacos, mistos ou hipomaníacos. Normalmente esses episódios se alternam, ao longo do ciclo desses transtornos, com episódios depressivos ou períodos de sintomas depressivos.

Transtorno bipolar do tipo I

  • História de pelo menos um episódio maníaco ou misto. Embora um único episódio maníaco ou misto seja suficiente para o diagnóstico de transtorno bipolar do tipo I, o ciclo típico desse transtorno se caracteriza por episódios depressivos e maníacos ou mistos recorrentes. Embora alguns episódios possam ser hipomaníacos, deve haver uma história de pelo menos um episódio maníaco ou misto.

Transtorno bipolar do tipo II

  • História de pelo menos um episódio hipomaníaco e pelo menos um episódio depressivo. O ciclo típico do transtorno caracteriza-se por episódios depressivos e hipomaníacos recorrentes.

  • Não há história de episódios maníacos ou mistos.

Transtorno ciclotímico

  • Instabilidade de humor por um período prolongado (2 anos ou mais), caracterizado por vários períodos hipomaníacos e depressivos.

  • Os períodos hipomaníacos podem ou não ter sido suficientemente graves ou prolongados para atender aos requisitos diagnósticos para episódio hipomaníaco.

  • Os sintomas de humor estão presentes em mais dias do que não. Embora breves intervalos assintomáticos sejam consistentes com o diagnóstico, nunca houve nenhum período assintomático prolongado (por exemplo, por 2 meses ou mais) desde o início do transtorno.

  • Não há história de episódios maníacos ou mistos.

  • Durante os primeiros 2 anos de transtorno, nunca houve um período de 2 semanas durante o qual o número e a duração dos sintomas foram suficientes para atender aos requisitos diagnósticos para um episódio depressivo.

  • Os sintomas não são uma manifestação de outra doença (por exemplo, hipertireoidismo) e não são decorrentes dos efeitos de uma substância ou medicamento sobre o sistema nervoso central (por exemplo, estimulantes), incluindo efeitos de abstinência.

  • Os sintomas resultam em sofrimento significativo ao apresentar instabilidade de humor persistente ou comprometimento considerável das áreas pessoal, familiar, social, educacional, ocupacional ou outras áreas importantes da funcionalidade. Se a funcionalidade for mantida, isso só se dá por meio de esforços adicionais significativos.

Outros transtornos bipolares específicos ou transtornos relacionados

  • A apresentação caracteriza-se por sintomas maníacos ou hipomaníacos (com ou sem sintomas depressivos) que têm características clínicas primárias em comum com outros transtornos bipolares ou transtornos relacionados (por exemplo, elevação persistente do humor).

  • Os sintomas não atendem aos requisitos diagnósticos de qualquer outro transtorno do grupo do transtorno bipolar ou transtornos relacionados.

  • Os sintomas não são justificados por outro transtorno mental, comportamental ou do neurodesenvolvimento (por exemplo, transtorno esquizoafetivo; um transtorno por comportamentos aditivos; um transtorno de personalidade).

  • Os sintomas e comportamentos não são a manifestação de outra afecção clínica e não são resultado dos efeitos de uma substância ou medicamento (por exemplo, bebidas alcoólicas, cocaína) no sistema nervoso central, incluindo os efeitos da abstinência.

  • Os sintomas resultam em sofrimento significativo ou comprometimento considerável das áreas pessoal, familiar, social, educacional, ocupacional ou outras áreas importantes de funcionamento. Se as funções forem mantidas, isso só se dá por meio de esforços adicionais significativos.

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