Etiologia
O padrão de Wolff-Parkinson-White (WPW) no eletrocardiograma (ECG) é originado de um defeito do desenvolvimento cardíaco no isolamento elétrico atrioventricular (AV) no sulco AV devido à presença de uma via acessória (VA). Essas VAs são, em geral, filamentos únicos de tecido epicárdico que viajam pelo sulco AV para ligar o átrio ao miocárdio ventricular adjacente. Com menor frequência, elas são filamentos múltiplos semelhantes a fios de cabelo ou uma ampla faixa de tecidos. Raramente, essas faixas musculares estendem-se sobre divertículos do seio coronário ou podem ligar o apêndice atrial direito ao ventrículo direito anterior. A distribuição anatômica de VA é: 40% a 60% na região lateral esquerda; 20% na região posterosseptal direita ou esquerda; 13% a 21% na parede livre direita; e 2% a 10% na região anterosseptal. Diferente do nó atrioventricular, no qual a condução fica mais lenta em frequências maiores de estímulo (condução decremental), aproximadamente 90% das VAs têm condução rápida, resultando em taquicardia com movimento circular envolvendo o átrio e o ventrículo ipsilateral com VA como um pilar e o nó atrioventricular como outro pilar do circuito (taquicardias reentrantes atrioventriculares). Aproximadamente 10% das VAs na síndrome de WPW são de condução lenta (decremental).
A presença de VAs pode estar associada a diversos distúrbios. A anomalia de Ebstein é uma malformação da valva tricúspide e do ventrículo direito caracterizada pela adesão dos folhetos tricúspide posterior e septal ao miocárdio subjacente, deslocamento apical do anel tricúspide e dilatação da porção atrial do ventrículo direito. As outras associações raras incluem a cardiomiopatia hipertrófica, prolapso da valva mitral, defeito do septo atrial, defeito do septo ventricular, transposição de grandes vasos, coarctação aórtica, dextrocardia, divertículos do seio coronário, aneurismas atriais à direita e à esquerda, rabdomiomas cardíacos (como observados em pacientes com esclerose tuberosa), síndrome de Marfan, ataxia de Friedreich, doença de Pompe, doença de Danon e paralisia periódica hipocalêmica. A maioria dos casos de WPW não decorre de uma causa genética, e o teste genético só é relevante se houver pré-excitação combinada com cardiomiopatia hipertrófica e/ou doença cardíaca de condução progressiva. Nesses pacientes, o gene subjacente PRKAG2 foi identificado como potencial causa, resultando em anormalidades do depósito cardíaco de glicogênio.[10]
A incidência de múltiplas VAs (2 a 5) em pacientes com síndrome de WPW é de 5% a 13%.[11] VAs múltiplas são mais comumente observadas em pacientes com história familiar de síndrome de WPW, em pacientes com anomalia de Ebstein ou outras cardiopatias congênitas (10% a 20%).[10][12] Múltiplas VAs estão associadas a uma maior incidência de taquicardia reciprocante antidrômica e uma maior incidência de morte súbita cardíaca.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Localização anatômica das vias acessórias nos anéis valvaresDo acervo do Dr. Mithilesh K. Das [Citation ends].[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Localizações comuns das vias acessórias nos anéis mitral e tricúspideDo acervo do Dr. Mithilesh K. Das [Citation ends].
[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Via acessória lateral direita em um paciente com anomalia de EbsteinDo acervo do Dr. Mithilesh K. Das [Citation ends].
[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Síndrome de Wolff-Parkinson-White (WPW) em um paciente com cardiomiopatia obstrutiva hipertróficaDo acervo do Dr. Mithilesh K. Das [Citation ends].
Fisiopatologia
A condução normal dos átrios para os ventrículos ocorre pelo nó atrioventricular (AV; onde ocorre um atraso fisiológico mínimo) e o sistema de His-Purkinje, resultando em um intervalo PR normal e um complexo QRS estreito. Na síndrome de Wolff-Parkinson-White (WPW), em decorrência do atraso fisiológico da condução no nó atrioventricular, a condução a partir do átrio alcança o ventrículo adjacente inicialmente através da via acessória (VA), a qual normalmente não tem atraso na condução, e uma parte do ventrículo é pré-excitada, resultando em um arrasto no traçado ascendente do início do complexo QRS, conhecido como onda delta. A porção terminal do complexo QRS é estreita, pois a condução por meio do nó atrioventricular ao sistema His-Purkinje alcança o restante dos ventrículos.
O grau de pré-excitação depende das contribuições relativas da ativação ventricular por meio da VA versus o sistema de His-Purkinje. Ele geralmente é maior para os pacientes com uma VA do lado direito em comparação com uma VA esquerda livre devido às diferenças de tempo relativo para engajamento com a VA quando o impulso elétrico deixa o nodo sinusal. A condução ao longo da VA resulta em encurtamento do intervalo PR (<120 ms) e alargamento do complexo QRS (>110 ms) com alterações secundárias em ST-onda T. Durante a fibrilação atrial (FA), a qual ocorre em até um terço dos pacientes com síndrome de WPW, a condução anterógrada rápida por meio da VA ao ventrículo pode raramente causar fibrilação ventricular (FV), a qual pode resultar em morte súbita cardíaca.
Quando uma VA é apenas capaz de condução retrógrada (do ventrículo para o átrio), o eletrocardiograma (ECG) do ritmo sinusal é normal e não é observada onda delta (VA oculta). Essas VAs podem servir como o ramo retrógrado da taquicardia reciprocante ortodrômica.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Via acessória manifesta versus oculta. VA, via acessória; AV, atrioventricular; AE, átrio esquerdo; VE, ventrículo esquerdo; AD, átrio direito; VD, ventrículo direito; SA, sinoatrialDo acervo do Dr. Mithilesh K. Das [Citation ends].[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Colisão (fusão) de frentes de onda no nó atrioventricular e via acessóriaDo acervo do Dr. Mithilesh K. Das [Citation ends].
A taquicardia reentrante atrioventricular (TRAV) é a arritmia mais comum, e ocorre em aproximadamente 70% a 80% dos pacientes com síndrome de WPW.[3][4] A forma comum da TRAV envolve a condução do impulso através do nó atrioventricular, pelo sistema His-Purkinje para os ventrículos de forma anterógrada, e de forma retrógrada por VA, resultando em rápida ativação atrial após a despolarização ventricular. Isto é conhecido como taquicardia reciprocante ortodrômica. Menos comumente (5% a 10%), a TRAV resulta da condução do impulso em direção oposta à taquicardia reciprocante ortodrômica: ou seja, a condução do átrio ao ventrículo através da VA e depois do ventrículo ao átrio através do sistema His-Purkinje e do nó atrioventricular. Portanto, ela é uma taquicardia de complexo largo (TCL) regular, pois a ativação ventricular é transmiocárdica em vez de ser pelo tecido especializado para condução. Este tipo de TRAV é conhecido como taquicardia reciprocante antidrômica. A ART é relativamente mais frequente nos pacientes com múltiplas VAs em comparação com aqueles com uma única VA, e também é relativamente menos comum nos pacientes com VAs septais.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Circuitos da taquicardia ortodrômica e antidrômica reciprocante atrioventricular TCL, taquicardia de complexo largaDo acervo do Dr. Mithilesh K. Das [Citation ends].
a TRAV ocorre em 70% a 80% dos pacientes com síndrome de WPW.[4] Durante a taquicardia reciprocante ortodrômica, os impulsos atingem os ventrículos por meio do sistema de condução normal (nó atrioventricular e sistema de His-Purkinje) e depois retornam ao átrio através da VA assim que a despolarização ventricular atinge os anéis da valva. Mais comumente, a taquicardia inicia após um complexo atrial prematuro que é bloqueado na VA refratária, mas é capaz de conduzir pelo nó atrioventricular aos ventrículos. Nessa altura, a VA recupera-se e o impulso atinge o átrio pela VA e depois viaja até os ventrículos pelo nó atrioventricular, para continuar como taquicardia reciprocante ortodrômica. Durante a taquicardia reciprocante ortodrômica, o ventrículo é despolarizado por meio do sistema de condução normal. A taquicardia reciprocante ortodrômica é uma taquicardia de complexo estreito com um intervalo RP curto (taquicardia de RP curto).[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Taquicardia reciprocante atrioventricular ortodrômica em um paciente com via acessória do lado esquerdo VA, via acessória; CAP, complexo atrial prematuro; AV, atrioventricular; TRAV, taquicardia reentrante atrioventricular; AE, átrio esquerdo; VE, ventrículo esquerdo; AD, átrio direito; VD, ventrículo direito; SA, sinoatrialDo acervo do Dr. Mithilesh K. Das [Citation ends].
[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Taquicardia reciprocante ortodrômica induzida em um paciente com via acessória lateral esquerdaDo acervo do Dr. Mithilesh K. Das [Citation ends].
ART: a taquicardia reciprocante antidrômica é uma arritmia menos comum em pacientes com síndrome de WPW. A taquicardia reciprocante antidrômica pode ser iniciada por um complexo atrial prematuro. O impulso é bloqueado no nó atrioventricular se este estiver refratário, mas é conduzido pela VA aos ventrículos e depois de volta ao átrio por meio do nó atrioventricular e, então, a taquicardia de movimento circular é iniciada. De forma alternativa, a taquicardia reciprocante antidrômica pode ser iniciada por um complexo ventricular prematuro que bloqueia a VA e conduz via retrógrada o nó atrioventricular. O ECG inicial (painel superior) de um paciente com uma pré-excitação mínima e a taquicardia de complexo largo (TCL) (painel inferior) é uma taquicardia reciprocante antidrômica com onda delta negativa nas derivações inferiores e derivação V1 sugestiva de uma VA inferosseptal à direita, conforme mostrado aqui. A ART é uma taquicardia com QRS largo e, portando, pode ser confundida com uma taquicardia ventricular ou uma taquicardia supraventricular com aberração. O ECG inicial é a chave na maioria dos casos. Se houver concordância de QRS positivo (polaridade positiva do QRS em todas as derivações precordiais devido à localização anular das VAs) durante a taquicardia reciprocante antidrômica, então isto pode mimetizar uma TV. Porém, se houver concordância negativa (polaridade negativa do QRS em todas as derivações precordiais), então a taquicardia reciprocante antidrômica é descartada - exceto uma TRAV rara envolvendo uma via atriofascicular, que possui propriedade tipo nó atrioventricular que liga o anel tricúspide ao ramo direito distal e resulta em uma TCL com configuração de bloqueio do ramo esquerdo.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Taquicardia reciprocante atrioventricular antidrômica em um paciente com via acessória do lado esquerdo VA, via acessória; CAP, complexo atrial prematuro; AV, atrioventricular; TRAV, taquicardia reentrante atrioventricular; AE, átrio esquerdo; VE, ventrículo esquerdo; AD, átrio direito; VD, ventrículo direito; SA, sinoatrial; TSV, taquicardia supraventricularDo acervo do Dr. Mithilesh K. Das [Citation ends].
[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Taquicardia reciprocante antidrômica em um paciente com via acessória posterosseptal direitaDo acervo do Dr. Mithilesh K. Das [Citation ends].
FA: a FA é encontrada em 10% a 35% dos pacientes com síndrome de WPW. A FA com condução rápida através da VA é reconhecida por uma TCL irregular com variação do grau de pré-excitação ventricular. Os pacientes com uma VA de condução rápida ou múltiplas VAs estão em risco de fibrilação ventricular (FV) devido ao rápido estímulo ventricular.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Fibrilação atrial em um paciente com síndrome de Wolff-Parkinson-White (WPW) com frequência ventricular rápida; resultou em morte súbita cardíaca abortadaDo acervo do Dr. Mithilesh K. Das [Citation ends].
Flutter atrial e taquicardia atrial: o flutter atrial e a taquicardia atrial podem resultar em uma TCL regular e pré-excitada. O flutter atrial é encontrado em 5% a 10% dos pacientes com síndrome de WPW. Se a condução for rápida, então o estímulo rápido do ventrículo também pode resultar em FV. O padrão de bloqueio AV de Wenckebach no nó atrioventricular ou VA em flutter atrial e FA podem resultar em uma TCL irregular.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Flutter atrial com pré-excitaçãoDo acervo do Dr. Mithilesh K. Das [Citation ends].
Classificação
Via acessória (VA) manifesta versus VA oculta
As VAs na síndrome de Wolff-Parkinson-White (WPW) são, em geral, capazes de realizar a condução bidirecional (átrio para ventrículo e ventrículo para átrio). Quando uma VA é capaz de conduzir apenas de forma retrógrada (do ventrículo para o átrio), o eletrocardiograma (ECG) de ritmo sinusal é normal e não é observada onda delta (VA oculta).[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Via acessória manifesta versus oculta. VA, via acessória; AV, atrioventricular; AE, átrio esquerdo; VE, ventrículo esquerdo; AD, átrio direito; VD, ventrículo direito; SA, sinoatrialDo acervo do Dr. Mithilesh K. Das [Citation ends]. Essas VAs servem como um substrato para a reentrada e podem causar uma taquicardia supraventricular (TSV) envolvendo o nó atrioventricular como a outra ligação entre o átrio e o ventrículo. Esse tipo de TSV é denominada taquicardia reentrante atrioventricular (TRAV). Um aumento do risco ade morte súbita cardíaca é observado em pacientes com VAs de condução anterógrada, mas não naqueles com VAs ocultas.[3]
Pacientes assintomáticos/sintomáticos
Pacientes sintomáticos são aqueles com episódios de taquicardia. A gravidade dos sintomas pode variar amplamente com base na frequência de episódios, sejam autolimitados ou não, e a frequência da taquicardia. Em geral, taquicardias mais rápidas resultam em sintomas mais graves que taquicardias mais lentas. A tolerância está relacionada ao índice de taquicardia supraventricular (TSV), assim como a experiência subjetiva do paciente. A decisão de recomendar o estudo eletrofisiológico (EF) e a ablação por cateter deve se basear, principalmente, na presença de quaisquer sintomas. Como, por definição, todos os pacientes com síndrome de WPW são sintomáticos (em contraste com os assintomáticos, com pré-excitação no ECG), eles devem ser encaminhados para exames EF diagnósticos basais, com oferta de ablação por cateter se considerado apropriado com base nos resultados.
O manejo de pacientes com pré-excitação assintomática é comparativamente mais complexo. Já se sabe que a morte súbita cardíaca pode ser a primeira manifestação de uma via acessória. Aproximadamente um quinto dos pacientes com pré-excitação assintomática desenvolverá arritmia sintomática ao longo do tempo. Muito raramente, esta pode vir a ser uma morte súbita cardíaca. Por isso, as diretrizes de 2019 da European Society of Cardiology apresentam um grande conjunto de recomendações para o tratamento de pacientes com pré-excitação assintomática. Recomenda-se considerar um estudo eletrofisiológico (EEF) com isoproterenol para estratificar o risco de indivíduos com pré-excitação assintomática, bem como em indivíduos atletas ou com ocupações de alto risco. Se forem identificadas propriedades eletrofisiológicas de alto risco, recomenda-se a ablação por cateter. Além disso, um EEF e a ablação podem ser considerados em pacientes com pré-excitação assintomática que apresentem uma VA que demonstre características de baixo risco no rastreamento invasivo ou não invasivo.[3]
Taquicardia reentrante atrioventricular (TRAV)
A TRAV é a arritmia mais comum, e ocorre em aproximadamente 70% a 80% dos pacientes sintomáticos com síndrome de WPW.[4]
Taquicardia reciprocante ortodrômica: durante a taquicardia reciprocante ortodrômica, o ventrículo é despolarizado por meio do sistema de condução normal. A taquicardia reciprocante ortodrômica é uma taquicardia de complexo estreito mais comumente com um intervalo RP curto (taquicardia de RP curto).[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Taquicardia reciprocante atrioventricular ortodrômica em um paciente com via acessória do lado esquerdo VA, via acessória; CAP, complexo atrial prematuro; AV, atrioventricular; TRAV, taquicardia reentrante atrioventricular; AE, átrio esquerdo; VE, ventrículo esquerdo; AD, átrio direito; VD, ventrículo direito; SA, sinoatrialDo acervo do Dr. Mithilesh K. Das [Citation ends].[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Taquicardia reciprocante ortodrômica induzida em um paciente com via acessória lateral esquerdaDo acervo do Dr. Mithilesh K. Das [Citation ends].
A taquicardia reciprocante antidrômica ART (antidromic reciprocating tachycardia): ART é uma taquicardia QRS, pois o ventrículo é despolarizado através da VA.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Taquicardia reciprocante atrioventricular antidrômica em um paciente com via acessória do lado esquerdo VA, via acessória; CAP, complexo atrial prematuro; AV, atrioventricular; TRAV, taquicardia reentrante atrioventricular; AE, átrio esquerdo; VE, ventrículo esquerdo; AD, átrio direito; VD, ventrículo direito; SA, sinoatrial; TSV, taquicardia supraventricularDo acervo do Dr. Mithilesh K. Das [Citation ends].[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Taquicardia reciprocante antidrômica em um paciente com via acessória posterosseptal direitaDo acervo do Dr. Mithilesh K. Das [Citation ends].
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