Abordagem
O tratamento varia dependendo do local e do número de parasitas, além da resposta do hospedeiro. A terapia antiparasitária é a base do tratamento para a maioria dos pacientes; no entanto, intervenções adicionais, incluindo corticosteroides, anticonvulsivantes e intervenção cirúrgica podem ser necessárias na doença extraintestinal. Os pacientes com neurocisticercose podem apresentar hipertensão intracraniana, que é uma emergência médica.[44]
Infecção intestinal
Quando o exame de fezes revela evidências de infecção por tênia (por exemplo, Hymenolepis nana, Diphyllobothrium latum, Taenia saginata e T solium), o tratamento de primeira escolha é o medicamento antiparasitário de amplo espectro praziquantel. O praziquantel tem excelente atividade contra todas as tênias. Ele é administrado em dose única para crianças e adultos.[45] As infecções por H nana exigem doses mais altas. Existem outros medicamentos antiparasitários, como a niclosamida.
Manifestações no sistema nervoso central (SNC)
As manifestações no SNC incluem a doença causada por espécies de T solium (neurocisticercose) ou Echinococcus. Em pacientes com neurocisticercose, o tratamento específico depende da localização dos cistos.
O aumento da pressão intracraniana pode causar risco de vida e deve ser controlado imediatamente. A terapia antiparasitária não é recomendável até que a pressão intracraniana seja estabilizada. O uso de terapia antiparasitária em pacientes com hipertensão intracraniana pode causar eventos adversos fatais (por exemplo, hérnia).[33] Quando o paciente estiver estabilizado, o tratamento depende do tipo de neurocisticercose.
Doença parenquimatosa ativa:
Os pacientes com hidrocefalia ou edema cerebral difuso (encefalite cisticercal) não tratadas precisam controlar com urgência a hipertensão intracraniana com corticosteroides para edema cerebral difuso, ou uma abordagem cirúrgica para hidrocefalia.[33]
Em seguida, a terapia antiparasitária (isto é, albendazol ou praziquantel) é iniciada. A adição de corticosteroides é recomendada para suprimir o efeito inflamatório da terapia antiparasitária e pode reduzir o risco de convulsões generalizadas nos pacientes com cistos parenquimatosos ativos.[33][39][40][46]
Doença parenquimatosa inativa:
A doença parenquimatosa inativa (com lesões calcificadas) geralmente não exige tratamento com terapia antiparasitária, pois não há cistos viáveis.
As lesões calcificadas podem estar associadas a edema perilesional sintomático. As diretrizes recomendam contra o uso rotineiro de corticosteroides nesses pacientes, pois há alguns relatos de casos que sugerem que pode ocorrer edema perilesional rebote quando os corticosteroides são reduzidos ou interrompidos.[33]
A remoção cirúrgica dos focos de convulsão pode ser considerada em alguns pacientes.[33]
Doença intraventricular:
Os pacientes com doença ventricular ativa podem apresentar hidrocefalia obstrutiva. O manejo desses pacientes se concentra no alívio da hipertensão intracraniana com uma derivação ventriculoperitoneal.
Uma vez estabilizada a pressão intracraniana, é realizada a remoção neuroendoscópica dos cisticercos nos ventrículos laterais e terceiro; recomenda-se a remoção cirúrgica dos cisticercos no quarto ventrículo.[33] Essa cirurgia pode não ser adequada para pacientes com achados na ressonância nuclear magnética (RNM) de um aumento ependimal significativo (secundário à adesão de lesões ao epêndima).[31]
Alguns especialistas não recomendam a terapia antiparasitária antes da remoção cirúrgica, pois ela pode romper a integridade do parasita e causar uma resposta inflamatória capaz de impedir a remoção do cisto.[46]
Recomenda-se o uso de corticosteroides no período perioperatório, ou em conjunto com a terapia antiparasitária após a colocação de derivação.[33]
Doença subaracnoide:
Há evidências limitadas relativas ao tratamento da doença subaracnoide, pois a doença é relativamente rara, e o prognóstico é muito desfavorável. Não há ensaios controlados do manejo da doença subaracnoide; no entanto, uma série de casos em que os pacientes foram tratados com medicamentos antiparasitários, corticosteroides e derivação da hidrocefalia demonstrou uma melhora do prognóstico.[47]
É recomendável tratar a pressão intracraniana inicialmente com uma derivação, e terapia antiparasitária prolongada (isto é, de vários meses a mais de 1 ano), com esquema de retirada gradual dos corticosteroides.[47] O metotrexato também pode ser usado como um agente poupador de corticosteroide para reduzir os efeitos adversos associados ao uso prolongado de corticosteroides.[47][48] Alguns pacientes também podem se beneficiar da citorredução cirúrgica.[33]
Doença espinhal/ocular:
A cirurgia individualizada, específica para o caso, é a base do tratamento para a doença da medula espinhal. A terapia antiparasitária associada a corticosteroides (sobretudo nos casos com disfunção da medula espinhal) também é recomendada. Os cisticercos intraoculares devem ser tratados com remoção cirúrgica.[33]
Princípios gerais de tratamento:
Terapia antiparasitária: geralmente, recomenda-se a monoterapia com albendazol. No entanto, os pacientes com alta carga de doença (isto é, >2 cistos viáveis) podem se beneficiar da combinação de terapia antiparasitária (isto é, albendazol associado a praziquantel). Essa recomendação baseia-se em estudos realizados em pacientes com doença parenquimatosa.[33]
Um ensaio clínico de fase II, randomizado, duplo-cego e controlado por placebo constatou uma atividade cisticida muito maior (resolução de cisto de 95% contra 30%; ausência completa de cisto de 75% contra 25%) de albendazol associado a praziquantel comparado com a administração isolada de albendazol.[49]
Esses achados foram confirmados em um estudo de fase III (duplo cego e controlado por placebo) que também constatou que a terapia combinada de albendazol associado a praziquantel em pacientes com neurocisticercose intraparenquimatosa viável apresentou um efeito parasiticida elevado comparado com o albendazol administrado de forma isolada. O benefício foi, em grande parte, impulsionado pelo subgrupo de pacientes com três ou mais cistos viáveis. Não foram observados efeitos colaterais elevados no braço da terapia antiparasitária combinada.[50]
Uma revisão Cochrane revelou que a monoterapia com albendazol reduziu o risco de recorrência de convulsões em pacientes com um único cisto que apresentaram convulsões em comparação com placebo ou nenhuma terapia antiparasitária (evidência de qualidade moderada). Faltam evidências para o albendazol em pacientes com mais de um cisto, mas há sugestão de dano potencial (evidência de qualidade muito baixa).[51]
Anticonvulsivantes: as convulsões podem ser controladas com o uso de um anticonvulsivante, independentemente do tipo de neurocisticercose. Os anticonvulsivantes podem ser retirados gradualmente e suspensos após a resolução dos cistos na RNM, e se o paciente não apresentar convulsão por um certo período (dependendo do local do cisto), pois não há fatores de risco para a recorrência de convulsões. As evidências para a duração ideal do tratamento anticonvulsivante nos pacientes com neurocisticercose são limitadas.[52] A Organização Mundial da Saúde recomenda considerar a interrupção 6 meses após a última convulsão em pacientes com uma única lesão realçada e baixo risco de recorrência de convulsão; o tratamento deve ser continuado por pelo menos 2 anos nos pacientes com neurocisticercose calcificada e epilepsia.[39] A escolha do anticonvulsivante se baseia na disponibilidade, nas interações medicamentosas, nos efeitos adversos e no custo. Muitos anticonvulsivantes não devem ser usados por gestantes devido aos seus efeitos teratogênicos.[33]
Corticosteroides: a dose ideal, a duração e a formulação de corticosteroide adjuvante a ser administrado com terapia antiparasitária ainda não foram estabelecidas. Um estudo aberto randomizado comparou dosagem de dexametasona convencional com aumento da dosagem em pacientes com neurocisticercose parenquimatosa viável com atividade recente (dentro de 6 meses) de convulsão. Apesar do estudo não atender seu endpoint primário de redução de dias de convulsão ou indivíduos com convulsões, ele apresentou dois achados importantes. Primeiro, este estudo constatou que a atividade convulsiva aumentou durante os dias 1 a 21 e diminuiu após o dia 21; segundo, esse aumento na dosagem de dexametasona reduziu a atividade convulsiva dos dias 1 a 21. Os efeitos adversos não foram diferentes entre os dois grupos. Esses dados sugerem que pacientes com neurocisticercose parenquimatosa viável com risco de convulsão durante os 21 primeiros dias de tratamento podem se beneficiar de um regime de corticosteroide aumentado.[53] Geralmente, os corticosteroides são iniciados antes do tratamento antiparasitário.
Manifestações hepáticas ou torácicas
As manifestações hepáticas ou torácicas são equinococose (doença causada por espécies de Echinococcus) e cisticercose (infecção por T solium). A remoção cirúrgica é a base do tratamento da doença equinocócica hepática. A ressecção cirúrgica ampla para os casos operáveis (por exemplo, lobectomia hepática ou transplante de fígado) garante a remoção total dos cistos. A terapia antiparasitária é administrada concomitantemente, pelo menos, 2 semanas antes da cirurgia e, no mínimo, 1 mês no pós-operatório. Na doença hidática pulmonar, prolongar a terapia combinada de albendazol e praziquantel por 2 semanas a 4 ou 8 semanas antes da cirurgia pode levar a um aumento da resposta escolicida. Prolongar o pré-tratamento com terapia antiparasitária pode ser considerado se o paciente apresentar alto risco de ruptura intraoperatória.[54]
A terapia medicamentosa isolada pode resultar em cura em um pequeno subconjunto de pacientes mas, geralmente, sem intervenção cirúrgica ocorre a recorrência da doença. Algum sucesso com o procedimento PAIR (punção, aspiração, injeção e reaspiração) foi relatado em pacientes adequados. O PAIR é realizado com terapia concomitante de albendazol a fim de reduzir o risco de disseminação de cistos. O cisto hidático é aspirado com orientação de tomografia computadorizada, e um agente escolicida é gotejado na cavidade do cisto. Em seguida o fluido é reaspirado.[55][56]
Grupos de pacientes especiais
As gestantes são tratadas da mesma forma que as não gestantes, com as seguintes considerações: o tratamento antiparasitário deve ser protelado para depois do parto; corticosteroides podem ser usados com segurança quando necessário; e os efeitos teratogênicos devem ser levados em consideração no momento de decidir o anticonvulsivante mais adequado. Geralmente, as crianças são tratadas da mesma forma que os adultos.[33]
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