Etiologia
Náuseas e vômitos são sintomas comuns nas crianças. A etiologia desses sintomas é, frequentemente, dependente da idade, com um amplo espectro de causas gastrointestinais, não gastrointestinais e ambientais.
Gastroenterite
A gastroenterite é uma causa muito comum de náuseas, vômitos, diarreias e dores abdominais.
Crianças <5 anos podem apresentar de 1 a 5 episódios de diarreia aguda por ano.[5] De acordo com o Global Health Data Exchange, em 2016, a gastroenterite que se manifesta como diarreia foi a oitava principal causa de morte no mundo entre todas as idades (1.65 milhão de mortes) e a quinta principal causa de morte entre crianças menores de 5 anos (446,000 mortes).[6]
Para pacientes pediátricos nos EUA, cerca de 1% dos casos requerem hospitalização, frequentemente em decorrência de desidratação.[7] Portanto, quando possível, deve-se dar ênfase inicial à provisão de reidratação oral para desidratação leve a moderada, e fluidoterapia intravenosa para casos mais graves. No Reino Unido, a cada ano, aproximadamente 10% das crianças com menos de 5 anos chegam aos serviços de saúde com gastroenterite.[8]
Gastroenterite viral: infecção altamente contagiosa que pode se apresentar com uma epidemia em uma região em particular e representa de 50% a 70% dos casos de gastroenterite aguda. Na maioria dos casos, a infecção é autolimitada e remite sozinha, necessitando apenas de medidas de suporte. Os agentes virais causadores mais comuns são norovírus, rotavírus, adenovírus entérico (tipos 40 e 41), astrovírus, coronavírus e alguns picornavírus.[9]
Gastroenterite bacteriana: infecção que geralmente produz sintomas mais graves e prolongados. Acredita-se que cerca de 15% a 20% dos episódios de gastroenterite aguda sejam causados por infecções bacterianas nos EUA, porém estudos de fezes foram positivos em apenas 1.5% a 5.6% dos casos.[9][10] As bactérias causadoras mais comuns são Salmonella, Shigella, Campylobacter, Escherichia coli, Vibrio, Yersinia e Clostridium difficile.[9]
Gastroenterite parasitária: infecções parasitárias geralmente são mais prolongadas e representam cerca de 10% a 15% dos casos de gastroenterite aguda.[9] A giardíase, uma infecção entérica causada pelo protozoário parasita Giardia lamblia, é a infecção parasitária mais comum e pode ser disseminada por ingestão de água ou alimento contaminado, ou por contaminação de pessoa para pessoa por via fecal-oral. Outros agentes parasitários incluem Amoebas, Cryptosporidium, Isospora, Cyclospora e Microsporidium.
Neurológica
As causas neurológicas de náuseas e vômitos são sempre preocupantes e, com frequência, exigem avaliação e tratamento imediatos.
Meningite: uma emergência médica. Frequentemente, a etiologia é viral (por exemplo, enterovírus, arbovírus, vírus do herpes, vírus da gripe (influenza) e possivelmente vírus da parotidite); a meningite bacteriana (por exemplo, estreptococos do grupo B, E coli, Listeria monocytogenes, Haemophilus influenzae tipo b, Streptococcus pneumoniae e Neisseria meningitidis) é uma etiologia rara, mas mais grave.[11][12][13]
Síndromes neurológicas funcionais: enxaqueca, cinetose/enjoo de viagem e vertigem são muito comuns. Enxaquecas pediátricas frequentemente causam náuseas e vômitos. A prevalência de enxaqueca aumenta com a idade e foi estimada como sendo de 8% a 23% entre as idades de 10 e 20 anos.[14]
Tumores cerebrais: a segunda causa mais comum de malignidade em crianças, com uma taxa de mortalidade que varia de <10% a >90%, dependendo da lesão.[15] Sua etiologia é variável, mas podem ser associados a doenças como neurofibromatose ou polipose adenomatosa familiar.[16]
Hipertensão intracraniana: precisa ser diagnosticada e tratada rapidamente; pode ser causada por tumor cerebral, pseudotumor cerebral (hipertensão intracraniana benigna), hidrocefalia, infecção, disfunção hepática ou mau funcionamento da derivação ventriculoperitoneal.[17]
Concussão (lesão cerebral traumática leve): relativamente comum durante a primeira infância; náuseas são frequentemente observadas após a concussão.[18][19] Dados de um grande estudo de coorte observacional prospectivo indicam que aproximadamente 13% das crianças (<18 anos) apresentam vômitos após trauma cranioencefálico contuso leve.[20] Observe que vômitos recorrentes após traumatismo cranioencefálico leve podem ser um indicador de lesão intracraniana.[21][22] Em adolescentes, a concussão é frequentemente associada a traumatismos contusos devido a atividades atléticas, como ciclismo, futebol americano, basquete e futebol.
Gastroenterológica: obstrutiva
A obstrução gastrointestinal é uma causa comum e muito preocupante de náuseas e vômitos em crianças. A etiologia é, principalmente, dependente da idade, mas também pode ser decorrente de cirurgia abdominal preexistente.
Estenose pilórica: a incidência é de cerca de 2 a cada 1000 nascidos vivos, com os meninos apresentando um risco 4 a 5 vezes maior em comparação com as meninas.[23][24] Geralmente se apresenta entre 2 e 12 semanas de idade.[23][25][26] É comum uma história familiar na qual um dos pais apresenta a afecção.[27][28]
Atresia do intestino delgado: geralmente associada a polidrâmnios e diagnosticada no pré-natal. A apresentação ocorre logo após o nascimento com distensão abdominal e vômitos.
Má rotação intestinal: uma série de distúrbios rotacionais e de fixação que podem ocorrer durante o desenvolvimento embrionário. Sua incidência é de 1 em cada 6000 nascidos vivos e é considerada uma emergência cirúrgica. Pode causar volvo de intestino médio com alto risco de necrose intestinal.
Intussuscepção: a causa mais comum de obstrução intestinal em crianças com idade entre 6 e 36 meses, com uma incidência de 36 casos a cada 100,000 lactentes por ano nos EUA.[29] É sempre considerada uma emergência. Embora seja, em geral, de etiologia idiopática, as doenças virais já foram associadas ao desencadeamento de um episódio agudo.[30]
Síndrome da artéria mesentérica superior: uma causa incomum de obstrução do intestino delgado. Nessa condição, ocorre uma compressão funcional da terceira porção do duodeno pela artéria mesentérica superior e pela aorta. É geralmente associada a compleição magra, a uma história recente e acentuada de perda de peso ou a uma história de cirurgia da coluna.[31]
Gastroenterológica: funcional
Doença do refluxo gastroesofágico: a regurgitação simples ocorre em quase 50% dos bebês. Em 90% deles, os sintomas limitam-se às regurgitações orais e remitem, na maioria dos casos, quando eles atingem a idade de 1 ano.[32]
Vômitos cíclicos: definidos como um padrão de vômitos intermitentes e, com frequência, paroxísticos, que se alternam com períodos assintomáticos e sem vômitos.[33] Esse é um diagnóstico de exclusão, que só pode ser feito depois de descartadas causas inflamatórias, metabólicas e neoplásicas. Frequente, é observado em crianças, especialmente adolescentes e do sexo feminino, com uma prevalência estimada de aproximadamente 2% em crianças em idade escolar.[33][34] A princípio, os episódios podem ser confundidos com uma gastroenterite viral prolongada. A suspeita surge quando o padrão estereotípico se estabelece.[35]
Disautonomia (por exemplo, síndrome da taquicardia ortostática postural e hipotensão ortostática): embora as síndromes disautonômicas primárias sejam extremamente raras, a presença de náuseas e vômitos nessas síndromes é comum em adolescentes; até 87% dos pacientes pediátricos com intolerância ortostática relatam sintomas gastrointestinais.[36]
Gastroparesia: definida como esvaziamento gástrico retardado e associada a náuseas e vômitos. É uma causa incomum de vômitos em crianças. Ocorre frequentemente após uma infecção viral (ou seja, gastroparesia pós-viral), mas pode ser observada em associação com distúrbios mitocondriais, neuromusculares e autoimunes.
Doença de Hirschsprung: uma condição congênita, que afeta segmentos distais do cólon, causada pela ausência de células ganglionares nos plexos submucoso e mioentérico. Isso cria uma obstrução funcional. Ocorre em 1 a cada 5000 nascidos vivos e, geralmente, é associada a episódios frequentes de enterocolite.[37]
Constipação: prevalência de 0.7% a 29.6% em crianças no mundo todo.[38][39] Em casos raros, pode causar sintomas sugestivos de obstrução intestinal, principalmente na presença de impactação acentuada das fezes no reto. Contudo, é melhor reconhecida como uma obstrução mecânica ‘verdadeira’, em oposição à ‘funcional’, apesar da relativa semelhança dos sintomas.
Dispepsia funcional: presença de dor ou desconforto epigástrico associado a saciedade precoce, náuseas e vômitos. Ocorre sem doença inflamatória ou metabólica e sem malignidade que possa explicar os sintomas. Os sintomas podem ser explicados, em parte, por anormalidades na motilidade antroduodenal, no esvaziamento gástrico, na sensação gástrica e na acomodação.
Gastroenterológica: inflamatória
Úlcera péptica: comum em determinadas populações pediátricas. A Helicobacter pylori é uma causa frequente e, geralmente, está associada a história familiar de infecção, baixo nível socioeconômico ou condições de vida em ambientes superlotados.[40] Também é comum em situações de doenças agudas (por exemplo, pacientes em unidades de terapia intensiva).
Apendicite aguda: geralmente causada por uma obstrução (por exemplo, hiperplasia linfoide, fecalito) do lúmen do apêndice.
Pancreatite aguda: as causas mais comuns nas crianças incluem mutações em genes codificadores de proteases, anormalidades congênitas que afetam o pâncreas, cálculos biliares e medicamentos (por exemplo, ácido valproico, glicocorticoides).[41]
Hepatite A: infecção causada pelo vírus da hepatite A, um vírus de ácido ribonucleico (RNA), transmitido por contato próximo com uma pessoa infectada (incluindo contato fecal-oral) ou com água ou alimentos contaminados.
Gastroenterológica: alérgica
Alergias alimentares: a incidência de alergias alimentares é de aproximadamente 10% na idade de 1 ano, caindo para 3% a 4% por volta dos 2 anos.[42] Algumas crianças apresentam sintomas persistentes com queixas respiratórias e dermatológicas associadas. Os alimentos mais frequentemente envolvidos são leite/laticínios (lactose), trigo, soja, amendoim, ovos e frutos do mar.
Esofagite eosinofílica: definida como a presença de ≥15 eosinófilos por campo de grande aumento em uma biópsia esofágica com presença de disfunção esofágica, na ausência de outras causas de eosinofilia esofágica.[43][44][45] A prevalência aumentou ao longo do tempo.[46] As alergias alimentares parecem desempenhar um papel fundamental na patogênese da doença; no entanto, sua etiologia não está claramente definida.
Gastroenterológica: neoplasias malignas
Linfoma do intestino delgado: fatores predisponentes, como condição socioeconômica baixa, estrutura sanitária deficiente e fatores genéticos têm sido associados ao desenvolvimento de doenças imunoproliferativas do intestino delgado. A doença celíaca e a enterite ulcerativa estão mais relacionadas ao linfoma de células T associado à enteropatia.[47]
Metabólica/endócrina
Cetoacidose diabética: mais comum em crianças <5 anos e em meninas; é, mais frequentemente, o sintoma inicial do diabetes do tipo 1 (versus tipo 2).[48][49]
Insuficiência adrenal: rara em crianças. Náuseas e vômitos são sintomas manifestos comuns.[50] A insuficiência adrenal já foi associada a síndromes como a hiperplasia adrenal congênita, a síndrome do triplo A (acalasia, alacrimia e insuficiência adrenal), insuficiência adrenal autoimune e distúrbios paroxísticos.
Erros inatos do metabolismo: distúrbios incomuns que geralmente se manifestam logo após o nascimento e podem ser devastadores se não forem identificados. Os distúrbios do metabolismo de proteínas incluem a aminoacidúria, as acidemias orgânicas e os distúrbios do ciclo da ureia, e são associados a baixa aceitação alimentar, vômitos e letargia. Também podem estar associados a descompensação metabólica, incluindo acidose, hiperamonemia ou hipoglicemia. Se não tratada, a doença progride com comprometimento neurológico e pode levar ao óbito. Os distúrbios do metabolismo de carboidratos incluem a galactosemia, a frutosinemia e algumas doenças de depósito de glicogênio, e podem resultar em baixa aceitação alimentar, vômitos, disfunção hepática e hipoglicemia.[51]
Urológicas/ginecológicas e renais
Náuseas e vômitos são sintomas frequentes de doenças renais, urológicas e ginecológicas.
Torção gonadal: as torções testiculares e ovarianas são consideradas emergências cirúrgicas. A torção testicular é mais comum entre 12 e 18 anos, mas também pode ocorrer em crianças pequenas e neonatos.[52] Pode ser decorrente de trauma. A torção ovariana geralmente ocorre um pouco antes da menarca, mas também pode ocorrer em meninas mais jovens. Aproximadamente 25% das pacientes têm ovários normais; porém, é mais comum que a condição esteja associada a cistos ovarianos ou massas benignas.[53]
Infecção do trato urinário (ITU): a prevalência estimada em crianças é de aproximadamente 7%.[54] Ocorre com mais frequência em mulheres. Sua causa mais comum é a infecção bacteriana. Os fatores de risco incluem constipação crônica, disfunções vesicais (por exemplo, bexiga neurogênica) e refluxo vesicoureteral.
Síndrome hemolítico-urêmica: causa comum de insuficiência renal em crianças, geralmente associada a infecção por E coli O157:H7 e Shigella. Causas genéticas e relacionadas a medicamentos também existem.[55] A mortalidade pode alcançar 5% e a insuficiência renal crônica pode ocorrer em 20% dos pacientes.[56]
Nefrolitíase: a incidência em crianças está aumentando. É mais frequentemente observada em meninos brancos e a maioria dos pacientes têm 13 anos ou menos.[57] Os fatores de risco incluem: fatores ambientais; condições metabólicas; distúrbios sistêmicos; anormalidades estruturais dos rins, ureteres ou bexiga; e história de ITUs. É composta, na maioria das vezes, por oxalato e fosfato de cálcio.[58]
Obstrução da junção ureteropélvica: uma obstrução do fluxo urinário desde a pelve renal até o ureter proximal, frequentemente diagnosticada no período pré-natal. As causas incluem anomalias congênitas, cirurgia prévia ou distúrbios que provocam inflamação do trato urinário superior.
Psiquiátrico
Transtornos alimentares: a prevalência ao longo da vida de bulimia nervosa (critérios do DSM) foi estimada em até 4.6% para mulheres e 1.3% para homens, e até 3.6% e 0.3%, respectivamente, para anorexia nervosa (critérios do DSM).[59][60] Transtornos alimentares apresentam uma mortalidade associada de 2% a 6%, com aumento do risco em adolescentes.[61][62] Estão geralmente associados à depressão e a outras comorbidades psiquiátricas.
Síndrome de ruminação: definida como a presença de regurgitações orais repetidas de pequenas quantidades de alimento proveniente do estômago, o qual, com frequência, é engolido novamente. Ocorre geralmente durante ou imediatamente após as refeições do paciente. Pode ser encontrada em aproximadamente 5% da população pediátrica e está frequentemente associada a transtornos psiquiátricos, como a bulimia nervosa.[63][64][65] Ocorre mais comumente em crianças com atrasos no desenvolvimento.[66]
Transtorno factício (abuso clínico): deve-se suspeitar quando os sintomas parecem produzidos ou são desproporcionais ao exame. É frequente que a investigação diagnóstica de rotina não explique a natureza dos sintomas. Náuseas e vômitos são comuns nesse distúrbio. Ocorre frequentemente em crianças com idade <5 anos. O responsável é, muitas vezes, um dos pais ou cuidadores da criança. Pode ser devastadora se não reconhecida precocemente.[67]
Ambiental
Ingestão tóxica: aproximadamente 1.17 milhão de exposições tóxicas em crianças (<20 anos) foram relatadas por centros de controle de intoxicações nos EUA em 2021.[68] Entre as exposições mais comuns em crianças com idade ≤5 anos estavam cosméticos, substâncias de limpeza, analgésicos, pesticidas, preparações para tosse e resfriado, medicamentos cardiovasculares, estimulantes e drogas ilícitas, e óleos essenciais.[68]
Efeitos adversos de medicamentos: os mais comuns são os quimioterápicos (induzem a estimulação da área postrema do hipotálamo e podem produzir sintomas intensos), analgésicos opioides (devido a seu efeito de redução da motilidade gastrointestinal) e medicamentos anticolinérgicos, como os antidepressivos e os antiespasmódicos (devido à redução da motilidade gastrointestinal). Os anti-inflamatórios não esteroidais podem provocar náuseas e vômitos secundários a inflamação gastrointestinal. Outros medicamentos incluem os anestésicos e os antibióticos.
Respiratórios/otorrinolaringológicos
Otite média: definida como a presença de líquido e inflamação na orelha média. É muito comum na população pediátrica, com 1 a cada 4 crianças apresentando no mínimo 1 episódio de otite média aguda até aos 10 anos de idade.[72] Os patógenos mais comumente associados à otite média aguda são bactérias, como S pneumoniae, H influenza e Moraxella catarrhalis; no entanto, vírus também já foram implicados.
Pneumonia: uma causa muito comum de morbidade em crianças. É mais frequente em meninos <5 anos, principalmente associada a uma condição socioeconômica baixa. Tanto vírus (por exemplo, vírus da gripe [influenza]) quanto bactérias (por exemplo, S pneumonia, Mycoplasma pneumoniae) já foram implicados.
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