Abordagem

A avaliação clínica ajuda a determinar o impacto do ronco do paciente, ajuda a decidir se o paciente necessita de um estudo do sono para descartar apneia obstrutiva do sono (AOS) e ajuda a identificar o local da via aérea superior onde se origina o ronco (o que auxilia a direcionar o tratamento).

Infelizmente, foi mostrado que a anamnese e os achados clínicos carecem de sensibilidade e especificidade para diagnosticar AOS. Estima-se que a anamnese e o exame físico possam apenas prever a AOS em 50% dos pacientes, embora tenha sido constatado que sexo masculino, roncos e aumento do índice de massa corporal (IMC) são preditores úteis de AOS.[24][25]

Para obter mais informações sobre apneia obstrutiva do sono, consulte os tópicos Apneia obstrutiva do sono em adultos e Dissonia em crianças do BMJ Best Practice.

História

Às vezes é útil que o companheiro do paciente esteja presente em algumas ou todas as consultas para fornecer informações sobre alguns aspectos dos episódios de ronco. É importante determinar por quanto tempo o paciente tem apresentado roncos e se eles estão perturbando o paciente, o companheiro ou ambos. A intensidade dos roncos pode ser avaliada ao se perguntar se o ruído pode ser ouvido pelo vizinho, em qualquer lugar da casa, em um cômodo adjacente ou apenas no mesmo cômodo. O nível de perturbação causado pelo ronco pode ser indicado pelo fato de o companheiro dormir separadamente e, se isso ocorrer, com que frequência. Também é importante identificar se o ronco é agravado ou se só ocorre quando o paciente se encontra em decúbito dorsal.

Aspectos que podem sugerir AOS devem ser procurados:[1]

  • Apneias presenciadas (isto é, o paciente interrompe a respiração por 10 segundos ou mais)

  • Episódios de sufocamento ou arquejo

  • Acordar cansado, com cefaleia

  • Sonolência diurna

  • História médica pregressa de diabetes, hipertensão ou doença isquêmica do coração, particularmente em pacientes relativamente jovens.

Os pacientes devem ser questionados sobre se têm história de congestão nasal e se isso afeta o lado esquerdo, o lado direito ou ambos os lados. As alergias nasais, como a febre do feno, podem contribuir para o ronco.[1]​ O paciente deve ser questionado sobre quaisquer animais de estimação, pois podem ser alérgicos a eles.

Também devem ser observados os hábitos de tabagismo e de ingestão de bebidas alcoólicas. O tabagismo causa inflamação e congestão de vias aéreas superiores.[5][20][21] Tabagismo ativo e passivo são fatores de risco para o ronco.[1]​ A frequência dos roncos habituais aumenta com a quantidade de tabaco consumido.[20] Bebidas alcoólicas causam um sono mais profundo e diminuição do tônus muscular das vias aéreas superiores.[1][15][16][17]​​​ A dependência alcoólica foi associada a ronco autorrelatado em mulheres magras.[18]

A história de medicamentos pode identificar agentes que podem contribuir para o ronco. Medicamentos sedativos, como comprimidos para dormir, tranquilizantes e anti-histamínicos, diminuem o tônus muscular das vias aéreas superiores e predispõem ao ronco.[1][11]

O paciente deve ser questionado sobre quais tratamentos ou técnicas já foram tentadas e até que ponto elas foram bem-sucedidas, para evitar repetição.

Devem ser realizadas perguntas sobre qualquer alteração no peso do paciente. Deve ser quantificado o ganho de peso e em que período de tempo. Se o paciente não apresentava ronco antes do ganho de peso, então a perda de peso pode ser curativa.

Em crianças, ronco intenso com distúrbios do sono, pausas respiratórias e despertar com roncos (despertar rápido após ronco) sugerem AOS. Terror noturno, enurese, hiperatividade e problemas de comportamento também estão associados à AOS.

Questionários para o paciente

Existem diversos questionários para o paciente disponíveis que podem ser utilizados na avaliação de um paciente que ronca. O escore na escala de roncos é um questionário para o paciente que mede a intensidade dos roncos ao fazer três perguntas relacionadas a intensidade, frequência e periodicidade dos roncos, com quatro respostas possíveis (0 a 3), fornecendo um escore máximo possível de 9.[26]

Uma medição da sonolência diurna excessiva (SDE) pode ser realizada subjetivamente pela Escala de Sonolência de Epworth (ESE) no questionário para o paciente. Epworth Sleepiness Scale Opens in new window Os pacientes são solicitados a classificar em uma escala de 0 a 3 a probabilidade de adormecerem em 8 situações específicas. Um escore acima de 10 (em 24) indica SDE. No entanto, a ESE carece de sensibilidade e especificidade como ferramenta de rastreamento para AOS, portanto, em um paciente específico, a ESE pode por si só não ser muito útil e agir apenas como um guia.[12]

Exame

As seguintes características, em particular, devem ser avaliadas durante o exame físico de um paciente que ronca.

Exame físico de rotina

  • A aparência clínica pode sugerir que um paciente apresenta hipotireoidismo ou acromegalia.

Índice de massa corporal (IMC)

  • O IMC é uma medição que ajuda a definir o grau de obesidade. Ele é calculado dividindo-se o peso em quilogramas pela altura em metros quadrados (kg/m²). IMC normal = 19 a 25, sobrepeso = 26 a 30, obesidade tipo I = 30 a 34.9, obesidade tipo II = 35 a 39.9, obesidade tipo III = >40.

Anormalidades craniofaciais

  • A anatomia esquelética subjacente pode resultar no estreitamento das vias aéreas, predispondo ao ronco. A retrognatia ou a micrognatia impedem a língua de estar posicionada suficientemente para frente durante o sono, portanto, também predispondo ao ronco.

Nariz

  • Deformidades nasais externas podem contribuir para fluxo aéreo restrito. Por exemplo, ossos nasais desviados frequentemente indicam um desvio do septo nasal com fluxo aéreo reduzido.

  • O paciente deve ser solicitado a inalar e observar se ocorre qualquer colapso alar (isto é, movimento para dentro da parte externa das narinas).

  • A parte interna do nariz deve ser examinada com um otoscópio, uma lanterna ou, idealmente, um nasoendoscópio.


    Como examinar a cavidade nasal
    Como examinar a cavidade nasal

    Vídeo explicando como realizar um exame do nariz e da cavidade nasal


  • Cornetos inferiores grandes e pálidos estão associados à rinite alérgica.

  • Pode ocorrer hipertrofia dos cornetos, desvio do septo nasal, pólipos nasais ou, raramente, um tumor causando obstrução nasal.

Tamanho da língua

  • Olhando para o interior da boca com a língua em repouso, o tamanho da língua pode ser graduado de 1 a 4, de acordo com o escore de Mallampatti modificado, em que 1 = pode visualizar as amígdalas, 2 = pode visualizar a úvula, 3 = pode visualizar o palato mole, 4 = pode visualizar apenas o palato duro.

Tamanho das amígdalas

  • Olhando para o interior da boca, o tamanho das amígdalas pode ser graduado de 0 a 4, em que 0 = as amígdalas não estão presentes, 1 = amígdalas dentro dos pilares, 2 = amígdalas até a borda dos pilares, 3 = amígdalas além dos pilares, 4 = amígdalas se estendem para a linha média.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Orofaringe obstruída pelas amígdalas, pelos pilares posteriores proeminentes e pela úvula grandeDo acervo do Dr. Showkat Mirza; usado com permissão [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@7c54850a

Palato mole

  • A anatomia do palato mole é altamente variável e alguns aspectos podem contribuir para o ronco, como a presença de redundância do pilar posterior e da úvula e um palato mole e úvula excessivamente longos.

Vias aéreas superiores

  • A endoscopia flexível permite uma avaliação completa das vias aéreas superiores, desde a cavidade nasal até a laringe, procurando por fatores predisponentes para o ronco, como tecido adenoidal, amígdalas linguais, anormalidades da epiglote e, ocasionalmente, cistos ou tumores hipofaríngeos. Tecido adenoidal é uma causa comum de ronco em crianças com ou sem hipertrofia tonsilar. Hipertrofia das adenoides é rara em adultos, mas, quando ocorre, geralmente afeta adultos jovens.

Manobra de Müller

  • Essa técnica pode diferenciar obstrução pela base palatal e base da língua ou multissegmentar. É executada nasoendoscopia flexível, com o paciente sentado e com a boca fechada. O endoscópio de fibra óptica é posicionado no nível da base da língua. O paciente inala vigorosamente enquanto as narinas e a boca estão ocluídas e é observado o grau de colapso hipofaríngeo. Essa manobra é então repetida com o endoscópio posicionado logo acima do palato mole (nível velofaríngeo).

  • Isso pode auxiliar a avaliar a adequação dos pacientes para a uvulopalatofaringoplastia (UPFP).[27]

Método hipotônico endoscópico passivo

  • Essa é outra técnica que pode diferenciar obstrução pela base palatal e base da língua ou multissegmentar. A nasoendoscopia flexível é realizada com o paciente acordado na posição supina no final da expiração (isto é, o paciente em expiração máxima), quando o tônus fásico dos músculos se encontra em seu nível mínimo; isso pode apontar para onde a obstrução está ocorrendo durante o sono.[28]

Testes e investigações

Vários testes e investigações adicionais podem ser indicados, dependendo dos achados da anamnese e do exame físico.

Se houver suspeita clínica, testes da função tireoidiana podem confirmar ou descartar o hipotireoidismo como uma causa contributiva para o ronco. Da mesma forma, caso haja suspeita clínica de acromegalia, a medição dos níveis de hormônio do crescimento pode fornecer evidências que corroborem diagnóstico. Se um paciente tiver rinite alérgica, testes alérgicos cutâneos por puntura e testes séricos de IgE específica para alérgenos podem identificar alérgenos específicos. Caso a obstrução nasal seja considerada uma causa contributiva significativa, pode ser útil um teste com descongestionante nasal. Isso envolve o uso de um descongestionante nasal tópico em noites alternadas por 1 semana e a comparação da intensidade do ronco. Caso o uso do descongestionante resulte em melhora dos sintomas, pode valer a pena tratar as anormalidades nasais para melhorar o ronco.[29]

Um estudo noturno do sono pode ser feito, caso haja preocupação quanto a uma possível AOS. O estudo do sono mais simples é a oximetria de pulso noturna. Esse exame mede a saturação de oxigênio e fornece dados da frequência do pulso. O exame pressupõe que, quando um indivíduo apresenta um episódio apneico ou hipopneico, a saturação de oxigênio diminui. Uma vez que a apneia ou hipopneia seja aliviada, a dessaturação do oxigênio se recupera. As diminuições e os aumentos são considerados depressões do oxigênio.[12] Alguns médicos utilizam a oximetria isoladamente como um rastreamento para AOS. Infelizmente, estudos utilizando a oximetria noturna como uma ferramenta de rastreamento para AOS têm mostrado boa especificidade e valor preditivo positivo, mas baixa sensibilidade e valor preditivo negativo.[30] Isso significa que a oximetria noturna pode não detectar os indivíduos com AOS que não dessaturam. Ela também pode não detectar os pacientes com síndrome da resistência das vias aéreas superiores (SRVAS). A polissonografia completa continua a ser o método definitivo para o diagnóstico de AOS.[12] Um índice de apneia-hipopneia (IAH) acima de 5 indica AOS.

A manometria faríngea, na qual sondas de pressão são inseridas por via nasal no interior das vias aéreas superiores, juntamente com um estudo do sono noturno, pode ajudar a identificar se o ronco está ocorrendo ao nível do palato ou da base da língua.[31] Geralmente, isso só é realizado em pacientes que expressaram desejo de serem considerados para cirurgia do palato e que sejam candidatos adequados.

A nasoendoscopia durante o sono pode auxiliar a identificar o local de origem do ronco e selecionar pacientes adequados para a cirurgia do palato.[32] Ela envolve a sedação do paciente com propofol a um nível de sono suficiente para induzir o ronco. Com o paciente em posição supina, o cirurgião examina o trato aerodigestivo superior com um nasoendoscópio flexível para determinar o(s) nível(is) de obstrução. Uma vez mais, isso geralmente é realizado em pacientes que tenham expressado o desejo de serem considerados para a cirurgia do palato e que sejam candidatos adequados.

Estudos de imagem também podem desempenhar um papel útil na identificação dos locais de estreitamento e obstrução. A tomografia computadorizada (TC) tridimensional do crânio e pescoço pode ser útil para avaliar a patência das vias aéreas superiores em pacientes com distúrbio respiratório do sono.[12] A ressonância nuclear magnética (RNM) ultrarrápida pode ser usada em pacientes acordados e adormecidos para avaliar o local da obstrução das vias aéreas superiores, mas não está disponível em todos os centros, e períodos curtos de sono em um equipamento de RNM podem não ser representativos de um padrão de sono normal.[12]

A análise acústica do ronco pode ser útil para determinar objetivamente seu volume e duração, mas é apenas de uso limitado na detecção do local do ronco.[33] Ela também pode ser uma ferramenta útil na pesquisa para avaliar o impacto de vários fatores ambientais e do paciente na intensidade do ronco.[34][35]

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