Abordagem

A evolução histórica do tempo ajuda no diagnóstico diferencial de afasia. O início súbito ou a progressão rápida indica acidente vascular cerebral (AVC) ou outra causa vascular. Uma evolução lentamente progressiva leva à consideração de causas degenerativas, neoplásicas ou neuroimunológicas.

História

Um início súbito de afasia em um adulto de maneira geral saudável mais provavelmente tem causa vascular (AVC isquêmico ou hemorragia intracerebral). No entanto, um tumor, uma infecção ou outra lesão limitada a um único território vascular frequentemente mimetizam a síndrome do AVC.

Considerações quanto ao ritmo do início e quanto à doença coincidente podem ampliar o diagnóstico diferencial da causa.[38]

  • O início rápido com desnutrição gerará suspeita de encefalopatia de Wernicke, que mimetiza afasia.

  • Afasia fluente de início rápido com intenso comprometimento do significado das palavras deve ser tratada como encefalite herpética, até prova em contrário.[23]

  • Afasia decorrente de convulsão ou enxaqueca pode surgir em pacientes com história de epilepsia ou cefaleias enxaquecosas.

  • A afasia é uma característica de apresentação atípica na doença do príon (por exemplo, doença de Creutzfeldt-Jakob). A afasia isolada pode ser de duração curta ou prolongada.[32]​​[33][34]

  • Perda de peso pode ser um sinal de câncer ou de deficiência nutricional, levantando suspeita de tumor ou de encefalopatia de Wernicke.

  • Comprometimento da linguagem ao longo de, pelo menos, 2 anos, seguido pelo início de outros deficits cognitivos ou comportamentais, sugere um distúrbio neurodegenerativo, como doença de Alzheimer ou afasia progressiva primária.[26][27]

Exame físico de rotina

Manifestações inespecíficas podem apontar para a etiologia da afasia.

  • Febre ou taquicardia podem ser sinais de causa infecciosa, como encefalite herpética ou abscesso cerebral.

  • Ocorre rigidez de nuca com meningoencefalite ou hemorragia subaracnoide.

  • O estado deprimido, apático ou maníaco é comum depois de um AVC ou na demência.

  • Arritmia cardíaca, sopro carotídeo e deficit de pulso periférico sugerem AVC isquêmico, doença de Lyme do sistema nervoso central (SNC) ou estenose da carótida.

  • Afasia traumática pode ser acompanhada por achados típicos de traumatismo cranioencefálico, como hematomas, fraturas, sangramento ou secreção nasal aquosa (rinorreia do líquido cefalorraquidiano [LCR]).

Sinais oftálmicos, como ptose, miose, cortes no campo visual ou oftalmoplegia, também podem ocorrer.

  • Ptose e miose unilaterais são sinais de dissecção da carótida como causa do AVC.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Ptose e miose que afetam o olho esquerdo do paciente.Reproduzido com permissão da Science Photo Library. [Citation ends].com.bmj.content.model.assessment.Caption@7c1d97e0

  • A oftalmoplegia está associada à encefalopatia de Wernicke e a tauopatias (neurodegeneração resultante de emaranhados neurofibrilares de proteína tau), que podem causar afasia progressiva não fluente.

  • Uma oftalmoplegia intranuclear sugere esclerose múltipla.

  • Deficits do campo visual são comuns em AVC e enxaqueca.

Exame neurológico

Deficits neurológicos podem indicar a extensão relativa do dano cerebral. A postura e a marcha podem ser afetadas por rigidez troncular ou hemiparesia dos membros inferiores. Deficits sensitivos no lado direito frequentemente acompanham a afasia decorrente de lesões parietais ou talâmicas esquerdas de qualquer causa.

Vários aspectos da linguagem são testados para diferenciar várias síndromes afásicas, associados a territórios vasculares específicos.[39]​ Tenha em mente que qualquer lesão dentro de um território vascular específico (não apenas AVC) pode causar sintomas da síndrome afásica associada. Comprometimentos dos seguintes domínios da linguagem fornecem pistas quanto à localização do dano:

  • Qualidade da fala espontânea (por exemplo, emissão de fala agramática na afasia de Broca)

  • Nomeação (deficit típico de todas as afasias, mas também de demência)

  • Repetição (desproporcionalmente comprometida na afasia de condução e desproporcionalmente preservada nas afasias transcorticais)

  • Compreensão de frases semanticamente reversíveis em comparação com frases semanticamente não reversíveis (ambas comprometidas na afasia de Wernicke; somente a primeira delas comprometida na afasia de Broca)

  • Leitura e escrita (deficits associados a todas as afasias, mas também podem ocorrer isoladamente).

A avaliação da cognição ajudará a diferenciar a afasia de distúrbios mais difusos, como demência, em que ocorrem comprometimentos de:

  • Tempo de atenção

  • Habilidades visuoespaciais

  • Memória recente e remota

  • Funções executivas

  • Comportamento ou conduta social.

Os achados do neurônio motor superior e de nervos cranianos podem indicar uma afasia vascular ou não vascular:

  • Fraqueza facial por acometimento do neurônio motor superior frequentemente acompanha AVC.

  • Esclerose múltipla e as tauopatias que causam afasia progressiva não fluente podem causar disfunção central dos nervos cranianos (neurônio motor superior).

  • Outros deficits de nervos cranianos devem levantar a suspeita de uma etiologia sistêmica de afasia (por exemplo, infecção ou tumor).

Deficits do neurônio motor inferior geralmente são características de afasia de etiologia não vascular:

  • Doença de Lyme

  • Meningite carcinomatosa ou linfomatosa

  • Sarcoidose

  • Afasia/disartria/doença do neurônio motor (esclerose lateral amiotrófica/demência frontotemporal).

A ataxia está associada à afasia verdadeira em casos de:

  • Múltiplos AVCs ou múltiplas lesões na esclerose múltipla

  • Sarcoidose

  • Doença neoplásica

  • Trauma

  • Encefalopatia de Wernicke

  • Algumas raras doenças degenerativas.

Exames por imagem

Tomografia computadorizada (TC) sem contraste do crânio

  • Investigação inicial para suspeita de AVC, amplamente disponível.[20]​​[21]​​[22]​​[40]

  • A imagem cerebral deve ser concluída rapidamente para distinguir entre AVC isquêmico, hemorragia intracerebral e hematoma subdural.[21]​​[22][37][41]

Ressonância nuclear magnética (RNM) com imagem ponderada por difusão

  • Pode ser usada no lugar da TC, se puder ser obtida rapidamente.[21][22][40]

Angiografia

  • Imagens vasculares detalhadas com angiotomografia ou angiografia por ressonância magnética (RM) são adjuvantes aos estudos iniciais nos casos em que há suspeita de uma causa vascular.[40]

  • A angiografia cerebral invasiva convencional (angiografia digital por subtração [ADS] intra-arterial por cateter) também tem uma função; ela é recomendada nos pacientes com HIC espontânea e angiotomografia ou angiografia por RNM sugestiva de causa macrovascular (por exemplo, malformação arteriovenosa ou aneurisma).[37]

RNM com e sem contraste quando não há suspeita de etiologia vascular

  • Essencial para um diagnóstico diferencial mais amplo, incluindo doença desmielinizante, câncer e infecções.

TC ou RNM para avaliar a atrofia assimétrica do hemisfério esquerdo

  • Pode ajudar a distinguir tipos de afasia progressiva primária de outras doenças degenerativas.

Tomografia por emissão de pósitrons (PET) ou tomografia computadorizada por emissão de fóton único

  • O achado de hipoperfusão focal ou hipometabolismo também pode ser útil na diferenciação dos subtipos de afasia progressiva primária uns dos outros e de outras doenças degenerativas.[42]

  • Múltiplos marcadores de amiloide na PET (por exemplo, florbetapir, florbetaben, flutametamol) ligam-se especificamente às placas fibrilares amiloides; um sinal elevado é corrobora o diagnóstico de doença de Alzheimer.[43]

Estudos cardíacos e vasculares especializados podem ser úteis na avaliação de afasia

  • A ecocardiografia pode revelar vegetação ou outra fonte de cardioembolismo e pode direcionar a terapia (ou seja, anticoagulação).

  • O teste de bolhas (contraste de soro fisiológico realça a visualização dos defeitos septais cardíacos) pode ser útil na detecção de forame oval patente no adulto.[44]

  • O Doppler de carótidas pode revelar estenose da carótida comum ou interna que contribua para insuficiência vascular e AVC.[45]

  • A angiografia por ressonância magnética do pescoço/círculo de Willis pode identificar oclusão que contribua para insuficiência vascular e pode direcionar a terapia específica para a área de interesse.

Radiografia torácica e TC do tórax

  • Podem ser diagnósticas de linfadenopatia hilar, levantando a suspeita de sarcoidose como etiologia da afasia.

Estudos auxiliares

Punção lombar

  • Essencial em caso de suspeita de uma causa infecciosa com base em febre, taquicardia, náuseas ou leucocitose.

  • O líquido cefalorraquidiano (LCR) também pode ser útil no diagnóstico de causas neoplásicas, esclerose múltipla e outras causas neuroimunológicas.

  • A evidência de amiloidose no LCR pode fornecer evidências adicionais que falam a favor do diagnóstico de doença de Alzheimer.


    Punção lombar diagnóstica em adultos: demonstração animada
    Punção lombar diagnóstica em adultos: demonstração animada

    Como realizar uma punção lombar diagnóstica em adultos. Inclui uma discussão sobre o posicionamento do paciente, a escolha da agulha e a medição da pressão de abertura e fechamento.


Eletroencefalografia (EEG)

  • Exame essencial se convulsão for a causa suspeita.

  • Também pode ser útil no diagnóstico de encefalite herpética e doença de Creutzfeldt-Jakob.

Exame neuropsicológico

  • Às vezes, é necessário para diferenciar afasia de demência.

Eletromiografia

  • Pode revelar lesões no neurônio motor inferior associadas à esclerose lateral amiotrófica.

Exames laboratoriais

  • Solicita-se a tiamina sérica em caso de suspeita de encefalopatia de Wernicke (por exemplo, em pessoas com transtornos decorrentes do uso de bebidas alcoólicas) e na presença de sinais clínicos, como confabulação, diplopia, nistagmo e ataxia. O tratamento presuntivo com tiamina intravenosa não deve ser protelado enquanto se esperam os resultados das investigações laboratoriais.

  • A glicose sérica deve ser verificada em todos os pacientes com suspeita de AVC.

  • Deve-se solicitar um hemograma completo quando for possível que a etiologia seja infecciosa.

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