Abordagem
A abordagem diagnóstica a um paciente com taquicardia concentra-se na avaliação rápida das consequências clínicas e na avaliação cuidadosa para identificar o mecanismo da arritmia e o ambiente no qual ela está ocorrendo (toxicidade medicamentosa, doença cardíaca estrutural, isquemia).
Caso haja instabilidade hemodinâmica, é importante que as manobras diagnósticas não retardem a terapia necessária para interromper a taquicardia.[1][2][50]
História
Geralmente, os pacientes com taquicardia paroxística estarão assintomáticos no momento da avaliação. Os sintomas associados à taquicardia incluem palpitações, fadiga, tontura, pré-síncope, desconforto torácico e dispneia.
Os detalhes do padrão dos sintomas devem ser obtidos, como palpitações regulares ou irregulares, número e frequência dos episódios, potenciais gatilhos, início abrupto ou gradual, duração dos sintomas e como a taquicardia foi interrompida.
A história deve também incluir uma avaliação de possíveis estressores como hipovolemia, infecção, isquemia, insuficiência cardíaca; o esquema medicamentoso do paciente (inclusive suplementos fitoterápicos); uma história abrangente de uso ou abuso de substâncias (inclusive cafeína, bebidas energéticas e outros estimulantes); e qualquer história familiar de arritmias ou morte súbita.
Pré-síncope e síncope associadas a taquiarritmia e doença cardíaca estrutural têm um prognóstico desfavorável e requerem questionamento imediato detalhado referente ao evento.
Uma história de início e término gradual é mais comum com taquicardia sinusal e taquicardia atrial, ao passo que um início e término abrupto é mais comum para taquicardias de reentrada como taquicardia supraventricular (TSV) e taquicardia ventricular (TV). A capacidade de interromper o ritmo abruptamente com manobras vagais sugere que o circuito do ritmo de reentrada envolve o nó atrioventricular (AV) e está associado à taquicardia por reentrada no nó atrioventricular (TRNAV) ou à taquicardia reciprocante atrioventricular (TRAV) ortodrômica.[14]
É importante observar que um conceito errôneo comum é o de que a estabilidade hemodinâmica pode ajudar a 'descartar' a TV. No entanto, a TV pode ser comumente tolerada hemodinamicamente e, por outro lado, algumas arritmias atriais (por exemplo, fibrilação atrial e flutter atrial conduzidas com uma frequência ventricular rápida) podem ser mal toleradas. Logo, a estabilidade hemodinâmica não deve ser um fator para distinguir a TV das arritmias atriais.
Exame físico
O exame físico padrão não é geralmente revelador, particularmente se a taquicardia for episódica e não estiver presente no momento da avaliação.
O exame físico deve incluir um exame cardíaco detalhado para avaliar uma doença cardíaca valvar, congênita ou outra doença cardíaca estrutural.
Uma avaliação cuidadosa dos sinais de cardiomiopatia deve ser realizada devido ao prognóstico pior de taquiarritmias associado a doença cardíaca estrutural. Isso inclui buscar por B3 em galope, ictus de ventrículo direito (VD), ponto de impulso máximo deslocado lateralmente e outros sinais de insuficiência cardíaca (pressão venosa jugular elevada, edema de membros inferiores).
Se os pacientes apresentarem sintomas no momento da avaliação física, determinar se o pulso é regular ou irregular pode ajudar enormemente no diagnóstico. Os achados do exame físico associados à dissociação atrioventricular (AV) como ondas "A" em canhão ou variabilidade na intensidade da B1 são altamente sugestivos de taquicardia ventricular (TV).[51]
Estudos diagnósticos: ECG de 12 derivações
O eletrocardiograma (ECG) de 12 derivações em repouso é a base da avaliação padrão de taquicardia.
Mesmo que o paciente não tenha taquiarritmia no momento do ECG, pode-se avaliar evidências de um infarto do miocárdio anterior (ondas Q patológicas), intervalo QT prolongado, isquemia, alargamento ou hipertrofia atrial ou ventricular e sinais de pré-excitação.
Uma evidência de pré-excitação, evidenciada por um complexo QRS alargado com um onda delta, deve elevar a suspeita de taquicardia reciprocante atrioventricular (TRAV). O ECG também deve ser cuidadosamente avaliado para excluir artefatos como interferência elétrica ou movimento das derivações para monitoramento por telemetria como causa da anormalidade observada.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Artefato sobrepondo o ritmo sinusalDo acervo de Robert W. Rho, MD; usado com permissão [Citation ends].
Se o paciente estiver apresentando a taquiarritmia no momento do eletrocardiograma (ECG), os achados podem ser diagnósticos.
Tendo determinado se a taquiarritmia tem um intervalo QRS largo ou estreito, pode-se aplicar o algoritmo diagnóstico adequado para desenvolver um diagnóstico diferencial ou preliminar.[1] Se as ondas P não puderem ser observadas, às vezes uma derivação esofágica também pode ser usada para ajudar a determinar a relação átrio:ventrículo durante a taquicardia.[1][2]
Durante a avaliação de uma taquicardia regular com complexo QRS estreito (<120 ms), a avaliação da resposta a um bloqueio elevado do nódulo atrioventricular (AV), seja com massagem nas carótidas ou adenosina, pode ajudar no diagnóstico diferencial. A adenosina intravenosa deve ser administrada em um ambiente monitorado, com o registro contínuo do ECG de 12 derivações no momento da manobra. A ausência de efeito na frequência ventricular, uma desaceleração temporária gradual da frequência ventricular, ou um encerramento súbito da taquicardia, pode ser útil no diagnóstico e pode ser terapêutico em algumas situações. Um bloqueio AV temporário pode desmascarar uma taquiarritmia atrial. Se não for eficaz ou viável e o paciente estiver hemodinamicamente estável, pode-se utilizar betabloqueador, diltiazem ou verapamil intravenosos.
Para a avaliação de uma taquicardia com QRS largo (>120 ms), a diferenciação entre taquicardia supraventricular (TSV) e taquicardia ventricular (TV) é importante porque os medicamentos intravenosos para TSV (verapamil ou diltiazem) podem ter consequências adversas e até fatais em um paciente com TV. Se a diferenciação entre TSV e TV não puder ser feita, deve-se suspeitar e tratar como TV até que se prove o contrário, especialmente em um paciente com doença cardíaca estrutural.
Uma maneira útil de subcategorizar as TSVs é avaliar a relação entre a onda P e a onda R precedente. As TSVs podem ser categorizadas em taquicardias com intervalo RP curto (RP igual a menos da metade do intervalo R-R) e taquicardias com intervalo RP longo (RP igual a mais da metade do intervalo R-R). A taquicardia com intervalo RP curto com ondas P retrógradas geralmente representam TRNAV típica (lenta-rápida), TRAV ou taquicardia atrial com condução AV prolongada. Uma taquicardia com intervalo RP longo geralmente representa uma taquicardia juncional reciprocante permanente, TRNAV atípica (rápida-lenta) ou uma taquicardia atrial conduzida com condução de nó AV rápido.[1][2]
Estudos diagnósticos adicionais
Dispositivos de monitoramento
Se os pacientes apresentarem episódios frequentes (vários por dia) de uma taquiarritmia presumida, mas não estiverem apresentando o ritmo no momento da avaliação, pode ser usado um registro de Holter ambulatorial de 24 a 48 horas.
Se os episódios forem menos frequentes e a probabilidade de ocorrerem durante o período de monitoramento de 24 a 48 horas for pequena, pode ser usado um loop event recorder.[52][53]
Se os episódios ocorrerem raramente (<2 episódios por mês) e estiverem associados a instabilidade hemodinâmica ou síncope (nesse caso, a ativação de um monitor de eventos é improvável), um loop event recorder implantável é adequado e demonstrou ser efetivo.[50]
Caso o paciente já esteja utilizando um marca-passo ou desfibrilador, a avaliação dos parâmetros do dispositivo pode ajudar enormemente no diagnóstico.[5]
Tecnologias diretas ao consumidor
Dispositivos de gravação de ECG vestíveis e remotos podem ser usados por pacientes fora de um cenário médico para fornecer ECGs de derivação única/múltipla.[54][55] Alguns dispositivos podem não estar aprovados como dispositivos médicos.
Os médicos devem estar preparados para discutir os resultados gerados pelo uso dessas tecnologias e entender seus riscos e limitações.[56]
O ECG de 12 derivações continua sendo o padrão ouro para a detecção e avaliação de taquicardia.
Exames por imagem
O diagnóstico por imagem não é necessário em todos os casos e seu uso depende da natureza da suspeita de taquiarritmia e do quadro clínico geral do paciente.
As indicações de ecocardiografia incluem a taquicardia de complexo largo de origem desconhecida, arritmias atriais sustentadas documentadas (fibrilação atrial, flutter atrial, taquicardia supraventricular [TSV]) ou achados na história ou no exame físico sugiram doença cardíaca estrutural.[57]
Teste ergométrico
O teste ergométrico pode ser útil para definir a associação da arritmia ao exercício, provocar a arritmia e excluir doença arterial coronariana significativa, se adequado.
Se a arritmia for provocada durante o estudo, é possível obter o início, o encerramento e um eletrocardiograma (ECG) de 12 derivações completo da arritmia.
O teste ergométrico é particularmente útil para provocar taquiarritmia ventricular (TV) em pacientes com suspeita de ter TV do trato de saída do ventrículo direito.
Teste eletrofisiológico
Um estudo diagnóstico eletrofisiológico (EF) é uma ferramenta útil para esclarecer o mecanismo de arritmias ventriculares ou supraventriculares sustentadas e não sustentadas. Em taquicardias de complexo largo onde o diagnóstico é incerto, um EF diagnóstico pode ser útil para estabelecer se a arritmia é de origem ventricular ou supraventricular. Em associação com o diagnóstico de taquiarritmias, diversas arritmias podem ser tratadas com sucesso com ablação por radiofrequência no momento do EF.
As indicações para o encaminhamento para um especialista em arritmia cardíaca para EF incluem, mas não se limitam a:
Taquicardias de complexo largo desconhecidas
Síndrome de Wolff-Parkinson-White (pré-excitação com arritmia)
História de infarto do miocárdio (IAM) com história ou sintomas sugestivos de TV.
Exames laboratoriais
A avaliação laboratorial basal deve ser direcionada ao quadro clínico geral do paciente. Mas uma série de exames devem ser incluídos:
Eletrólitos sanguíneos: particularmente potássio, magnésio e cálcio; hipovolemia, a qual pode se manifestar como azotemia pré-renal ou hipotensão ortostática, pode causar taquicardia sinusal
Hemograma completo: para determinar se a anemia é um fator contribuinte
Testes de função tireoidiana: particularmente se o hipertireoidismo estiver no diagnóstico diferencial; os resultados geralmente são normais
Marcadores cardíacos: para os pacientes que apresentam dor torácica, têm fatores de risco significativos para cardiopatia isquêmica ou estejam, pelo contrário, instáveis; podem mostrar se uma isquemia ou infarto são fatores contribuintes
Níveis de medicamentos: a toxicidade medicamentosa deve ser considerada, particularmente nos pacientes que estiverem recebendo digitálicos ou que apresentarem ritmos fortemente associados tais como TV bidirecional ou taquicardia atrial com bloqueio AV
Análise toxicológica: para estimulantes como cocaína, ou antidepressivos tricíclicos.
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