Abordagem
Transtornos depressivos da adolescência e da pré-adolescência são diagnosticados clinicamente, com base em uma avaliação diagnóstica minuciosa da história e da manifestação dos sintomas. É essencial que o diagnóstico seja feito com precisão, com informações de diversas fontes incluindo, mas não se limitando a estes apenas, criança, pais e escola (professores e conselheiros).
Os sintomas e sinais são identificados pelos pais ou professores, ou, menos comumente, são autorrelatados pela criança ou adolescente. O encaminhamento ao médico geralmente ocorre por meio dos pais, embora possa ser recomendado pela escola. De forma alternativa, o diagnóstico pode ser feito após rastreamento. A visão do autor é que crianças e adolescentes com fatores de risco para doença depressiva que são atendidos em unidades básicas de saúde devem ser rastreados para transtorno depressivo. O rastreamento de crianças e adolescentes com fatores de risco para transtorno depressivo maior também é recomendado no pronto-socorro.[63] Recomenda-se a triagem universal anual em um ambiente de atenção primária para todas as crianças com 12 anos ou mais, mesmo na ausência de fatores de risco específicos, de acordo com a orientação baseada nos EUA.[64] Essa abordagem é endossada pela US Preventive Services Task Force (USPSTF).[65] No momento, a USPSTF não recomenda o rastreamento para depressão em crianças de 11 anos ou menos, com base em evidências insuficientes do benefício líquido. No entanto, observe que, em crianças dessa faixa etária a identificação precoce pode facilitar a intervenção precoce.[66] As crianças que entram em contato com serviços psiquiátricos sempre precisam ser rastreadas para depressão, porque a depressão é altamente comórbida com outros transtornos psiquiátricos.[67] As escalas de classificação de depressão podem dar suporte ao diagnóstico inicial de depressão e podem facilitar a medição da resposta ao tratamento ao longo do tempo ("tratamento baseado na medição").[66] Consulte "Rastreamento" para obter mais detalhes sobre os instrumentos de rastreamento recomendados (escalas de classificação de depressão) em diferentes faixas etárias.
Uma avaliação de segurança, incluindo ideação suicida e autolesão, deve ser realizada pelo médico na primeira consulta médica e em todas as consultas subsequentes.[64][68] Em adolescentes, a pergunta sobre a probabilidade de suicídio normalmente deve ser feita em caráter confidencial, sem a presença dos cuidadores, pois os jovens podem relutar em relatar a ideação suicida na companhia de cuidadores.[68] A American Academy of Pediatrics (AAP) recomenda o uso de uma breve avaliação de segurança do risco de suicídio (BSSA) para todos os pacientes que apresentam ideação suicida, para explorar ainda mais seu risco pessoal e os fatores de proteção. Observe que a BSSA é diferente da ferramenta de rastreamento inicial, que apenas identifica o risco.[69] É essencial perguntar sobre o acesso a meios letais (armas de fogo, medicamentos, substâncias ilícitas, facas, cordas) quando é revelada uma ideação suicida ou plano, seguido pelo aconselhamento e mitigação de risco personalizados.[68][70] Um resultado positivo de rastreamento para ideação suicida deve ser seguido de um planejamento de segurança, uma intervenção que envolve ajudar o paciente a identificar seus fatores de risco para ideação suicida, bem como uma série de apoios aos quais ele pode recorrer para reduzir o risco de autolesão. Crianças e adolescentes deprimidos com probabilidade grave de suicídio cuja segurança não pode ser garantida, ou com psicose importante, requerem encaminhamento urgente para o pronto-socorro.
Consulte: Mitigação do risco de suicídio.
Os outros riscos de segurança a serem explorados incluem comportamento arriscado e impulsividade. Os médicos devem explorar a exposição a adversidades na infância; se houver suspeita de abuso ou negligência, pode ser necessária a história colateral, além de encaminhamento às autoridades locais de bem-estar infantil, de acordo com o local da prática.[66] Duas perguntas básicas podem ajudar a orientar uma avaliação de proteção: (1) O paciente corre risco no presente? (2) O paciente e seus familiares são capazes de aderir às recomendações relativas a supervisão, proteção e cuidados de acompanhamento? As respostas a essas perguntas ajudarão a orientar o nível e a intensidade adequados dos cuidados.[66]
Não existe exame específico para a depressão na infância. Hipotireoidismo, anemia, doenças autoimunes, deficiências de vitaminas e mononucleose infecciosa podem provocar sintomas de depressão. O risco de depressão também é elevado na doença inflamatória intestinal, asma e epilepsia, e com o uso de medicações que são depressogênicas, incluindo corticosteroides. Hemograma completo inicial com diferencial e teste de função tireoidiana devem ser realizados para descartar causas clínicas de depressão, especialmente se outros sintomas dessas doenças estiverem presentes ou se a criança apresentar fatores de risco para tais doenças.
História
Tanto a criança quanto os pais/responsáveis devem ser entrevistados, separados ou juntos ou ambos, conforme indicação clínica e pelo desenvolvimento.[66] Para crianças maiores e adolescentes, as boas práticas indicam que devem ser entrevistados sozinhos durante, pelo menos, uma parte da consulta, e isso pode incentivar os jovens a descreverem os sintomas que relutam em mencionar na presença de adultos responsáveis. O rastreamento deve ser concluído por meio de entrevista médica direta, além dos instrumentos de rastreamento.[64] Uma história colateral (por exemplo, de professores, médicos de atenção primária, assistentes sociais infantis, outros familiares etc., conforme a necessidade, assegurando-se de obter consentimento) pode ser benéfica.[66]
Especialmente no caso de adolescentes, entrevistá-los primeiro pode promover o envolvimento. É importante que seja feita uma investigação cuidadosa dos seguintes pontos para formular um diagnóstico:
Duração dos sintomas depressivos desde o seu surgimento
Possíveis fatores desencadeadores
Quaisquer alterações de funcionamento.
Frequentemente, a depressão em adolescentes e pré-adolescentes é desencadeada pela perda de entes queridos (incluindo animais de estimação), perda do apoio dos colegas por mudança, e conflitos com colegas e/ou pais. Uma análise cuidadosa dos itens a seguir o ajudará a excluir diagnósticos diferenciais e formular um plano de tratamento:
História do desenvolvimento
História médica
Presença de transtornos psiquiátricos comórbidos, uso ou abuso de substâncias
História familiar de doença psiquiátrica, especialmente depressão e transtorno bipolar.
Os fatores de risco fortemente associados a depressão incluem história familiar de depressão, outras psicopatologias parentais, estresse ou trauma, sexo feminino, minoria sexual (lésbica, gay, bissexual, transgênero e indeciso), história pessoal de outros transtornos psiquiátricos (por exemplo, ansiedade ou transtorno de conduta) ou afecção médica crônica, estado pós-parto, instabilidade social e de vizinhança e uso de medicamentos imunossupressores.
Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, quinta edição, texto revisado (DSM-5-TR): critérios para transtorno depressivo maior
O diagnóstico do transtorno depressivo maior (TDM) requer que a criança tenha 5 ou mais do 9 sintomas a seguir, indicando alteração significativa em relação à sua avaliação inicial, durante o mesmo período de 2 semanas, e pelo menos um dos sintomas deve ser humor depressivo ou irritável, ou anedonia.[1]
Humor depressivo ou irritável
Diminuição do interesse ou incapacidade de sentir prazer
Diminuição da concentração ou indecisão
Insônia ou hipersonia
Mudanças no apetite ou no peso
Fadiga excessiva
Sentimento de inutilidade ou culpa excessiva
Pensamentos recorrentes de morte, ideação suicida recorrente sem um plano específico, plano de suicídio específico ou tentativa de suicídio.
Agitação ou retardo psicomotor.
Além disso, estes sintomas devem causar comprometimentos funcionais significativos na escola, em ambientes sociais e/ou na família. Eles não são melhor explicados como reação de luto, e não são decorrentes do uso de uma substância ou afecção clínica. Não deve haver história de episódios maníacos ou hipomaníacos.
De maneira geral, a Classificação Internacional de Doenças, 11a revisão (CID-11) é consistente com os critérios do DSM-5-TR. O limiar da CID-11 para "episódio depressivo" é o mesmo: pelo menos cinco sintomas de uma lista de dez sintomas em vez de nove, como no DSM-5-TR. O sintoma adicional é "desesperança".[2]
O TDM pode ser classificado de acordo com o número de episódios que já ocorreram.
TDM, episódio único: a presença de 1 episódio depressivo maior, que não seja parte de um transtorno esquizoafetivo ou sobreposto a um transtorno psicótico; sem história de episódio maníaco ou hipomaníaco
TDM, recorrente: os critérios são os mesmos do episódio único de TDM, mas com pelo menos 2 episódios depressivos maiores.
O TDM também é classificado de acordo com 3 níveis de gravidade:
Leve
Moderado
Grave, com ou sem características psicóticas.
As características exatas de cada um destes níveis de gravidade não estão bem definidas. Cada médico deve julgar o nível de gravidade do transtorno depressivo, avaliando os comprometimentos funcionais, bem como a gravidade e o número de sintomas presentes. No entanto, se for necessária internação hospitalar para o tratamento de TDM, é classificado como grave. No caso da forma grave com características psicóticas, as características psicóticas podem ser congruentes ou não com o humor, dependendo se o conteúdo dos delírios ou alucinações for congruente ou não com os temas depressivos.
Existem 9 especificadores:
Com aflição ansiosa
Com características mistas
Com catatonia
Com características melancólicas
Com características atípicas
Com características psicóticas congruentes com o humor
Com características psicóticas incongruentes com o humor
Com início no periparto
Com padrão sazonal.
Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, quinta edição, texto revisado (DSM-5-TR): critérios para transtorno depressivo persistente
A criança deve apresentar pelo menos 3 dos sintomas a seguir, que devem estar presentes na maior parte do dia, devem ser mais frequentes que ausentes, e estarem presentes por pelo menos 1 ano, e um dos sintomas deve ser humor triste ou irritável:[1]
Humor triste ou irritável
Aumento ou redução do apetite
Insônia ou hipersonia
Baixa energia ou fadiga
Baixa autoestima
Baixa concentração ou indecisão
Sentimentos de desesperança.
Além disso, os seguintes critérios devem ser preenchidos para que seja feito um diagnóstico de transtorno depressivo persistente:
Durante o ano, o humor da criança não deixou de ser triste ou irritável e combinado com 2 outros sintomas por >2 meses consecutivos
Estes sintomas causam sofrimento significativo ou prejuízo a várias áreas importantes do funcionamento
Ausência de qualquer episódio maníaco ou hipomaníaco, ou de sintomas que preenchem os critérios de transtorno ciclotímico
Os sintomas não são causados por uma substância ou condição médica
Os sintomas não são melhor explicados por transtorno esquizoafetivo ou outro transtorno psicótico.
Sintomas manifestos
Deve-se interrogar a criança e os pais sobre sintomas depressivos específicos, com base nos critérios diagnósticos do DSM-5-TR. Os principais sintomas são humor triste e/ou irritável e redução no prazer das atividades/anedonia. Os sintomas associados incluem redução da concentração e do desempenho escolar, alterações no apetite, dificuldade para dormir, baixa autoestima, desesperança, culpa excessiva e pensamentos suicidas. Um sinal comum em uma criança deprimida é a retração social ou alterações nas relações sociais, pois a maioria das crianças ansiosas continua socialmente motivada. Embora isso não seja um critério diagnóstico do DSM-5-TR, queixas somáticas excessivas também podem ser comuns, especialmente nas crianças deprimidas mais jovens. Escalas de autoavaliação, avaliação dos pais e avaliação do clínico podem ser úteis na detecção dos sintomas. Estas escalas podem ser utilizadas ao longo do tratamento para monitorar de modo mais eficaz a melhora ou o agravamento dos sintomas.
Além disso, os clínicos precisam avaliar a criança quanto à presença de sintomas maníacos ou hipomaníacos, como humor eufórico, menor necessidade de sono e grandiosidade, bem como a história familiar para excluir a possibilidade de transtorno bipolar. Adultos com transtorno bipolar geralmente relatam que seus sintomas iniciais foram um episódio de transtorno depressivo. Todas as crianças e adolescentes com sintomas de depressão devem ser submetidos a rastreamento para sintomas maníacos.
Algumas vezes, crianças deprimidas também apresentarão alucinações ou pensamentos delirantes sobre inutilidade ou culpa como parte da síndrome do humor depressivo. Embora isso não signifique que a criança tem transtorno psicótico, é importante observar a presença desses fatores, garantir que melhorem com o tratamento para depressão e levá-los em consideração ao desenvolver um plano de tratamento.
A depressão ocorre frequentemente em concomitância com transtornos relacionados ao uso de substâncias na adolescência. Além disso, algumas substâncias são conhecidas por causarem sintomas depressivos.[57][58] De acordo com os critérios diagnósticos do DSM-5-TR, não se deve fazer um diagnóstico de TDM ou transtorno depressivo persistente se houver suspeita de os sintomas estarem relacionados a efeitos diretos de uma substância ou medicamento.
É importante excluir a possibilidade de uma resposta normal de luto como causa do quadro clínico. Embora os sintomas de depressão possam aumentar o risco de automedicação com diversas substâncias em crianças e adolescentes, é também importante excluir a possibilidade de o quadro clínico ser um efeito direto de uma substância.
Os médicos também devem avaliar a presença das seguintes comorbidades comuns de saúde mental, que podem afetar o diagnóstico e o tratamento do transtorno depressivo:[64]
Transtornos de ansiedade
Transtorno de deficit de atenção com hiperatividade
Transtorno do espectro autista
Abuso físico e trauma.
Comprometimento funcional
Deve-se incluir uma avaliação do comprometimento funcional resultante dos sintomas depressivos vigentes. Os sintomas depressivos devem causar incapacidade significativa em uma ou mais áreas funcionais (por exemplo, escola, casa, ambientes sociais) para atender aos critérios do DSM-5-TR de TDM ou transtorno depressivo persistente. Informações sobre a gravidade dos sintomas depressivos e do comprometimento funcional orientarão a abordagem do tratamento.
Exame
Não existem achados de exames físicos específicos para a depressão, mas a avaliação física ajuda a excluir causas clínicas de depressão. Os diversos fatores causadores clínicos incluem:
Mononucleose infecciosa
Avitaminoses
Anemia
Transtorno relacionado ao uso de substâncias
Disfunção tireoidiana.
Em muitos casos, os sintomas destas afecções não podem ser facilmente diferenciados dos sintomas de depressão (por exemplo, baixa energia, inapetência, hipersonia), o que deve ser considerado durante o exame físico e na investigação subsequente. Com as taxas crescentes de obesidade juvenil, que pode ser comorbidade com depressão, há um aumento nas deficiências de micronutrientes (por exemplo, vitamina B12, ferro, folato, vitamina D).[71]
Um exame do estado mental de atenção, afeto, fala, atividade motora, processo de pensamento, conteúdo dos pensamentos, pensamentos suicidas ou homicidas, alucinações, delírios, discernimento e julgamento de uma criança ajudam a determinar o nível de cuidados apropriado e a abordagem de tratamento. Pode-se notar agitação ou retardo psicomotor.
Investigações
Uma investigação para causas reversíveis de depressão deve ser considerada como prática padrão. Os exames iniciais mais comuns incluem:
Hemograma completo (com diferencial)
Hormônio estimulante da tireoide sérico e tiroxina livre
Exame de urina para detecção de drogas
Rastreamento para deficiências de vitaminas, especialmente B12, folato e vitamina D.
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