Abordagem

Todos os pacientes que estão clinicamente em estado de choque devem ser manejados em uma área de ressuscitação, em ambientes de alta dependência ou de terapia intensiva.

A saída da sala de ressuscitação deve ser considerada somente quando os sinais vitais do paciente estiverem estabilizados. Em qualquer avaliação de choque, as medições hemodinâmicas devem ser interpretadas no contexto clínico de alguns princípios básicos. As perguntas a seguir são úteis:

  • O paciente está em choque? (O fornecimento de oxigênio ou a demanda metabólica celular está sendo atendida?)

  • O paciente responde aos líquidos? (Ele apresenta uma pré-carga diminuída?)

  • Se o paciente apresenta resposta aos líquidos, o tônus arterial (pós-carga) aumenta ou diminui?

  • A função de bombeamento (contratilidade cardíaca) está aumentada ou diminuída?

A resposta a essas questões ajudarão a determinar o tipo de choque.

[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Parâmetros para diferenciação entre os tipos de choque e exemplosAdaptado com permissão de Rady MY. Bench-to-bedside review: Resuscitation in the emergency department. Crit Care. 2005;9:170-176'. [Citation ends].com.bmj.content.model.assessment.Caption@7ae363f7

Os indicadores de perfusão regional, como deficit de base e lactato sérico arterial ou venoso, são importantes porque a avaliação hemodinâmica precoce com base nos sinais vitais e na pressão venosa central (PVC) não detecta a hipóxia global precoce ou persistente.[44]

Parâmetros para avaliar o choque

Os critérios clínicos, incluindo os sinais vitais, o nível de consciência e as avaliações de perfusão periférica (gradiente de temperatura central-periférica, tempo de enchimento capilar), são obrigatórios.

Monitoramento hemodinâmico

  • O monitoramento da pressão arterial média (PAM), da PA sistólica e da PA diastólica pode ser realizado continuamente com um acesso arterial e confirmado com monitoramento não invasivo da PA de hora em hora.

  • A PAM pode ser estimada somando a pressão diastólica a um terço da diferença entre as pressões sistólicas e diastólicas.

Ultrassonografia[45]

  • A diminuição do enchimento e do diâmetro da veia cava inferior são sugestivos de choque hipovolêmico.

  • A ultrassonografia abdominal-torácica no local de atendimento (por exemplo, FAST [avaliação focada com ultrassonografia para trauma]) pode revelar pneumotórax (que pode ser complicado por pneumotórax hipertensivo) ou líquido livre na cavidade abdominal.[46]

  • A ecocardiografia para determinar volumes ventriculares e débito cardíaco é útil na avaliação do choque cardiogênico.[47]​ A ultrassonografia cardíaca pode revelar distúrbios valvares ou derrame pericárdico que podem estar associados ao tamponamento cardíaco.

Índice de choque[48]

  • Definido pela razão entre frequência cardíaca e PA sistólica.

  • Uma razão <1 está associada a uma resposta diminuída para a carga de volume, mas se for >1, indica geralmente uma resposta variável à administração de líquidos.[49]

  • O uso do índice de choque limita-se em grande parte ao choque hipovolêmico. Ele pode não ser confiável no choque séptico e cardiogênico (quando a frequência cardíaca pode aumentar em resposta a outros fatores) ou em quadros de idade avançada, hipertensão ou terapia com betabloqueadores ou bloqueadores dos canais de cálcio.[48][50]

Monitoramento dos efeitos sobre o sistema de órgãos

  • O débito urinário de <0.5 mL/kg/hora, a alteração no estado mental e a taquipneia indicam uma diminuição na perfusão dos órgãos.

  • O débito urinário é geralmente registrado a cada hora.

Marcadores séricos do metabolismo tecidual

  • Considera-se que um nível de lactato sérico normal em um paciente estressado é abaixo de 2 mmol/L (18 mg/dL).

  • Níveis de lactato >4 mmol/L (>36 mg/dL) foram associados a maior mortalidade por choque. A eliminação precoce do lactato está associada a um melhor prognóstico.[51]

  • O lactato pode ser medido com uma gasometria arterial, 2 a 3 vezes ao dia, ou mais frequentemente se necessário, para monitorar a resposta ao tratamento.

  • O deficit de base, o excesso de base negativo, também corresponde ao desfecho no choque. O deficit de base inicial não corresponde ao lactato sanguíneo inicial, pois há várias causas de lactato aumentado (por exemplo, metformina, beta-2 agonistas), além da hipoperfusão. O excesso de base é definido como a quantidade de íons de hidrogênio que seriam necessários para retornar o pH sanguíneo para 7.35, se os níveis de PaCO₂ fossem ajustados para o normal.[52]

Escores

Várias abordagens de estratificação de risco foram propostas. Todas contam com uma avaliação clínica estruturada e o registro dos sinais vitais do paciente.[35][37][38][40]​ É importante consultar as orientações locais para obter informações sobre a abordagem recomendada pela sua instituição. A cronologia das investigações e tratamentos deve ser orientada por essa avaliação inicial.[40]

​As ferramentas de rastreamento de sepse são desenvolvidas para promover a identificação precoce da sepse e consistem em métodos manuais ou uso automatizado dos registros eletrônicos de saúde. Isso inclui o escore de determinação da falência orgânica sequencial (ou relacionada à sepse; SOFA), os critérios de SOFA rápido (qSOFA), o Escore de Alerta Precoce Nacional (EAPN) e o Escore de Alerta Precoce Modificado (EAPM). A precisão de cada ferramenta varia, mas elas são um componente importante na identificação precoce da sepse para intervenção oportuna.[36]

Dentre esses escores, o escore de SOFA foi o mais estudado e foi adotado para ser usado em emergências e no manejo de cuidados intensivos de possíveis vítimas de choque, incluindo rastreamento para choque e avaliação contínua.[53][54][55] Um escore SOFA de 7 ou mais na avaliação inicial foi associado a um choque significativo, com um escore de 13 ou mais associado a um risco significativo de mortalidade no âmbito dos cuidados intensivos.

[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Critérios de determinação da falência orgânica relacionada à sepse (SOFA) sequencialCriado pelo BMJ, adaptado de Vincent JL, Moreno R, Takala J, et al. The SOFA (Sepsis-related Organ Failure Assessment) score to describe organ dysfunction/failure. Em nome do grupo de trabalho sobre problemas relacionados à sepse da European Society of Intensive Care Medicine. Intensive Care Med. 1996;22:707-710. [Citation ends].com.bmj.content.model.assessment.Caption@35770d5b

Critérios SOFA

O Third International Consensus Group (Sepsis-3) recomenda o uso do escore de determinação da falência orgânica relacionada à sepse (SOFA) (validado principalmente nos pacientes em unidade de terapia intensiva) para avaliar a sepse, com um escore ≥2 em um paciente com uma suspeita de infecção sendo sugestivo de sepse.[34]

No caso de pacientes com suspeita de sepse fora do ambiente de cuidados intensivos, descobriu-se que um escore SOFA modificado, o qSOFA, apresenta melhor previsibilidade de mortalidade intra-hospitalar.[56] No entanto, há evidências de que o qSOFA pode apresentar baixa sensibilidade em comparação a outros escores de alerta precoce à beira do leito.[57] Portanto, a Surviving Sepsis Campaign desaconselha o uso de qSOFA, em comparação com EAPN ou EAPM, como uma ferramenta única de rastreamento para sepse ou choque séptico.[36]

O reconhecimento precoce da sepse é essencial porque o tratamento precoce melhora os desfechos.[35]

Consulte o tópico Considerações de urgência para obter mais detalhes sobre o tratamento imediato.

Medição da pré-carga

A pré-carga é medida pela resposta dinâmica da pressão venosa central (PVC) a uma prova volêmica (por exemplo, 250 a 500 mL de solução cristaloide balanceada). Mini-provas volêmicas (por exemplo, 100 mL) podem ser usadas para predizer os efeitos de provas volêmicas maiores em pacientes gravemente enfermos.[58]

A ecocardiografia ou o monitoramento contínuo do débito cardíaco induzido por pulso também são usados para determinar o débito cardíaco. Em determinadas situações, cateteres de artéria pulmonar podem ser úteis no monitoramento inicial e contínuo da pré-carga.

Medição da responsividade de pré-carga

As medidas da resposta à pré-carga podem guiar a administração de fluidos. Os métodos incluem variação do volume sistólico, variação da pressão sistólica, variação da pressão de pulso, variação pletismográfica e elevação passiva das pernas.[59]​​[60]​​[61][62]​​[63]​​​[64]

Normalmente, um aumento no débito cardíaco de 10% a 12% após um bolus de 300 a 500 mL de cristaloides é considerado uma resposta positiva.

A avaliação do estado hemodinâmico é difícil em algumas situações, incluindo em pacientes ventilados mecanicamente. A administração inadequada de líquidos pode ser prejudicial, e as medidas de pré-carga (por exemplo, a PVC) são inúteis, pois se a pressão diastólica final ultrapassar um determinado valor, a administração de líquidos não aumenta o volume sistólico (lei de Starling).[60]

Medição da contratilidade e pós-carga

O débito cardíaco é o débito do ventrículo esquerdo/ventrículo direito por minuto. Há vários métodos de cálculo do débito cardíaco, mas ainda não se estabeleceu um padrão ideal.

O método mais usado é a ecocardiografia à beira do leito.[47] Os métodos alternativos não invasivos incluem a ultrassonografia com Doppler e a obtenção das medidas de pressão do pulso, embora essa última seja uma função tanto do débito cardíaco quanto da função arterial. Como o débito cardíaco é afetado pela fase da respiração, ele precisa ser medido todas as vezes no mesmo ponto no ciclo respiratório para permitir a comparação.

Outros métodos incluem a diluição e a termodiluição usando um cateter na artéria pulmonar. Esses métodos usam o princípio de Fick, e a taxa na qual a substância indicadora é diluída ou na qual a temperatura cai é proporcional ao débito cardíaco.

A proporção de débito cardíaco (volume sistólico x frequência cardíaca) para a área de superfície corporal em metros quadrados é o índice cardíaco. Os valores normais do índice cardíaco variam de 2.2 a 2.5 L/minuto/m². No choque cardiogênico, o índice cardíaco é normalmente <1.8 sem inotrópicos e <2.0 a 2.2 com inotrópicos.[65]

Resistência vascular sistêmica: medida da pós-carga resultante do débito cardíaco, da PAM e da pressão venosa central (PVC).

Medidas da perfusão tecidual

Fornecimento de oxigênio: a quantidade de oxigênio fornecida ao tecido é calculada como um produto do débito cardíaco, da saturação de oxigênio e do nível de hemoglobina no sangue. Fornecimento de oxigênio de >600 ml/min/m² foi associado a melhores desfechos.[66]

  • Fornecimento de oxigênio = débito cardíaco x saturação de oxigênio x nível de hemoglobina g/L (1.36) x 100.

Saturações venosas mistas de oxigênio: saturação do oxigênio na artéria pulmonar e padrão para definir a adequação global da perfusão tecidual.[67][68] As saturações venosas normais estão entre 65% e 75%. A saturação de oxigênio da veia cava superior é geralmente por volta de 8% maior se comparada com a saturação da veia cava inferior, mas ficam equivalentes no choque.[69][70] Uma elevação persistente de >80% na presença de fornecimento baixo de oxigênio significa um prognóstico desfavorável, pois indica a incapacidade do tecido em utilizar o oxigênio, sendo geralmente observada após a ressuscitação de uma parada cardíaca.[71] Durante a estabilização inicial, a hipóxia tecidual ainda poderá persistir, mesmo após serem obtidos os índices globais, como PA e débito urinário. Se não corrigida, pode ocasionar deficit de oxigênio.[44] O deficit de oxigênio é provocado pelo desequilíbrio entre o fornecimento e a demanda, associado a uma maior disfunção dos órgãos.[72] A correção precoce das saturações venosas para >70% é associada a melhores desfechos.[15] As saturações venosas <70% são preditores independentes da mortalidade.[73]

Lactato: níveis >4 mmol/L (>36 mg/dL) estão associados a maior mortalidade por choque. Os níveis de excesso de base são usados durante a ressuscitação à beira do leito para determinar a reposição de volume de líquidos em vítimas de trauma agudo.

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