Abordagem

A insuficiência adrenal primária (IAP) pode ser difícil de diagnosticar. As manifestações clínicas baseiam-se na deficiência de hormônios adrenocorticais (glicocorticoides, mineralcorticoides) e androgênios adrenais.[9] Ela se manifesta com sinais e sintomas inespecíficos, como fadiga, fraqueza e perda de peso, que são comuns a outras doenças. Outras manifestações incluem hiperpigmentação, hipotensão postural devido à perda de sal e à desidratação, hiponatremia, hipercalemia, alterações no hemograma (anemia, eosinofilia e linfocitose) e hipoglicemia.[2] Uma alta porcentagem de pacientes é diagnosticada após uma crise adrenal com risco de vida.[2] Os pacientes que apresentam características de crise adrenal (ou seja, hipotensão, insuficiência circulatória) devem ser tratados com urgência.[26] Devem ser realizados exames como linha basal, mas os exames diagnósticos não devem protelar o tratamento.[26]

Os grupos de pacientes com fatores causativos de desenvolvimento de IAP devem ser considerados de alto risco, de modo que um diagnóstico possa ser estabelecido precocemente. Os fatores de risco incluem sexo feminino e doenças autoimunes conhecidas, como diabetes do tipo 1, artrite reumatoide, anemia perniciosa, doença celíaca, vitiligo ou doença tireoidiana autoimune.[3][9][13] Outro fator de risco para o desenvolvimento de IAP é a ocorrência de hemorragia adrenal ou infarto hemorrágico. Isso pode ser causado por estados tromboembólicos e/ou hipercoaguláveis, como síndrome antifosfolipídica, sepse e trombocitopenia induzida por heparina.[9][17] Pacientes que tomam anticoagulantes apresentam aumento do risco de hemorragia adrenal.[2]

A insuficiência adrenal secundária pode estar associada à deficiência grave de cortisol, mas tem um quadro clínico diferente (por exemplo, sem aumento da pigmentação e somente com discreta deficiência de mineralocorticoide). Portanto, o achado de hipocortisolismo não é exclusivo da IAP. Uma história de tratamento com glicocorticoide nos últimos meses, ou a possibilidade de doença hipotalâmica-hipofisária (por exemplo, surgimento simultâneo de outras deficiências hipofisárias secundárias, como as deficiências da tireoide ou gonadais), deve justificar a avaliação para insuficiência adrenal secundária.

História

Fadiga e letargia (ou fraqueza) são os sintomas mais comumente presentes.[3] Eles são geralmente insidiosos e podem estar acompanhados por vários graus de fraqueza muscular generalizada, mialgias e artralgias. Os pacientes reclamam de perda gradual da energia ao longo do dia.

Anorexia está frequentemente presente e pode levar à perda de peso significativa. Ambos os sintomas são características importantes em pacientes com IAP.

Tontura, artralgia e mialgia são menos comuns.

Sintomas gastrointestinais, inclusive náuseas, vômitos e dor abdominal vaga são sintoma de apresentação inespecíficos e podem sugerir crise adrenal se houver agravamento agudo.[3] A fissura por sal pode estar presente.[3]

A história deve ser direcionada para estabelecer a causa subjacente, como uma história conhecida de doença autoimune, infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), possível infecção por tuberculose e medicamentos em uso na atualidade.

Alterações súbitas no controle glicêmico e hipoglicemia recorrente em pacientes com diabetes mellitus do tipo 1 podem sugerir síndrome poliglandular autoimune do tipo 2, com diabetes coexistente e IAP.[9]

Exame físico

A maioria dos pacientes apresenta perda de peso significativa secundária à anorexia.

A característica mais distintiva da IAP é a hiperpigmentação mocosa e cutânea generalizada, que é mais acentuada em áreas de maior fricção, como palmas, articulações e cicatrizes.[3] Isso ocorre em decorrência de altos níveis de hormônio adrenocorticotrófico (ACTH), que estimula os receptores de melanocortina dérmica.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Homem jovem com hiperpigmentação generalizada e insuficiência adrenal primária: pigmentação exacerbada nos pontos de pressão dos cotovelosDo acervo de T. Joseph McKenna, MD; usado com permissão [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@34b8f90d[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Mãos de paciente com insuficiência adrenal primária mostrando: hiperpigmentação exacerbada na superfície dorsal exposta ao sol e pregas; área de vitiligo na pele, sobre a articulação metacarpofalângicaDo acervo de T. Joseph McKenna, MD; usado com permissão [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@58479c03[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Área de hiperpigmentação bucal em que houve mordida da membrana mucosa durante a mastigaçãoDo acervo de T. Joseph McKenna, MD; usado com permissão [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@52154b66

A hipotensão postural causada por deficiência de mineralocorticoides é comum.[2][9]

Em mulheres na pré-menopausa, a perda de androgênios adrenais resulta em perda significativa de pelos pubianos e axilares.[2][9]

Outros sinais físicos de autoimunidade, como vitiligo, embranquecimento prematuro do cabelo e bócio por tireoidite de Hashimoto podem estar presentes.

Avaliação laboratorial

Em uma situação de emergência, o médico não deve esperar pelos resultados dos exames de sangue para administrar o tratamento. Em pacientes com doença aguda e sintomas ou sinais inexplicados, sugestivos de insuficiência adrenal, o sangue é coletado para nível de cortisol e ACTH basal, e o tratamento é administrado imediatamente.[2] Investigações adicionais são apropriadas em uma situação de menos urgência para confirmar a insuficiência adrenal e determinar a etiologia.[2]

Além da medição do nível de cortisol sérico, as investigações focam na integridade do principal peptídeo estimulante do córtex adrenal (ACTH plasmático), bem como nas classes de hormônios secretados pelo córtex adrenal: glicocorticoides (cortisol); mineralcorticoides (aldosterona); e androgênios adrenais (desidroepiandrosterona [DHEA], bem como seu conjugado sulfatado DHEA-S).[3]

É esperado que, com a IAP, haja perda de secreção de cortisol, aldosterona e DHEA/DHEA-S pelo córtex adrenal e que isso esteja associado a um aumento compensatório no ACTH plasmático. Por outro lado, os pacientes com insuficiência adrenal central (ou seja, uma causa secundária ou terciária), terão menor secreção de ACTH e, consequentemente, apresentarão redução na secreção de cortisol e DHEA/DHEA-S, enquanto a função de mineralcorticoides (aldosterona) permanece relativamente intacta.[4]

  1. Medidas dos níveis de cortisol e ACTH

    Cortisol

    • O primeiro teste diagnóstico é a medição do nível de cortisol sérico, de preferência pela manhã, quando espera-se que esteja em seu nível mais alto.[27] Um nível de cortisol sérico aleatório também é aceitável, desde que seja interpretado no contexto da atividade do paciente e seu nível de estresse. Isso pode ser usado como um teste de exclusão.

    • Os valores de cortisol variam de acordo com o ensaio usado, e o uso de faixas de referência proporcionadas pelo laboratório correspondente é recomendado.[4] O cortisol sérico é ligado 80% à globulina de ligação ao cortisol (CBG) e 10% a 15% à albumina; assim, distúrbios que afetam os níveis de CBG ou albumina influenciam nos níveis de cortisol.[2] Os níveis de CBG são afetados pelos níveis de estrogênio, por algumas doenças (por exemplo, doença hepática ou síndrome nefrótica) e por algumas mutações hereditárias.[8]

    • Um nível abaixo de 140 nanomoles/L (5 microgramas/dL) é altamente sugestivo de insuficiência adrenal.[2] Um valor de corte mais baixo de 85 nanomoles/L (3 microgramas/dL) pode reduzir o número de pacientes que precisam de testes de estímulo.[27]

    • Um nível de cortisol acima de 500 nanomoles/L (18 microgramas/dL) efetivamente descarta o diagnóstico de insuficiência adrenal.[2][28]

    • Os pacientes com suspeita de insuficiência adrenal e níveis de cortisol de 140 nanomoles/L a 500 nanomoles/L (5 a 18 microgramas/dL) requerem exames adicionais com um teste de estímulo com o hormônio adrenocorticotrófico (ACTH) em altas doses para confirmar o funcionamento adrenal.[4]

    Hormônio adrenocorticotrópico (ACTH)

    • O nível de ACTH plasmático deve ser determinado em conjunto com o nível de cortisol sérico.

    • A presença de um nível baixo de cortisol sérico com um nível elevado de ACTH plasmático (duas vezes o limite superior do intervalo de referência de ACTH plasmático) indica IAP.[3][9] Às vezes, um conjunto bioquímico similar de dados pode ser observado em pacientes que se recuperam da supressão crônica do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA).

    • Os pacientes com insuficiência adrenal central terão níveis baixos ou baixos-normais de ACTH em conjunto com valores baixos/baixos a normais de cortisol.[9]

  2. teste de estímulo com o hormônio adrenocorticotrópico (ACTH)

    • Os valores ideais de cortisol devem ser individualizados, dependendo do ensaio usado, pois ensaios mais novos (por exemplo, imunoensaios de anticorpos monoclonais ou espectrometria de massa) podem ter um limiar mais baixo e resultar em teste falso-positivo.[29] O valor de 500 nanomoles/L (18 microgramas/dL) deriva de ensaios de anticorpos policlonais. Os valores de corte também precisam ser individualizados de acordo com o tipo de teste de estímulo com o hormônio adrenocorticotrófico (ACTH) usado.[30]

    • Se níveis de cortisol abaixo de 500 nanomoles/L (18 microgramas/dL) forem encontrados em 30 ou 60 minutos após a estimulação por ACTH, o diagnóstico de insuficiência adrenal é altamente provável.[2][4]

    • Níveis de cortisol acima de 500 nanomoles/L (18 microgramas/dL) 30 ou 60 minutos após a administração de uma dose elevada de ACTH (250 microgramas) descartam o diagnóstico de insuficiência adrenal primária (IAP) na maioria dos casos.[8] No entanto, alguns pacientes com IAP leve ou precoce ou insuficiência adrenal central parcial manifestam um aumento adequado nos níveis de cortisol após um teste de estímulo com o hormônio adrenocorticotrófico (ACTH) em doses altas.[27][31] Nas situações em que houver essa suspeita, os pacientes devem repetir o teste de estímulo usando uma dose baixa de ACTH (1 micrograma).[28] Uma metanálise concluiu que os testes de estímulo com o hormônio adrenocorticotrófico em dose alta e baixa são satisfatórios para indicar a presença de insuficiência adrenal secundária, mas os dados sobre a IAP não são suficientes para estimar a precisão diagnóstica, de forma que nenhum foi confiável para codificar consistentemente o distúrbio.[32]

  3. Pacientes com teste de estímulo com o ACTH anormal compatível com insuficiência adrenal necessitam de avaliação laboratorial adicional para determinar o tipo de insuficiência adrenal.

    • O nível de ACTH plasmático já deve ter sido medido. Se estiver alto, a causa é a IAP. Um valor baixo ou baixo-normal indicaria um diagnóstico de insuficiência adrenal secundária.[4][9]

    • As medições de atividade de renina plasmática e níveis de aldosterona sérica são importantes quando há suspeita de IAP.[2] Em pacientes com IAP, todo o córtex adrenal é envolvido e a biossíntese da aldosterona, bem como a do cortisol, é comprometida. Como compensação, os níveis de renina elevam-se, mas de forma ineficaz. Um nível baixo de aldosterona plasmática associado com uma atividade de renina plasmática alta medida simultaneamente indica IAP.[2][4] Em contraste, na insuficiência adrenal secundária, o eixo renina-angiotensina-aldosterona está intacto, embora discretamente menos responsivo, como uma consequência das concentrações de cortisol suprimidas.

    • A medição dos níveis de DHEA/DHEA-S é útil na avaliação da insuficiência adrenal, pois esses androgênios adrenais são os primeiros a serem perdidos quando a função do córtex adrenal é comprometida.[2][27] Níveis abaixo do limite inferior do normal para a idade e o sexo são um sinal inicial útil de IAP, mas não podem ser usados de maneira isolada para fazer o diagnóstico, pois os níveis podem estar baixos, principalmente em indivíduos com idade avançada, sem IAP.[2] Como a secreção de DHEA/DHEA-S depende do ACTH, seus níveis também estarão baixos na insuficiência adrenal central. Assim, um nível baixo de DHEA-S pode indicar insuficiência adrenal, mas não identificará se é de origem primária ou central. Por outro lado, um nível normal de DHEA-S sérico torna o diagnóstico de insuficiência adrenal (primária ou central) muito improvável.[33][34]

  4. Exames auxiliares

    • Devem ser realizados exames de sangue iniciais (hemograma completo, eletrólitos, ureia, creatinina), pois a destruição do córtex adrenal e, especialmente, a deficiência de glicocorticoides e mineralcorticoides, causam mudanças no equilíbrio hídrico e eletrolítico e alterações no hemograma.[2][4][26]

    • A adrenalite autoimune é a causa mais comum de casos de IAP em adultos.[2] Os anticorpos direcionados contra a enzima adrenal 21-hidroxilase estão associados à IAP autoimune, mas, apesar de sensíveis, não são necessários para o diagnóstico.[2][4][35]

    • Em pacientes em que a causa subjacente ainda é incerta, recomenda-se realizar exames de imagem das glândulas adrenais, por meio de tomografia computadorizada e ressonância nuclear magnética, para determinar outras causas, como infecção, hemorragia ou doença metastática.[4]

    • Se houver suspeita de insuficiência adrenal secundária, mas a resposta do cortisol ao ACTH não for diagnóstica, um teste de todo o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA) pode ser útil (por exemplo, o teste de tolerância à insulina ou o teste noturno de metirapona). O teste de tolerância à insulina mede a resposta do cortisol à hipoglicemia induzida pela insulina.[28][36] Vigilância é necessária em virtude de a hipoglicemia ser um desfecho. O teste é contraindicado em pacientes idosos e em pessoas com doença cardiovascular ou transtorno convulsivo. Outra opção para investigar o eixo HHA é o teste noturno da metirapona mede a resposta do 11-desoxicortisol e do cortisol à metirapona.[37] Infelizmente, a disponibilidade da metirapona é limitada nos EUA; ela pode ser obtida em farmácias especializadas. Em muitos países, a metirapona está disponível por meio do fabricante.

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