Abordagem
O primeiro passo na avaliação de um paciente com perda olfatória é ser simpático à sua queixa. Tipicamente, a pessoa não realizou testes quimiossensoriais formais e a validade de sua queixa geralmente é questionada por familiares e amigos, causando uma sensação de frustração e isolamento. O médico deve reconhecer o impacto que essa perda tem na qualidade de vida geral do paciente.
A história ajuda a determinar a etiologia da perda olfatória do paciente. Embora alguma forma de teste quimiossensorial seja importante para verificar e quantificar o grau de perda olfatória, esses testes não fornecem nenhuma informação específica em relação à causa. Os testes podem oferecer informações prognósticas, pois quem obtém uma pontuação pior no teste tem menos probabilidade de se recuperar com o tempo.[26][66] A determinação da etiologia contribui para a discussão sobre o prognóstico.
História
Tipos e sintomas de perda olfatória
A queixa quimiossensorial do paciente deve ser definida: se ela inclui uma perda olfatória que é parcial (hiposmia) ou completa (anosmia), e se está associada à perda do paladar e/ou à distorção do paladar e do olfato.
Uma queixa de disosmia deve ser definida como uma parosmia (distorção no sentido do olfato) ou uma fantosmia (percepção de odores que não existem). O último caso sugere uma infecção subjacente dos seios nasais.
A disosmia tende a ser muito mais comum quando a perda é induzida por uma infecção viral.[22]
É importante observar se o início da perda olfatória foi agudo (como ocorre após uma infecção viral, insulto traumático, exposição tóxica [súbita, excessiva], cirurgia) ou gradual (como pode ocorrer na doença nasal e na sinusite, na doença neurodegenerativa ou autoimune e no envelhecimento). Uma perda lentamente progressiva pode sugerir um processo sistêmico ou neoplásico. Pacientes com perda olfatória pós-viral geralmente procuram atendimento meses ou anos após o insulto. Depois de um trauma cranioencefálico, dependendo da gravidade da lesão, a perda olfatória pode não ser notada por algum tempo, mesmo se tal perda tiver sido imediata. Pacientes com síndromes genéticas não se lembram de terem sido capazes de sentir odores antes.
Se a perda olfatória oscilar (por exemplo, em resposta a uma variedade de atividades físicas ou ambientais), isso sugere uma perda obstrutiva ou condutiva secundária à inflamação nasal. No entanto, menos de 50% dos pacientes com perda olfatória condutiva relatam uma história de oscilação.[17]
História de alergias, infecções recorrentes dos seios nasais, asma ou cirurgia nasal ou dos seios nasais prévia são pertinentes, assim como detalhes sobre sintomas nasais, como congestão e secreções.
Perda de paladar
Tipicamente, pacientes com uma perda olfatória também se queixam de uma perda de paladar, não reconhecendo a contribuição das informações olfatórias para a percepção de sabor. É relativamente raro ter uma perda do paladar verdadeira e mensurável.[16][62]
Portanto, é importante perguntar aos pacientes de modo específico se eles podem distinguir salgado, azedo, doce e amargo para determinar se o paladar está intacto; eles geralmente respondem de modo afirmativo (embora a intensidade desses sabores possa parecer reduzida).
Eventos precedentes
O próximo passo é se concentrar em qualquer evento antecedente que possa estar associado ao início dos sintomas, tendo em mente as causas mais comuns de perda olfatória (ou seja, episódio de infecção viral do trato respiratório superior, traumatismo cranioencefálico, rinossinusite crônica).
A perda olfatória que ocorre após um trauma cranioencefálico pode não ser imediatamente aparente. Ela pode ocorrer após o que aparenta ser um traumatismo cranioencefálico relativamente menor, que não seja facilmente lembrado pelo paciente. A perda olfatória tem maior probabilidade de ocorrer após uma pancada frontal ou occipital.
É necessário investigar uma possível exposição a substâncias tóxicas.
Enfermidades concomitantes, medicamentos e cirurgia prévia
Doença nasal crônica ou dos seios nasais crônica podem causar uma perda olfatória.
Deve-se avaliar qualquer sintoma sistêmico associado ou afecções clínicas (por exemplo, doença de Alzheimer, doença de Parkinson, granulomatose com poliangiite [antes conhecida como granulomatose de Wegener], sarcoidose, doença de Sjögren) que possam ser fatores causadores.
Devem-se fazer perguntas sobre outros sintomas neurológicos, bem como sobre qualquer história familiar pertinente de doença neurológica ou clínica (por exemplo, síndrome de Turner, síndrome de Kallmann).
Medicamentos atuais e passados devem ser revisados. Agentes quimioterápicos, diversos medicamentos (por exemplo, anfetaminas, estrogênio, nafazolina, fenotiazinas, uso prolongado de descongestionantes nasais, spray nasal de gliconato de zinco) e radioterapia no crânio e pescoço podem afetar o sentido do olfato.[49][51][52][53]
A perda olfatória comumente ocorre após procedimentos neurocirúrgicos e nasais específicos.
Pacientes com perda olfatória pós-viral tendem a se lembrar de que seu problema começou após uma infecção, e geralmente se lembram de que a infecção foi particularmente grave.
Exame físico
Exame físico da cabeça, pescoço e nariz
Um exame físico completo da cabeça e pescoço se focando no nariz e nas estruturas circundantes é necessário para descartar a possibilidade de patologia sinonasal.[17]
A patologia dos seios nasais e a doença nasal crônica que causam uma perda olfatória geralmente por obstrução da cavidade nasal, impedindo assim o acesso de odorantes aos receptores olfatórios.
É improvável que o desvio de septo por si só seja a causa de uma perda olfatória.
É importante determinar se a perda é decorrente de um processo inflamatório, uma vez que essa é a única situação na qual a terapia será eficaz.
Se disponível, a rinoscopia anterior pode ser usada para avaliar a presença de rinite, classificando-a em alérgica, atrófica, infecciosa ou vasomotora. Também pode ser usada para descartar a presença de pólipos nasais. No entanto, a rinoscopia anterior pode ser normal apesar da presença de patologia com obstrução da fenda olfatória (por exemplo, tumores) e, portanto, não é adequada para descartar uma perda olfatória condutiva.
Se disponível, a endoscopia com exame por fibra óptica para visualizar o meato médio, o recesso esfenoetmoidal e a cavidade nasal fornece informações adicionais.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Um exame endoscópico nasal rígido da cavidade nasal esquerda sugere doença na porção alta do nariz (seta), enquanto o meato médio parece limpo; A = corneto médio, B = septoDo acervo de Dr. Allen M. Seiden [Citation ends].
Na maioria dos casos, o exame nasal é normal. As exceções são as seguintes:
Pólipos nasais: um pólipo em desenvolvimento tem forma de gota; quando maduro, ele se assemelha a uma uva pelada sem semente.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Exame físico da cavidade nasal direita usando um endoscópio nasal rígido; pode-se observar um pólipo em protrusão do meato superior (seta), enquanto o meato médio está limpo; a = corneto médio, b = corneto superior, c = septoDo acervo de Dr. Allen M. Seiden [Citation ends].
Lesão cerebral: o exame nasal é normal, a menos que haja outras sequelas decorrentes da lesão. Achados de trauma nasal (como desvio por fratura do dorso nasal e deslocamento de septo) podem indicar lesão direta da fenda olfatória ou ser condizentes com uma lesão de golpe-contragolpe ou, ainda, ter levado a uma patologia secundária nasal ou dos seios nasais que cause perda olfatória condutiva.
Doença de Parkinson: geralmente, o exame físico da cabeça e do pescoço é normal, a menos que outros sinais neurológicos da doença se tornem aparentes, por exemplo, tremor em repouso (menos comum na cabeça e pescoço, mas pode envolver a mandíbula ou lábios) ou bradicinesia (expressão facial e movimentos oculares comprometidos).[58]
Procedimentos craniofaciais: o exame nasal varia, dependendo da extensão da cirurgia no nariz e nos seios paranasais; o paciente pode ou não apresentar incisões nasais externas, dependendo de a abordagem facial ter sido intranasal (endoscópica) ou externa.
Cirurgia endoscópica dos seios paranasais: a endoscopia nasal demonstra doença inflamatória com edema e possivelmente cicatrização; a fenda olfatória pode não ser facilmente visualizada, mas a cavidade nasal geralmente exibe edema, crostas ou cicatrização.
Granulomatose com poliangiite: o exame nasal demonstrará formação extensiva de crostas não apenas ao longo do septo nasal, mas frequentemente também ao longo da parede nasal lateral; a mucosa é friável e sangra facilmente. Os pacientes podem apresentar perfuração do septo nasal, podendo haver a presença de nariz em sela.
Sarcoidose: nódulos submucosos de cor levemente amarelada podem estar presentes ao longo do septo nasal ou dos cornetos inferiores. Mucosa friável com crostas e sangramento pode estar presente. Podem ser observadas lesões cutâneas, principalmente em torno das asas nasais (lúpus pérnio). Pode haver aumento das glândulas parótidas, das glândulas lacrimais e dos linfonodos cervicais.
Síndrome de Sjögren: olhos e boca podem se apresentar ressecados; o nariz geralmente se apresenta normal. As glândulas parótidas podem estar aumentadas ou levemente sensíveis.
Tumores sinonasais: o exame nasal, particularmente com endoscopia, revela uma lesão de massa dentro da cavidade nasal. Edema associado, secreção purulenta, pólipos ou crostas podem ser observados. Pode haver evidências de extensão além dos limites do nariz, como induração circundante, deslocamento orbital ou proptose.
Estesioneuroblastoma: a endoscopia nasal revela uma massa friável vermelho-acinzentada dentro da cavidade nasal.
Teste quimiossensorial
Um autorrelato do paciente da perda olfatória não é confiável, de modo que é essencial a realização de um teste quimiossensorial.[67][68] Isso serve para validar a capacidade olfativa do paciente e detecta o raro caso de fatores somatoformes.
Várias abordagens de testes olfatórios foram validadas e estão disponíveis, embora algumas exijam pessoal treinado.[62] Um teste quimiossensorial deve seguir procedimentos de testes psicofisiológicos confiáveis e geralmente envolve a identificação de odores específicos, uma avaliação de limiar ou da capacidade de diferenciar a presença ou ausência de um odor.
O teste de identificação de olfato da Universidade da Pensilvânia (UPSIT) é o mais utilizado, pois é facilmente acessível, não requer pessoal treinado para administrá-lo e é validado.[65] Ele consiste em 40 odorantes microencapsulados em tiras de raspar e cheirar que o paciente deve identificar, escolhendo uma entre 4 opções. Também está disponível uma versão de rastreamento mais curta deste teste, que utiliza apenas 4 odorantes.
Para anosmia, os pacientes costumam obter de 7 a 19 respostas corretas no teste UPSIT; para hiposmia, de 20 a 34 respostas corretas.
Outra opção útil é o teste Sniffin' Sticks ("canetas de cheiro"), desenvolvido na Alemanha.[69] Enquanto o teste UPSIT é um teste de identificação de odores, o Sniffin' Sticks utiliza um teste de identificação, de limiar e discriminação.
Outro teste mais objetivo baseado no comportamento de cheirar foi desenvolvido na Universidade de Cincinnati e foi disponibilizado para a distribuição clínica, mas requer administração por pessoal qualificado.[70]
Se nenhum desses testes estiver prontamente disponível, foi desenvolvido um método de rastreamento alternativo denominado de Alcohol Sniff Test que usa um lenço padrão embebido com álcool isopropílico a 70%.[71] Ele pode fornecer pelo menos uma avaliação preliminar em relação ao fato de o sentido do olfato do paciente estar realmente ausente.
É difícil para pacientes medirem os distúrbios de paladar de maneira objetiva, motivo pelo qual pode-se realizar um teste por gustometria química ou por eletrogustometria dos dois terços anteriores e posteriores da língua. No entanto, isso é mais trabalhoso que o teste olfativo. Para gustometria química, soluções em concentrações crescentes são geralmente aplicadas à superfície da língua (com um conta-gotas ou uma tira gustativa) com os 4 sabores fundamentais: ácido cítrico (azedo), glicose (doce), cloreto de sódio (salgado) e quinina (amargo). Em alguns casos, pode-se também testar o glutamato monossódico (umami, o quinto sabor). A eletrogustometria envolve a aplicação tópica de uma corrente elétrica fraca na língua, por meio da qual uma corrente positiva é percebida como um gosto azedo-metálico, e uma corrente negativa como um gosto agridoce. Esse teste é mais fácil de administrar, mas não pode separar as 4 qualidades de sabor e não é suficientemente preciso para uma avaliação espacial.
Avaliação radiológica
No caso de a história ser inespecífica e o exame físico nasal não apresentar nada digno de nota, um exame neurológico completo por meio de tomografia computadorizada (TC) ou ressonância nuclear magnética (RNM) deve ser considerado. Radiografias simples geralmente são de pouca utilidade na avaliação da perda olfatória. Exames de TC e RNM são usados primariamente para descartar a presença de patologia sinonasal ou intracraniana, e para avaliar e/ou confirmar a extensão da lesão em pacientes que relatam trauma.
tomografia computadorizada
Fornecem os detalhes mais nítidos da anatomia óssea e dos tecidos moles, além de demonstrar a presença de qualquer doença inflamatória subjacente. A TC facilita a visualização da fenda olfatória.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Tomografia computadorizada (TC) no plano coronal demonstrando doença etmoidal inflamatória juntamente com obstrução da fenda olfatória (seta)Do acervo de Dr. Allen M. Seiden [Citation ends].
Uma TC dos seios paranasais é indicada se o exame nasal for anormal ou se um exame nasal detalhado incluindo endoscopia não puder ser realizado. O plano coronal é o preferido, e geralmente não é necessário contraste, a menos que haja suspeita de um processo neoplásico.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Tomografia computadorizada (TC) em plano coronal através do seio etmoidal anterior exibindo claramente o complexo ostiomeatal, sem evidências de doença; a fenda olfatória é patente (seta)Do acervo de Dr. Allen M. Seiden [Citation ends].
Geralmente, não é necessário realizar uma TC para descartar patologia intracraniana ou do trato sinusal se:
a história do paciente indicar claramente que uma doença do trato respiratório superior (DTRS) precedeu a perda olfatória
se um exame nasal completo com endoscopia for negativo e se não houver sintomas ou sinais neurológicos associados.
RNM
Se a história e o exame físico não indicarem nenhuma causa provável, então a possibilidade de uma lesão intracraniana não diagnosticada se torna mais relevante, embora muito incomum. Ainda que um tumor intracraniano ou uma doença neurodegenerativa possam causar perda olfatória, é incomum que tais pacientes procurem atendimento médico por esse motivo. Normalmente, esses pacientes desenvolvem outros sintomas que os levam a consultar um médico. Uma RNM com contraste é o procedimento de escolha para descartar essas lesões e pode ser indicada em alguns pacientes. No entanto, um estudo que avaliou retrospectivamente os achados da RNM em pacientes que apresentavam perda olfatória idiopática demonstrou que a incidência da patologia era extremamente pequena, não maior que na população geral.[18] Isso sugere que o uso de rotina da RNM em pacientes com perda olfatória idiopática pode não ser justificado.
Uma RNM de rotina exibe adequadamente a fossa craniana anterior, incluindo o sulco olfatório.
Se houver necessidade de visualizar mais detalhadamente os bulbos olfatórios (por exemplo, no caso de uma perda olfatória congênita), então é necessário discutir com o radiologista cortes mais especializados.
Outros exames diagnósticos
O uso de exames laboratoriais de rotina raramente é útil, mas pode ser considerado se for sugerido pela história médica. Qualquer problema subjacente geralmente terá sido previamente estabelecido pelo exame médico prévio, mas pode precisar ser explorado com mais detalhe se não houver nenhuma etiologia alternativa aparente para a disfunção quimiossensorial.
A biópsia da mucosa nasal (na qual uma pequena amostra do tecido de revestimento do nariz é removida e analisada histopatologicamente quanto à presença de doença) pode ser útil para confirmar diagnósticos diferenciais. Na granulomatose com poliangiite, apresentará inflamação granulomatosa com vasculite. Na sarcoidose, pode exibir granuloma não caseoso. Em tumores sinonasais, exibe evidências de malignidade.
Embora certas deficiências de vitaminas e minerais, como vitamina B12, zinco ou cobre, possam alterar a função do paladar e do olfato, esses casos são extremamente raros. A avaliação desses desequilíbrios não precisa ser realizada rotineiramente, a menos que seja claramente indicada por outros sinais e sintomas ou pela história, no caso de os pacientes apresentarem essa predisposição.
Corticosteroides têm um impacto anti-inflamatório potente no edema nasal e dos seios nasais. Diversos estudos demonstraram sua capacidade de reverter (mesmo que temporariamente) uma perda de olfato condutiva, embora não exerçam nenhum efeito se a perda olfatória for decorrente de outras causas.[17][72][73] Portanto, quando a história e o exame físico forem duvidosos (particularmente no caso de etiologia viral versus etiologia inflamatória crônica) e para ajudar a verificar se uma perda olfatória é condutiva, uma tentativa terapêutica com corticosteroides sistêmicos pode ser muito útil. Sprays de corticosteroides tópicos são muito menos eficazes que as preparações orais para esse fim.[17] A dose de corticosteroides pode variar, mas não precisa ser alta. Exemplos de casos em que corticosteroides orais podem ser usados para confirmar o diagnóstico após uma perda olfatória incluem pólipos nasais, inflamação do trato respiratório superior e pós-cirurgia endoscópica dos seios paranasais.
Embora testes cognitivos possam auxiliar no diagnóstico da doença de Alzheimer, não existem testes diagnósticos específicos disponíveis para a doença de Parkinson.
Na granulomatose com poliangiite, o teste de anticorpo anticitoplasma de neutrófilo com padrão citoplasmático (C-ANCA) será positivo.
Na sarcoidose, as radiografias torácicas mostram adenopatia hilar e/ou paratraqueal com infiltrados bilaterais predominantemente no lobo superior.
Na síndrome de Sjögren, os testes de anticorpos SS-A e SS-B serão positivos. O teste de Schirmer mostra produção de lágrimas reduzida e a biópsia das glândulas salivares menores do lábio inferior exibe infiltração linfocítica.
Na síndrome de Turner, a cariotipagem exibe cromossomo X anormal.
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