Abordagem

Cerca de 90% dos casos de vaginite decorrem de infecção, principalmente por vaginose bacteriana, candidíase vulvovaginal (CVV) e tricomoníase.[11] Esses três diagnósticos devem ser excluídos em todas as pacientes antes de considerar outras causas menos comuns.

História clínica e exame físico

Em pacientes com corrimento vaginal, a história inicial deve incluir:

  • Todos os novos parceiros sexuais

  • O número de parceiros no último ano

  • Uso de novos sabonetes ou detergentes

  • A utilização de produtos de higiene feminina (por exemplo, duchas, lenços, sprays)

  • Uso de anticoncepcionais, incluindo anel vaginal ou dispositivo intrauterino

  • Terapias anteriores

  • Sintomas do trato urinário (por exemplo, frequência, urgência, disúria)

  • Sintomas como dor pélvica, prurido, qualidade/quantidade/odor do corrimento

A vaginose bacteriana geralmente apresenta corrimento fino e odor de peixe (teste de aminas ["do cheiro"]). A tricomoníase se apresenta com um corrimento purulento com odor fétido. A CVV se apresenta com uma secreção branca, tipo queijo cottage, e prurido.

O exame físico deve incluir a visualização da vulva, vagina e colo uterino para pesquisar lesões e/ou eritema, e o exame bimanual deve avaliar se há massa pélvica ou dor à mobilização do colo.

Nas mulheres sintomáticas, swabs vaginais autocoletados e o histórico isolado podem não ser tão úteis quanto a avaliação física e o exame do espéculo vaginal realizado por um médico.[74] ​Os swabs autocoletados são uma alternativa válida aos swabs coletados pelo médico e devem ser oferecidos se o exame físico for recusado.[75][76][77][78][79]​​​​​​[80]

Investigação de rotina

Deve-se obter uma amostra do corrimento vaginal; o pH deve ser elucidado com o uso de papel de tornassol.[38]​ A microscopia em câmara úmida é realizada colocando-se uma pequena amostra do corrimento em 2 áreas separadas em uma lâmina e adicionando-se soro fisiológico a uma dessas áreas e hidróxido de potássio à outra. Em seguida, uma lamínula é posicionada sobre a lâmina, para posterior observação ao microscópio.

A paciente deve ser orientada e tratada de maneira adequada, caso a câmara úmida confirme algum dos seguintes achados.[9][38]

  • Critérios de Amsel, 3 entre os 4 a seguir: corrimento fino e homogêneo; pH vaginal >4.5; teste de aminas (whiff) positivo ou odor de aminas com a adição de base (hidróxido de potássio a 10%); células-chave (clue cells) na avaliação microscópica de preparação da câmara úmida em soro fisiológico (vaginose bacteriana).[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Fotomicrografia revelando bactérias aderentes às células epiteliais vaginais, conhecidas como células-chave (clue cells)Biblioteca de Imagens do CDC; M. Rein [Citation ends].com.bmj.content.model.assessment.Caption@5ce0f986

  • Tricomonas (sensibilidade de 44% a 68% para tricomoníase).[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Micrografia de contraste de fases em câmara úmida de corrimento vaginal revelando a presença do protozoário Trichomonas vaginalisBiblioteca de Imagens do CDC [Citation ends].com.bmj.content.model.assessment.Caption@1cf95b97[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Vaginite por tricomonas com corrimento purulento abundante emanando do óstio cervicalBiblioteca de Imagens do CDC [Citation ends].com.bmj.content.model.assessment.Caption@71754206

  • Levedura de brotamento e hifas (candidíase).[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Esfregaço vaginal identificando Candida albicans por meio da técnica de câmara úmidaBiblioteca de Imagens do CDC; Dr. Stuart Brown [Citation ends].com.bmj.content.model.assessment.Caption@44ef0582[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Esfregaço vaginal identificando Candida albicans por meio da técnica de coloração de GramBiblioteca de Imagens do CDC; Dr. Stuart Brown [Citation ends].com.bmj.content.model.assessment.Caption@39b0c641

  • Leucócitos sem tricomonas ou levedura (podem sugerir cervicite).

Exames alternativos ou suplementares incluem:

  • Cultura fúngica com sensibilidade para CVV: deve ser obtida para confirmar o diagnóstico nas pacientes com características clínicas típicas, mas um pH vaginal normal e microscopia em câmara úmida negativa. Ela deve também ser obtida para as pacientes com sintomas recorrentes e várias falhas terapêuticas.

  • Exame vaginal para tricomoníase: deverá ser considerada se o pH for >4.5, se houver leucócitos polimorfonucleares elevados, mas ausência de tricomonas móveis em microscopia em câmara úmida, ou se a microscopia não estiver disponível.

  • Coloração de Gram para determinar a concentração relativa de lactobacilos: considerada por alguns especialistas como o melhor exame para diagnosticar a vaginose bacteriana.[9]​​​​A coloração de Gram quantitativa é específica para vaginose bacteriana, mas de 20% a 30% são indeterminadas.​​[81]​ Uma coloração de Gram pode ser avaliada pelos critérios de Nugent ou pelos critérios de Hay-Ison. Os critérios de Nugent relatam as proporções relativas dos diferentes morfotipos bacterianos. Os critérios de Hay-Ison são graduados: 0 para células epiteliais apenas; 1 para predominância de Lactobacillus; 2 para flora mista; 3 para predominância de Gardnerella e/ou Mobiluncus; e 4 para vaginite aeróbia com predominância de bactérias aeróbias. A British Association for Sexual Health and HIV recomenda o uso dos critérios de Hay-Ison em vez dos critérios de Nugent.[25]

Vários estudos demonstraram que os perfis vaginais multiplex diagnosticam com mais precisão a vaginose bacteriana, a CVV e a TV do que as investigações atuais do padrão de assistência.[81]​ Testes de amplificação de ácidos nucleicos (NAATs, que incluem reação em cadeia da polimerase) estão disponíveis para a detecção de cândida, tricomoníase, vírus do herpes simples, micoplasma, clamídia, gonorreia e organismos comumente associados a vaginose bacteriana.[81]​Os NAATs são mais precisos que uma sonda de ácido nucleico, mas são caros.[82]​ Os testes tradicionais podem continuar sendo úteis para o diagnóstico dessas infecções devido ao seu custo mais baixo e à capacidade de alguns de proporcionar um diagnóstico rápido.[9][81][82]

Mulheres com risco de infecções sexualmente transmissíveis

Em mulheres com risco de infecções sexualmente transmissíveis (aquelas com parceiros novos, múltiplos parceiros ou com parceiros que têm múltiplas parceiras, e mulheres com menos de 25 anos de idade) e com corrimento vaginal amarelado profuso, devem-se realizar um exame pélvico e ensaios para Neisseria gonorrhoeae e Chlamydia trachomatis.

O teste de Mycoplasma genitalium pode ser considerado nas mulheres sintomáticas com cervicite recorrente ou que estiverem em contato sexual continuado com pessoas em tratamento para infecção por M genitalium.[9][51][83]​ As mulheres com corrimento vaginal também devem ser submetidas a testes para Trichomonas vaginalis.[9]

​Se o corrimento for acompanhado de dor pélvica e/ou dor à mobilização do colo, a paciente deverá ser tratada para doença inflamatória pélvica (DIP) de acordo com as diretrizes locais.[9]​​ O tratamento para N gonorrhoeae, C trachomatis e DIP suspeitada tem o objetivo de prevenir gestações ectópicas, infertilidade e dor pélvica crônica.

Corrimento vaginal recorrente

Nas pacientes com corrimento vaginal recorrente, outros diagnósticos devem ser considerados, inclusive o de CVV recorrente.

As pacientes com CVV recorrente (geralmente definida como três ou mais episódios de CVV sintomática em menos de 1 ano) devem ter o seguinte descartado: diabetes mellitus; estados de imunocomprometimento, como HIV e outros tipos de cândida (por exemplo, Candida glabrata), pois podem ser resistentes aos agentes antifúngicos usados no tratamento da Candida albicans.[9]

Exame físico normal e resultados negativos

Pacientes com corrimento vaginal, exame físico nada digno de nota, exames negativos e histórico condizente com possíveis irritantes (por exemplo, troca de sabonete ou detergente) apresentam vaginite alérgica. Em geral, basta evitar o irritante para a remissão da afecção.

A higiene precária deve ser considerada nas pacientes com exames negativos e nenhum histórico de contato com irritantes: por exemplo, pacientes que não trocam o absorvente higiênico interno regularmente nem se limpam de maneira adequada (higienização de trás para a frente).

As pacientes com corrimento vaginal isolado, com coloração, odor e consistência normais, e que tiverem um exame pélvico e de câmara úmida normais, podem ser tranquilizadas de que o corrimento vaginal é do tipo fisiológico.

Causas incomuns

Uma vez excluídas clinicamente e/ou por investigação as causas mais comuns, outras causas de corrimento vaginal devem ser descartadas por exames e estudos apropriados.

Síndrome geniturinária da menopausa (SGM)

  • Se a mulher já tiver tido a menopausa e o epitélio vaginal parecer pálido, liso e brilhante, com perda da rugosidade, o diagnóstico clínico de SGM pode ser considerado.[14][84]

  • O corrimento vaginal pode ser branco, amarelo ou malcheiroso.

  • A microscopia revela leucócitos abundantes, células parabasais e ausência de patógenos infecciosos. O índice de maturação vaginal pode ser usado para testar a eficácia das terapias, mas é predominantemente usado em pesquisas.[14]

Vaginite atrófica fisiológica pós-puerperal

  • Uma história de parto recente com corrimento característico é diagnóstica.

Vírus do herpes simples

  • Múltiplas úlceras superficiais e dolorosas podem indicar cervicite por vírus do herpes simples, que pode ser confirmada por culturas virais, ensaios de ácido nucleico e testes sorológicos de tipo específico.

Corpo estranho

  • Apresenta corrimento de odor fétido e irritação. Se duradouro, pode causar extensa formação de aderências com a obstrução quase completa da porção inferior da vagina em relação ao local do corpo estranho.[72]

  • O diagnóstico pode ser confirmado por exame físico pélvico, radiografia pélvica, ultrassonografia transvaginal/transabdominal e/ou ressonância nuclear magnética (RNM) pélvica com contraste.

Síndrome de Behçet

  • Apresenta outros sinais e sintomas da síndrome (por exemplo, úlceras aftosas, lesões cutâneas e uveíte), associados à ulceração e corrimento vaginal. Em geral, o diagnóstico é clínico.

Vaginite inflamatória descamativa

  • Associada a corrimento purulento e abundante, dispareunia intensa ou sintomas vulvares menores, como irritação e/ou prurido; pode indicar diagnóstico de vaginite inflamatória.

  • A vagina pode apresentar sinais de inflamação (por exemplo, eritema, erosões lineares).

  • A câmara úmida descarta qualquer causa infecciosa e mostra uma abundância de leucócitos polimorfonucleares. É comum serem encontradas células parabasais.

  • pH vaginal >4.5.

Líquen plano

  • Pode ser difícil distinguir da SGM quando não há sintomas extravaginais.

  • Apresenta-se com pápulas brilhantes, geralmente intensamente pruriginosas. A biópsia confirma o diagnóstico.

Vaginite estreptocócica em adultos

  • Os fatores predisponentes incluem história domiciliar ou pessoal de infecção do trato respiratório superior com estreptococos do grupo A, contato sexual ou atrofia vaginal. O corrimento vaginal é profuso ou abundante. O diagnóstico é confirmado com cultura.[53]

Esquistossomose genital

  • Foi descrita na África; pode ser encontrada no Ocidente devido ao aumento do turismo.[85]​ Caracterizada por corrimento vaginal abundante e um colo uterino eritematoso. O diagnóstico é feito por detecção microscópica de ovos parasitários na urina, seguida de biópsia por punção cervical.[54] A biópsia por punção apresenta 100% de sensibilidade para esquistossomose, mas pode aumentar a transmissão do HIV por causa do rompimento da barreira mucosa; portanto, os riscos e benefícios da biópsia por punção devem ser avaliados cuidadosamente. A colposcopia de grande ampliação também pode ser usada para o diagnóstico.[86]

Entamoeba gingivalis

  • Associada a infecção oral e ao uso de dispositivos intrauterinos.[55][56]

Pós-cirúrgica

  • Uma história pregressa de slingoplastia intravaginal com início de corrimento vaginal purulento e fétido sugere vaginite pós-cirúrgica (rara) e pode ser confirmada com RNM por contraste. Em abril de 2019, a Food and Drug Administration (FDA) dos EUA proibiu a venda e distribuição de tela cirúrgica destinada ao reparo transvaginal do prolapso do compartimento anterior (cistocele).[60] Em outubro de 2022, a FDA publicou uma declaração afirmando que esses dispositivos não têm um perfil de risco-benefício favorável.[61]​ O uso de malha/adesivo cirúrgico para o prolapso uroginecológico, onde a malha é inserida através da parede vaginal, é atualmente restrito no Reino Unido, enquanto se realiza uma revisão independente. Em julho de 2018, o NHS England informou que o uso de malhas cirúrgicas inseridas por via vaginal para prolapso dos órgãos pélvicos devem ser adiados se for clinicamente seguro fazê-lo.[62][63][64][65]​​​​​

Pós-irradiação

  • História de radioterapia; pode haver alterações por radioterapia.[57]

Mioma prolapsado

  • Causa menos comum de corrimento vaginal relatada na literatura.[87]

Fístula vaginal

  • Causa menos comum de corrimento vaginal relatada na literatura.[88]

Doença do enxerto contra o hospedeiro

  • Deve ser considerada nas mulheres com uma história de transplante. Os sintomas incluem secura vaginal, ardor ou coceira. Se não for tratada, pode causar cicatrizes vaginais graves.[89][90]

Câncer do trato genital

  • Deve sempre ser considerado nas mulheres que apresentam corrimento vaginal persistente, particularmente se houver presença de sangue.[91]

  • Câncer cervical: em pacientes idosas que apresentam corrimento com cheiro desagradável e massa cervical ao exame físico, é necessário realizar uma biópsia da massa. Além disso, convém considerar o esfregaço de Papanicolau e tomografia uma computadorizada (TC) de abdome e pelve para descartar câncer cervical.

  • Carcinoma das tubas uterinas: raro, apenas 16% das pacientes apresentam a tríade clássica de corrimento vaginal, dor pélvica em cólica e massa pélvica palpável, embora os dados sejam muito limitados.[92]​ Exames de ultrassonografia pélvica e CA-125 podem ajudar no diagnóstico, mas o estadiamento cirúrgico é definitivo.

  • Linfoma do trato genital: causa muito rara de corrimento vaginal. Os pacientes podem apresentar massa, corrimento com odor fétido, sangramento vaginal, dor ou plenitude abdominal. É possível palpar uma massa ao exame bimanual ou visualizar ao exame especular.[93][94]

Pacientes pediátricas

Na população pediátrica, corpos estranhos e abuso sexual devem sempre ser descartados clinicamente e, se necessário, deve-se apurar a história, realizar exame físico, swabs vaginais, ultrassonografia pélvica transabdominal e vaginoscopia e encaminhar para um especialista em abuso infantil.

Outros diagnósticos e investigações incluem os descritos a seguir:

  • A microscopia de uma amostra vaginal revela lâminas de epitélio vaginal no corrimento fisiológico.

  • História recente de faringite e sinais de infecção vaginal sugerem vaginite estreptocócica, que é confirmada com swabs vaginais para organismos estreptocócicos.

  • Lactentes (<1 ano de idade) com sintomas vaginais podem ter sido infectadas pela mãe no canal vaginal. Swabs vaginais e cervicais da mãe confirmam a suspeita.

  • Se houver história de uso de espumas de banho, sabonetes com perfume, roupas apertadas ou de papel higiênico de trás para frente, o diagnóstico de vaginite inespecífica será clínico.

  • Pode haver suspeita de oxiúros no caso de desconforto ou prurido noturno. O teste com fita adesiva ou a visualização direta confirmam o diagnóstico.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Ovo de Enterobius vermicularis (oxiúros humanos)Biblioteca de Imagens do CDC [Citation ends].com.bmj.content.model.assessment.Caption@184bb8b1

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