Abordagem

A fibromialgia (FM) pode ser controlada, mas não curada. Os objetivos do tratamento são controlar os principais sintomas de FM, ao reduzir o nível de dor, melhorar a qualidade de vida e a função, melhorar a qualidade do sono e reduzir a fadiga, melhorar a saúde física e mental e melhorar a função cognitiva.[122]​ O tratamento deve incluir terapias não farmacológicas e farmacológicas, isoladas ou combinadas, individualizadas para cada paciente, com o envolvimento de uma equipe multidisciplinar.[122]

Há evidências que sugerem que os sintomas de FM diferem entre pacientes do sexo masculino e pacientes do sexo feminino com fibromialgia.[5][6]​​​​​[123]​​ A eficácia e a segurança de intervenções farmacológicas e não farmacológicas para fibromialgia não foram avaliadas de maneira adequada em homens, pois a maioria dos ensaios clínicos inscreveu predominantemente mulheres. São necessárias mais investigações para entender os aspectos da fibromialgia específicos de cada sexo e para otimizar seu diagnóstico e tratamento tanto em homens quanto em mulheres. Consulte Caso clínico (outras apresentações).

Todos os pacientes se beneficiam da terapia não farmacológica com intervenções farmacológicas introduzidas com o uso de uma abordagem em etapas. No entanto, os pacientes com sintomas muito graves podem precisar tanto de terapia não farmacológica quanto farmacológica como tratamento inicial.

Tratamento individualizado

Na prática, antes de iniciar o tratamento, é útil avaliar os pacientes com o questionário de impacto da fibromialgia (FIQR) revisado.[124]​ Embora seja, primariamente, uma ferramenta de investigação, esse instrumento avalia o impacto da doença em três domínios (função, impacto geral e sintomas) e, provavelmente, proporciona uma melhor reflexão sobre o impacto dos sintomas (mínimo, moderado e grave).

Os escores de gravidade da doença do FIQR que podem ser usados na prática são:[125]

  • Remissão ≤30

  • Gravidade leve >30 e ≤45

  • Gravidade moderada >45 e ≤65

  • Gravidade intensa >65

O escore inicial pode orientar o grau de agressividade da terapia (educação do paciente para gravidade leve vs. terapia multidisciplinar para impacto mais grave) e também oferece uma forma mais "objetiva" de acompanhar a resposta à terapia, pois a maioria dos pacientes está concentrado, principalmente, na dor no início do ciclo de tratamento. Isso também pode ajudar os médicos menos experientes a acompanharem os pacientes em longo prazo.

Terapias não farmacológicas

As terapias não farmacológicas são a base do tratamento da fibromialgia, mas muitas vezes são subutilizadas na prática clínica. [ Cochrane Clinical Answers logo ] ​​​ Há evidências sólidas que demonstram os efeitos positivos em curto prazo das terapias não farmacológicas conservadoras em indivíduos com fibromialgia. As terapias conservadoras multimodais também podem oferecer benefícios em médio e longo prazo.[126]

Educação do paciente e autocuidados

Após o diagnóstico de fibromialgia, a educação do paciente é considerada o primeiro passo do automanejo, que pode ser eficaz para melhorar a função física e reduzir a dor em curto e longo prazo para fibromialgia.[127][128][129]​ Consulte Discussões com os pacientes.

Evidências de um ensaio clínico randomizado e controlado demonstraram que o programa de educação do paciente para o automanejo da síndrome de fibromialgia melhorou o conhecimento sobre a doença e o tratamento no momento da alta (6-12 meses), o conhecimento subjetivo, o controle da dor, o automonitoramento e a perspectiva, a comunicação sobre a doença, o planejamento de ações para atividade física e satisfação com o tratamento para pacientes hospitalizados com fibromialgia, em comparação com a educação de cuidados habituais na reabilitação de pacientes hospitalizados.[130]

Há crescentes evidências de que os pacientes obesos apresentam sintomas mais graves de fibromialgia e níveis mais baixos de qualidade de vida, e que o peso elevado tem um impacto negativo nos desfechos do tratamento.[123][131][132]​​​​[133]​​ Portanto, o controle do peso deve ser incentivado em pacientes com fibromialgia.[133]

Atividade física

Qualquer esquema de exercícios adotado deve ser individualizado para o paciente. Na prática, os pacientes devem ser alertados de que a dor e a fadiga podem se agravar de maneira transitória ao começar a se exercitar. Isso pode ser mitigado pela técnica "começar devagar, ir devagar" (aumentar progressivamente a intensidade/duração ao longo de semanas a meses), mas momentos curtos de exercício de alta intensidade podem ser adequados para alguns pacientes. Metas razoáveis incluem 2-3 sessões de atividade aeróbica (com duração de 20-30 minutos cada) e 2-3 sessões de treino de resistência (≥8 repetições por exercício), reconhecendo que nem todos os pacientes conseguem alcançar essa meta. Alguns pacientes podem apresentar exaustão/mal-estar prolongado após a atividade e podem se beneficiar de atividades de ritmo, de maneira similar às recomendações para pacientes com síndrome da fadiga crônica/encefalite miálgica. Consulte  Encefalomielite miálgica (síndrome da fadiga crônica).

Muitos pacientes provavelmente se beneficiariam com o encaminhamento para a fisioterapia para discutir exercícios de baixo impacto.

Muitos tipos de atividade física que combinam exercícios e relaxamento demonstraram ser úteis para reduzir a dor, ansiedade, depressão e fadiga e melhorar a qualidade do sono, a capacidade funcional e a qualidade de vida.[122][134]​​​​​​[135][136][137][138][139][140][141][142][143] [ Cochrane Clinical Answers logo ] [ Cochrane Clinical Answers logo ]

Uma metanálise propõe que o mecanismo da dor deve ser considerado ao pensar em intervenções com exercícios para pacientes com fibromialgia. Ela sugere que exercícios globais de intensidade moderada realizados por um longo período de tratamento podem ser benéficos para pacientes com predominância de dor nociplástica, e exercícios direcionados e intensos por um período curto de tratamento devem ser realizados em pacientes com predominância de dor nociceptiva.[144]

Intervenções psicológicas

Evidências demonstraram a eficácia da terapia cognitivo-comportamental (TCC) para reduzir os sintomas de dor crônica.[122][145] Uma revisão Cochrane concluiu que a TCC tem um efeito benéfico pequeno ou muito pequeno, em comparação com as intervenções de controle, na redução da dor, incapacidade e sofrimento causados pela dor crônica em pacientes adultos com dor crônica.[145]

Uma revisão sistemática subsequente de intervenções psicológicas para mulheres com fibromialgia (inclusive TCC e terapia comportamental, treinamento de estratégias de enfrentamento, atenção plena, tratamento de aceitação e compromisso, hipnose, meditação, musicoterapia, psicoterapia psicodinâmica em curto prazo e escrever as emoções) relatou que a maioria das intervenções psicológicas melhorou a qualidade de vida e reduziu os sintomas de fibromialgia em mulheres.[146]

Programas baseados na internet que incluem educação, TCC, biofeedback e exercício podem ser eficazes na fibromialgia, principalmente para os pacientes que não têm acesso à TCC individual ou em grupo.[147]

Terapias farmacológicas

A terapia farmacológica é, no melhor dos casos, levemente eficaz para a minoria dos pacientes. Uma metanálise em rede concluiu que os benefícios do tratamento farmacológico em pacientes com fibromialgia têm relevância clínica questionável.[148] Há evidências sólidas que demonstram os efeitos positivos das terapias não farmacológicas conservadoras em curto prazo em pacientes com fibromialgia, e que as terapias conservadoras multimodais podem oferecer benefícios em médio e longo prazo.[126] Isso não deve impedir o tratamento com terapias farmacológicas, mas demonstra a importância dos tratamentos não farmacológicos e multimodais.

Escolha do tratamento e ajuste gradual

A escolha do tratamento farmacológico deve ser orientada pelos sintomas individuais do paciente. Por exemplo, um inibidor da recaptação de serotonina-noradrenalina (IRSN) é uma escolha adequada quando o paciente sofre de depressão ou fadiga como comorbidades, enquanto uma gabapentina pode ser preferível quando o indivíduo apresenta problemas de sono como comorbidade.

Na prática, o tratamento farmacológico pode ser iniciado com uma dose subterapêutica para observar os sinais de efeitos adversos. Em seguida, o medicamento é ajustado lentamente (geralmente ao longo de semanas) até chegar à dose alvo mínima. Se os sintomas melhorarem, pode-se considerar o ajuste para a dose máxima ou a dose máxima tolerada. Caso seja alcançada uma resposta insatisfatória ou o ajuste da dose seja limitado por efeitos adversos, uma combinação de duas ou mais classes de medicamento (por exemplo, um IRSN com uma gabapentina, ou um IRSN com um antidepressivo tricíclico) pode ser tentada.[149][150][151]​​ O objetivo é usar a dose mais baixa que forneça os melhores desfechos terapêuticos com efeitos adversos mínimos (a maioria dos ensaios clínicos relata uma redução de 30% na intensidade da dor). Isso é bastante objetivo e, geralmente, é determinado com o paciente. Os medicamentos devem ser usados por, pelo menos, 12 meses; no entanto, costumam ser usados por mais tempo. O tratamento deve ser interrompido se o paciente desenvolver efeitos adversos intoleráveis, ou se não houver melhora nos sintomas após pelo menos 3 meses.

Antidepressivos tricíclicos

Metanálises sugerem que uma resposta clínica significativa pode ser esperada em cerca de 30% dos pacientes com fibromialgia tratados com antidepressivos tricíclicos.[152][153][154]​​​ No entanto, não há evidências de qualidade que demonstrem a extensão do benefício para além de 8 semanas.[155]​ Se não forem observados benefícios após uma tentativa de 6 semanas, o medicamento pode ser interrompido. Se o medicamento foi inicialmente eficaz, mas parece ter eficácia reduzida, pode ser temporariamente descontinuado e reiniciado.

Exemplos de medicamentos dessa classe incluem amitriptilina e ciclobenzaprina (um relaxante dos músculos esqueléticos com estrutura similar à amitriptilina, que tem efeitos semelhantes aos antidepressivos tricíclicos). O uso de amitriptilina costuma ser preferível à ciclobenzaprina devido a seu benefício adicional no humor e ao risco reduzido de efeitos adversos.

Os efeitos adversos anticolinérgicos dos antidepressivos tricíclicos muitas vezes limitam sua tolerabilidade, especialmente em pacientes idosos; no entanto, uma vantagem é que eles podem melhorar o sono.

IRSNs

Os IRSNs duloxetina e milnaciprana são eficazes no tratamento da fibromialgia.[122][156]​​ Amos os IRSNs demonstraram reduzir os escores de dor semanais em paciente​s com fibromialgia, em comparação com placebo.[157][158][159][160][161][162] [ Cochrane Clinical Answers logo ] ​​ Duloxetina e milnaciprana estão aprovados para o tratamento da fibromialgia.

Duloxetina demonstrou eficácia comparável para o tratamento da fibromialgia, em comparação com amitriptilina, diferindo apenas em relação ao perfil de sintomas do paciente, e evidências de alta qualidade sugerem que duloxetina é mais eficaz para pacientes que apresentam transtornos de humor.[163] Um estudo de segurança de longo prazo relatou uma redução de 50% na dor em 40% das mulheres tratadas com duloxetina, com um perfil de risco/benefício favorável por pelo menos 12 meses para o tratamento da fibromialgia.[164]

A tolerabilidade desses medicamentos pode ser aumentada advertindo-se os pacientes do risco de náusea e garantindo-lhes que, na maioria dos casos, isso é transitório, e iniciando o medicamento com uma dose baixa e aumentando a dose lentamente. Desconforto gastrointestinal, hiperidrose e cefaleia são os efeitos adversos mais comumente relatados com milnaciprana.[158][162][165]​​ Os efeitos adversos mais comuns da duloxetina são náuseas e cefaleia.[166][167]

Gabapentinóides

A eficácia de pregabalina foi amplamente demonstrada, e ela está aprovada para o tratamento da fibromialgia.[168] [ Cochrane Clinical Answers logo ] ​ A gabapentina tem eficácia similar, mas não está aprovada para o tratamento dessa afecção e tem menos evidências para dar suporte ao seu uso.[169]

Estes fármacos têm propriedades analgésicas, assim como atividade ansiolítica e anticonvulsivante.[170]​ Metanálises dão suporte ao uso de qualquer um desses agentes, com relatos de redução da dor, melhora do sono e melhor qualidade de vida relacionada à saúde.[171][172] [ Cochrane Clinical Answers logo ] [ Cochrane Clinical Answers logo ]

Na prática, os efeitos adversos de gabapentina aumentam à medida que a dosagem se eleva, enquanto o perfil de efeitos adversos de pregabalina é mais linear, possibilitando que o paciente tolere uma dose mais alta. A dosagem menos frequente de pregabalina também pode ser preferível.

Tratamento combinado

Frequentemente, os pacientes se beneficiarão de uma combinação de duas classes de medicamentos utilizados em conjunto (por exemplo, um IRSN com um antidepressivo tricíclico, ou um IRSN com uma gabapentina), enquanto outros pacientes podem responder a apenas uma classe de medicamentos.​[149][150][151][173]​​ No entanto, na prática, a combinação das três classes de medicamentos é rara.

Os IRSNs e os antidepressivos tricíclicos podem ser usados de maneira combinada (por exemplo, IRSN administrado pela manhã, antidepressivo tricíclico administrado à noite); no entanto, há risco de síndrome serotoninérgica (considerada rara na prática clínica) associada ao uso dessas duas classes de medicamentos em conjunto.

Analgésicos

Não há evidências de que os anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) e os opioides sejam eficazes para a fibromialgia, o que dá suporte ao entendimento dos mecanismos subjacentes da fibromialgia.[174][175]

Apesar das evidências e das recomendações contra seu uso, o uso de AINEs e opioides na fibromialgia é muito comum.[122]

No entanto, um AINE pode ser benéfico no caso de fibromialgia com uma comorbidade como a osteoartrose, em que há estímulo nociceptivo periférico contínuo.

Tramadol, um opioide fraco, é recomendado como potencial tratamento para fibromialgia.[122] Embora o tramadol tenha demonstrado um efeito positivo para a dor na fibromialgia quando combinado com um antidepressivo ou analgésico, não foi encontrada nenhuma diferença entre tramadol isolado e placebo.[176]​ Também é importante observar que o perfil de efeitos adversos e o potencial de uso indevido em longo prazo associados ao tratamento com tramadol são muito maiores que outros tratamentos farmacológicos para fibromialgia.

Não há evidências de que os opioides mais fortes sejam eficazes e não devem ser prescritos para uso em longo prazo na fibromialgia. A preocupação de que esses pacientes possam apresentar aumento do risco de hiperalgesia induzida por opioides pode ser anedótica.

Pacientes refratários ao tratamento inicial

Alguns pacientes, especialmente aqueles com sintomas graves (isto é, escore FIQR alto, por exemplo, 70+), incluindo sintomas de longa duração e consequências funcionais (por exemplo, incapacidade, compensação), os que estiverem fazendo uso doses altas de opioides, aqueles com comorbidades psiquiátricas importantes, pacientes que não apresentam resposta ao tratamento inicial e aqueles que tiverem tido vários procedimentos cirúrgicos "falhos" não responderão a esta abordagem e precisarão de cuidados interdisciplinares.

Encaminhamento

O encaminhamento a um especialista adequado deve ser individualizado, dependendo dos sintomas do paciente, por exemplo:

  • Fisioterapia: caso as recomendações de atividade física em geral sejam malsucedidas

  • Terapia ocupacional: caso o paciente apresente fadiga significativa, comprometimento vocacional

  • Psicologia:para terapia cognitivo-comportamental

  • Psicologia/psiquiatria: caso o paciente apresente sintomas depressivos moderados a graves

  • Reumatologia: caso o diagnóstico de doença reumática esteja sendo considerado

  • Neurologia: caso o diagnóstico de doença neurológica esteja sendo considerado

  • Medicina do sono: caso haja suspeita de um distúrbio do sono primário.

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