Abordagem

O câncer de bexiga apresenta mais comumente hematúria (macroscópica ou microscópica).[48] A hematúria relacionada ao câncer tem a característica de ser intermitente. A avaliação urológica é necessária em todos os adultos com hematúria visível (macroscópica) e deve ser considerada em adultos com hematúria não visível (confirmada microscopicamente) na ausência de alguma causa benigna demonstrável.[49]​ Aguardar a confirmação de hematúria microscópica em amostras repetidas (se as potenciais causas desencadeantes já foram descartadas) antes de uma avaliação mais ampla pode gerar o risco de não detectar cânceres clinicamente significativos.[50]

Todos os pacientes com suspeita de câncer de bexiga precisam de uma história completa e exame físico, embora o exame físico geralmente não apresente nada digno de nota, principalmente em pacientes com doença inicial.[41]

Avaliação da hematúria microscópica

A hematúria não visível, definida como ≥3 eritrócitos por campo de grande aumento, é uma manifestação comum do câncer de bexiga.[50]​ O rastreamento de hematúria não visível nas populações em risco, juntamente com uma avaliação apropriada, melhora a sobrevida.[16][51]​​​ Em geral, o limiar para a citologia e a cistoscopia deve ser baixo na ausência de uma causa clara e da resolução completa da hematúria.

A American Urological Association recomenda avaliação de acordo com o risco de câncer urológico.[52]

Os pacientes de baixo risco atendem a todos os seguintes critérios:

  • Mulheres <50 anos, homens <40 anos

  • Nunca fumou ou <10 maços-ano

  • 3-10 eritrócitos por campo de grande aumento em uma única microscopia de urina

  • Nenhum fator de risco para câncer urotelial (os fatores de risco incluem micro-hematúria persistente, hematúria macroscópica).

Os pacientes de risco intermediário atendem a um dos seguintes critérios:

  • Mulheres 50-59 anos, homens 40-59 anos

  • História de tabagismo de 10-30 maços-ano

  • 11-25 eritrócitos por campo de grande aumento em uma única microscopia de urina

  • Pacientes de baixo risco sem avaliação prévia e 3-10 eritrócitos por campo de grande aumento em nova microscopia de urina

  • Fatores de risco adicionais para câncer urotelial (os fatores de risco adicionais incluem sintomas irritativos do trato urinário inferior, radioterapia pélvica prévia, quimioterapia prévia com ciclofosfamida/ifosfamida, história familiar de câncer urotelial, história familiar de síndrome de Lynch, exposição ocupacional a aminas aromáticas ou químicos de benzeno, corpo estranho crônico permanente no trato urinário).

Os pacientes de alto risco são definidos como:

  • Mulheres e homens ≥60 anos

  • história de tabagismo de >30 maços-ano

  • >25 eritrócitos por campo de grande aumento em uma única microscopia de urina

  • História de hematúria macroscópica

Para pacientes de baixo risco, a microscopia de urina pode ser repetida após 6 meses, ou o trato urinário pode ser investigado com ultrassonografia renal e cistoscopia. Se a micro-hematúria persistir no novo exame, o paciente passa a ser classificado como de risco intermediário ou alto. Deve-se oferecer ultrassonografia renal e cistoscopia aos pacientes de risco intermediário. Aos pacientes de alto risco, deve-se oferecer exame de imagem renal axial, de preferência com urografia por tomografia computadorizada (TC) e cistoscopia.[52] A ultrassonografia tem a vantagem de evitar a exposição à radiação, mas fornece menos detalhes que a urografia por TC.

A repetição da urinálise em até 12 meses deve ser considerada para os pacientes cuja investigação tiver um resultado negativo. Uma nova urinálise positiva deve justificar uma decisão compartilhada em relação a repetir a avaliação ou observar.[52]

Consulte Avaliação da hematúria microscópica.

Avaliação da hematúria visível

Todos os pacientes com sangue visível na urina necessitam de investigação, mesmo quando relacionados à anticoagulação excessiva. A cessação espontânea completa do sangramento não descarta a possibilidade de neoplasia maligna com risco de vida.

Os sintomas orientam a investigação: a cólica renal deve suscitar estudos de imagem com TC ou radiografias simples para calculose renal; o início agudo de polaciúria e disúria deve suscitar a cultura de urina (com antibioticoterapia, se indicado). A não confirmação desses diagnósticos deve resultar em avaliação quanto a câncer de bexiga com urinálise, citologia da urina e cistoscopia. A urografia por TC ou ressonância magnética (RM) é usada para avaliar os tratos superiores e, assim como a ultrassonografia da bexiga, esses exames podem demonstrar a presença de câncer de bexiga em muitos casos.[41][53]​ ​​​ No entanto, a sensibilidade desses exames não é suficiente para descartar o diagnóstico, principalmente de carcinoma in situ, de modo que a cistoscopia ainda é necessária.[48]

Consulte Avaliação da hematúria microscópica.

Avaliação de sintomas miccionais irritativos

A polaciúria como sintoma isolado de câncer de bexiga é rara, mas ocorre. Hipertrofia prostática benigna e bexiga hiperativa são causas mais comuns, mas, se não forem identificadas e/ou não responderem ao tratamento, citologia urinária e cistoscopia serão indicadas.

A queimação ao urinar pode ocorrer com o carcinoma in situ e o câncer de bexiga de alto grau.​[54]​​​​​No entanto, o risco de câncer de bexiga ou do trato urinário em um paciente (≥60 anos) que apresenta disúria (na ausência de hematúria visível) é baixa.[55][56] As causas comuns de disúria (por exemplo, infecção do trato urinário, prostatite) devem ser descartadas. Consulte Avaliação da disúria.

As diretrizes do Reino Unido recomendam o encaminhamento urgente para um especialista para os pacientes com ≥60 anos que apresentarem hematúria e disúria não visíveis.[57]

Cistoscopia e imagem do trato superior

A cistoscopia é fundamental para fazer o diagnóstico.[41][48][54]​​​​​ Os tumores de baixo grau são papilares e fáceis de visualizar, mas os tumores de alto grau podem ser papilares, planos ou in situ e difíceis de visualizar com luz branca. A visualização à cistoscopia pode ser melhorada pela cistoscopia de banda estreita ou de luz azul (fluorescente), além da luz branca; ambas parecem melhorar a acurácia diagnóstica em comparação com a luz branca somente.[41][44][58][59]​​

Se um paciente for submetido à cistoscopia e uma lesão suspeita de tumor de bexiga urotelial for identificada, o paciente deverá programar uma RTTB, que permitirá confirmar o diagnóstico patologicamente e avaliar a extensão da doença.

  • As características sugestivas de doença não invasiva (Ta) incluem tumores papilares com um pedúnculo estreito. É comum que os tumores invasivos tenham um pedúnculo grosso ou configuração sólida. Manchas eritematosas ásperas podem ser indicativas de Tis (carcinoma in situ), embora o urotélio geralmente pareça normal. Biópsias aleatórias ou biópsia de áreas positivas na luz azul ou cistoscopia de feixe estreito são necessárias para diagnosticar Tis de maneira adequada.[60]

  • As características sugestivas de doença invasiva do músculo (T2) incluem tumores multifocais que são sésseis. A vascularidade ao redor do tumor aumenta. Os tumores geralmente são grandes (>3 cm de diâmetro), sólidos ou sésseis. O exame físico bimanual pode revelar a massa estendida além da bexiga (T3-4).

Todos os pacientes com lesões suspeitas detectadas na cistoscopia devem ser submetidos a exames de imagem do sistema coletor do trato superior, caso ainda não o tenham feito. Isso serve para identificar metástases e obstruções nodais (hidronefrose).[41] A urografia por TC, que fornece imagens do trato urinário com contraste durante a fase excretora, é a modalidade de primeira escolha.

A urografia por RM é uma alternativa se a TC com contraste for contraindicada. A ultrassonografia renal com pielografia retrógrada é uma opção alternativa se a TC e a RNM forem contraindicadas ou não estiverem disponíveis.[41][44][52]​​ As imagens podem ser obtidas antes ou depois da RTTB, mas as diretrizes da National Comprehensive Cancer Network (NCCN) recomendam uma TC ou RNM antes da ressecção, se possível.[44]

[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Carcinoma urotelial papilar não invasivo (Ta) de baixo grau; observe o tumor satélite adjacente, ilustrando o efeito de campoDo acervo de Donald Lamm, MD, FACS [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@7310bb20[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Carcinoma urotelial de baixo grau disseminado na uretra prostática; a ilustração mostra o eletrodo de alça usado para remover tumores de bexigaDo acervo de Donald Lamm, MD, FACS [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@4654656d[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Tumores de baixo grau rodeados por pequenos tumores satélites com pequenas frondes uniformes. Em primeiro plano, um tumor sólido em uma base ampla, uma aparência típica de tumores de alto grau. Tumores de baixo e alto grau geralmente ocorrem no mesmo pacienteDo acervo de Donald Lamm, MD, FACS [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@1bb69399[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Tumor tingido com azul de metileno no colo vesical direito. A coloração com azul de metileno a 0.2% (ou o uso de cistoscopia por fluorescência azul clara com hexaminolevulinato) pode ajudar a identificar tumores não observados de outra formaDo acervo de Donald Lamm, MD, FACS [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@9903f75[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Carcinoma in situ da bexiga; pode parecer uma mancha eritematosa áspera na bexiga, mas o urotélio costuma parecer normal; a biópsia aleatória ou biópsia das áreas tingidas com azul de metileno a 0.2%, ilustrada aqui, é necessária para fazer o diagnósticoDo acervo de Donald Lamm, MD, FACS [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@209c6cab

RTTB

A RTTB é um procedimento terapêutico e diagnóstico. A ressecção inicial permite a confirmação patológica do diagnóstico com avaliação de histologia, grau e profundidade da invasão. Os fragmentos devem ter tamanho e profundidade adequados para permitir a avaliação adequada da invasão do músculo detrusor. O exame sob anestesia bimanual é realizado no momento da RTTB para avaliar uma massa palpável ou fixação na parede pélvica.[54]

A cistoscopia realçada (imagem de banda estreita ou com fluorescência) pode melhorar a detecção das lesões de difícil visualização quando usada para orientar a RTTB.[41][44][61][62]​​​​​​[63]​​​​ A cistoscopia com luz azul (fluorescência) é preferível para orientar a RTTB, pois reduz o risco de recorrência.[41][61][62]​​ A evidência de redução das recorrências é menos certa para a cistoscopia com imagem de banda estreita.[41][62][63][64][65]

Diversas biópsias da bexiga podem ser realizadas no momento da ressecção inicial para detectar carcinoma in situ, o que pode alterar o tratamento e aumentar o risco de carcinoma do trato superior e uretral. Carcinoma de uretra prostática, se não tratado, pode evoluir para doença invasiva agressiva. Invasão precoce da próstata pode ser manejada por ressecção transuretral da próstata se as margens da ressecção estiverem livres da doença, mas invasão profunda apresenta um prognóstico desfavorável mesmo com cistectomia radical.

A estratificação de risco orientada pelas diretrizes com base no grau e estádio determina o tratamento adicional após a RTTB inicial. A repetição da ressecção ou a ressecção simultânea da próstata pode ser recomendada para alguns pacientes para reduzir o risco de recorrência. Consulte Abordagem de tratamento.

Investigação adicional para câncer de bexiga músculo invasivo

Pacientes com câncer de bexiga músculo invasivo presuntivo (com base em RTTB e exames de imagem) ou patologicamente confirmado devem realizar hemograma completo, perfil bioquímico (incluindo fosfatase alcalina), radiografia torácica e TC ou RNM abdominal/pélvica.[44][66] A RNM é considerada a melhor modalidade para estadiamento local do câncer de bexiga devido à resolução superior do contraste dos tecidos moles em comparação com a TC.[54][66]​​​​​​ Uma metanálise demonstrou que a tomografia por emissão de pósitrons (PET)-CT é útil nos pacientes com alto risco de doença metastática (por exemplo, aqueles com invasão do músculo e invasão linfovascular).[67]​ Outra metanálise relatou que a TC, a RNM e a PET-CT têm especificidades semelhantes para detecção de metástases nodais, mas a RNM e a PET/TC têm sensibilidade superior.[68]

Pacientes com sintomas ou suspeita clínica de metástase óssea (por exemplo, dor óssea ou fosfatase alcalina elevada) devem ser avaliados com RNM, PET-CT com fluordesoxiglucose ou cintilografia óssea.[44][66]

Citologia da urina e marcadores de câncer de bexiga

A citologia continua sendo o marcador urinário padrão e mais aceito para o câncer de bexiga, mas resultados falsos-negativos são comuns.

A citologia não é indicada rotineiramente para avaliação inicial da hematúria.[52][69]​​​​​​​ No entanto, a citologia da urina tem alta sensibilidade para tumores de alto grau e pode ser um complemento útil para os pacientes com sintomas miccionais irritativos ou outros fatores de risco para carcinoma in situ (por exemplo, tabagismo, exposição a químicos, história familiar).[48][52]​ A citologia da urina também pode se usada para a vigilância pós-tratamento.[44][48]

A sensibilidade da citologia da urina para os tumores de baixo grau é limitada.[48][70]​​ O uso do sistema de Paris para relatos de citologia da urina (TPS) melhora o potencial de rastreamento e vigilância da citologia de urina.[71]

Os biomarcadores urinários para câncer de bexiga têm maior sensibilidade, em comparação com a citologia da urina, mas a especificidade é menor.[44][72]​ Esses biomarcadores incluem o antígeno tumoral da bexiga (BTA), proteína de matriz nuclear 22 (NMP22), ImmunoCyt/uCyt+ (um teste diagnóstico imunocitológico por fluorescência que usa 3 anticorpos monoclonais relacionados ao tumor) e o UroVysion (uma hibridização in situ fluorescente [FISH] dos centrômeros dos cromossomos 3, 7 e 17 e do locus 9p21 do cromossomo 9 associados ao câncer de bexiga).

Os biomarcadores urinários para câncer de bexiga podem ajudar a determinar a frequência mais adequada das cistoscopias de acompanhamento e auxiliar no diagnóstico dos pacientes de alto risco, mas não substituem a cistoscopia.[72]

O UroVysion® FISH ou o ImmunoCyt™ podem ser úteis se os resultados da citologia forem atípicos ou duvidosos para câncer.[41] ​A persistência de um FISH UroVysion® positivo após a BCG intravesical (no câncer de bexiga não invasivo do músculo) sugere resposta inadequada e alto risco de evolução.[41][73][74]

Em uma revisão da série publicada, a sensibilidade (SN) e a especificidade (SP) foram as seguintes:[75]

  • Tira reagente de hematúria: SN de 47% a 93%, SP de 51% a 84%

  • Citologia: SN de 12% a 85%, SP de 78% a 100% SP

  • BTA Trak: SN de 51% a 100%, SP de 73% a 92% SP

  • NMP22 BladderChek: SN de 50% a 65%, SP de 40% a 90% SP

  • ImmunoCyt/uCyt+: SN de 81% a 89%, SP de 61% a 78% SP

  • UroVysion FISH: SN de 69% a 100%, SP de 65% a 96% SP.

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