Abordagem

O manejo ideal da doença de Huntington requer uma abordagem multidisciplinar.[61]​ O objetivo do tratamento é reduzir a carga dos sintomas, manter/melhorar a qualidade de vida e oferecer apoio social e psicológico. Embora atualmente não haja terapia modificadora da doença eficaz, há tratamentos sintomáticos e de suporte.[36][62]

Os pacientes geralmente se beneficiam de cuidados multidisciplinares, com uma combinação de tratamentos farmacológicos e não farmacológicos. Há poucas evidências específicas para doença de Huntington para orientar a escolha do tratamento; portanto, as recomendações baseiam-se principalmente no consenso clínico e na opinião de especialistas.[32][62]​​[63]​​[64]

Informações e apoio

Logo após o diagnóstico genético e em vários momentos ao longo da jornada, a discussão com os pacientes e os familiares deve abordar a natureza hereditária da doença, sua história natural, incluindo variações de velocidade da evolução/sequência de eventos, questões comportamentais, além de fornecer orientações de segurança relativas a dirigir, uso de armas de fogo e descarte de medicamentos de prescrição acumulados. A doença de Huntington pode afetar significativamente a dinâmica familiar, muitas vezes por conta dos sintomas comportamentais, sua natureza hereditária, bem como as demandas sobre os cuidadores. Caso tenha ocorrido uma experiência particularmente problemática na família, tais informações podem ser reconfortantes.

Uma área significativa de potencial intervenção por médicos é o apoio ao cuidador. A carga de cuidar de um paciente afetado é considerável e sobrecarrega as famílias em aspectos emocionais, físicos e financeiros. Pode ser benéfico direcionar as famílias a recursos comunitários, a grupos de apoio para a doença de Huntington e a agências governamentais relevantes. Huntington’s Disease Association Opens in new window International Huntington Association Opens in new window​ O reconhecimento dos desafios enfrentados pelos cuidadores deve fazer parte de todas as consultas clínicas.

Depression

O problema tratável mais grave tanto em indivíduos com risco de apresentar a doença quanto naqueles que já foram diagnosticados é a depressão. O tratamento da depressão é fundamental e reduz o risco de suicídio.

Os tratamentos de primeira linha são antidepressivos e/ou terapia cognitivo-comportamental (TCC).[62]​ Os sintomas depressivos em indivíduos com doença de Huntington apresentam boa resposta aos antidepressivos.[65][66][67]​ O tratamento é semelhante ao da depressão na população em geral. Entretanto, devido ao aumento do risco de suicídio, devem ser consideradas precauções adicionais sobre o potencial de superdosagem intencional ao fazer a prescrição.

Estudos comparativos de antidepressivos para a doença de Huntington não estão disponíveis, portanto, a escolha dos agentes é baseada no julgamento clínico em relação aos prováveis benefícios e danos de uma superdosagem e aos sintomas comportamentais associados. Os inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRSs; por exemplo, citalopram, sertralina e escitalopram) são mais usados.[62]​ Com frequência, citalopram é usado como escolha de primeira linha para pacientes com depressão isolada, e sertralina costuma ser usada como primeira linha para pacientes com depressão e irritabilidade ou ansiedade comórbida. As opções de segunda linha incluem escitalopram.

Se for provável a prescrição de tetrabenazina (para coreia) ao paciente, então o citalopram, a sertralina ou o escitalopram são as opções de escolha. Outros ISRSs (fluoxetina, fluvoxamina, paroxetina) são inibidores mais potentes de CYP2D6 e, portanto, podem reduzir a depuração da tetrabenazina, causando efeitos adversos tóxicos.

Em casos urgentes ou graves, podem ser considerados medicamentos com início de ação mais rápido, como a mirtazapina (um antidepressivo tetracíclico).[65] Mirtazapina também pode ser útil se houver insônia concomitante.[32]

Se houver efeitos adversos ou falha terapêutica a qualquer medicamento, tente outro medicamento ou considere o encaminhamento a um psiquiatra.

A psicoterapia (por exemplo, TCC) e o aconselhamento podem ser extremamente úteis para pacientes com doença de Huntington que apresentam sintomas depressivos. Embora haja apenas pequenos estudos não controlados disponíveis para dar suporte ao uso da psicoterapia para depressão em pacientes com doença de Huntington, as diretrizes sugerem considerá-la com base em evidências de outras doenças neurodegenerativas e da população em geral.[62][68][69]

Em pacientes com depressão refratária, a eletroconvulsoterapia (ECT) pode oferecer benefícios significativos e não agrava outros aspectos da doença de Huntington.[70][71]

A probabilidade de suicídio deve ser proativamente explorada e avaliada de maneira regular, devido à alta prevalência entre a comunidade com doença de Huntington.

Ansiedade

A ansiedade é um sintoma comum e pode responder a uma variedade de tratamentos, incluindo inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRSs) e benzodiazepínicos.​​ Assim como ocorre com a depressão, a psicoterapia pode ser útil e complementar a intervenção farmacológica.[32]

Comportamentos obsessivo-compulsivos e perseveração

Os pacientes podem se tornar obsessivos a ponto de causar rupturas na vida familiar. Suas obsessões podem estar relacionadas a outras pessoas (ressentimentos recorrentes, suspeita de infidelidade), podem ser auto-orientadas (obsessões com hábitos intestinais ou vesicais ou ingestão de fluidos) ou ainda podem ser ritualísticas (insistência em rotinas, objetos ou ato de lavar as mãos). Os membros da família geralmente consideram esse comportamento perturbador e frequentemente não têm escolha a não ser aceitá-lo o máximo possível.

ISRSs, como o citalopram ou a fluoxetina, podem ter um papel no tratamento de sintomas obsessivo-compulsivos.[72][73]​ A terapia de alta dose e longa duração pode ser necessária para essa indicação, sob supervisão de um especialista. Devido à natureza problemática de tais sintomas em alguns pacientes, recomenda-se persistência.

A clomipramina (um antidepressivo tricíclico) tem maior incidência de eventos adversos, mas poderá ser considerada se os ISRSs falharem.

Os sintomas obsessivo-compulsivos podem apresentar resposta clínica a antipsicóticos, como a olanzapina.[74][75] A escolha entre antidepressivos e antipsicóticos deve ser baseada na experiência clínica e nas comorbidades. Antipsicóticos têm maior probabilidade de ser úteis em pacientes com coreia e agitação problemáticas, enquanto os antidepressivos são mais apropriados para pacientes com apatia.

A TCC é eficaz na população geral para obsessões e compulsões, isolada ou em combinação com a terapia medicamentosa. Ela também pode ser benéfica em pessoas com a doença de Huntington, particularmente em pacientes sem comprometimento cognitivo significativo.[62]

À medida que a demência evolui, as obsessões geralmente remitem, talvez pelo fato de o paciente se tornar menos capaz de reter a obsessão na memória ativa. O encaminhamento psiquiátrico pode ser útil.

Problemas comportamentais e de humor (por exemplo, irritabilidade, alterações de humor, agressividade, acessos de fúria frequentes)

Um dos comportamentos problemáticos é o mau humor.[76][77]​ Os pacientes ficam cada vez mais irritáveis à medida que a doença evolui e podem se tornar verbalmente ou até mesmo fisicamente abusivos. A alienação da família pode contribuir para o isolamento, divórcio ou abandono, e isso aumenta a probabilidade de suicídio, negligência ou lesão acidental. As diretrizes recomendam considerar as causas ambientais e estratégias comportamentais para reduzir a irritabilidade antes de iniciar o tratamento farmacológico.[62]​ Isso pode incluir reduzir o barulho e outras fontes de excesso de estímulos; tratar a dor ou outras fontes de desconforto físico; e instituir rotinas regulares e estruturadas sempre que possível. Psicoeducação para a família do paciente sobre estratégias para ajudar a evitar o confronto também pode ser benéfica.[32][62]​​​​

Embora as evidências sejam limitadas, a experiência clínica sugere que a irritabilidade geralmente responde ao tratamento com ISRSs, especialmente nos estágios mais iniciais; doses no limite superior do intervalo recomendado pelo fabricante geralmente são necessárias para essa indicação.[62]​ Outras abordagens padrão para controlar o temperamento e a irritabilidade incluem o uso de antipsicóticos atípicos (por exemplo, olanzapina, quetiapina) ou anticonvulsivantes com propriedades estabilizadoras de humor (por exemplo, ácido valproico). Os benzodiazepínicos também podem ser úteis, embora possam ter efeito desinibidor em alguns pacientes. A escolha entre esses agentes é difícil na ausência de estudos definitivos. Entretanto, os antipsicóticos podem ser mais apropriados em circunstâncias nas quais a perda de peso e a coreia são proeminentes e nas quais os sintomas precisam de manejo do quadro agudo; os benzodiazepínicos podem ser mais apropriados em situações em que a ansiedade ou a insônia são mais proeminentes; e o ácido valproico é mais apropriado quando os sintomas estão apenas evoluindo ou quando há preocupação com efeitos adversos sedativos.

Os antipsicóticos têm sido utilizados com sucesso no tratamento da irritabilidade e da agressividade; entretanto, poucos estudos publicados estão disponíveis para diretrizes específicas.[36][78]​ A escolha do antipsicótico é baseada no perfil de efeitos adversos. Para pacientes com problemas comportamentais coexistentes com coreia significativa, movimentos involuntários e/ou bradicinesia e rigidez, antipsicóticos atípicos (por exemplo, olanzapina, quetiapina) podem ser úteis. Devido aos efeitos adversos dos antipsicóticos, o monitoramento regular é essencial, e reduções ocasionais na dosagem ou interrupções temporárias são apropriadas.

Doses iniciais mais altas, ou doses parenterais de antipsicóticos podem ser consideradas para problemas comportamentais graves e agudos. A olanzapina também pode ser administrada por via parenteral, se necessário. Episódios graves de agressividade ou comportamento violento podem requerer intervenção de autoridades civis, visitas ao pronto-socorro ou comprometimento formal.

Coreia

Convencionalmente, a coreia é considerada um traço característicos da doença de Huntington e pode ser fonte de sofrimento para os pacientes, mas também para as pessoas próximas do indivíduo afetado. No entanto, muitas vezes os próprios pacientes não têm consciência dos seus movimentos e não se sentem incomodados por eles. Portanto, é essencial estabelecer se o paciente sente que a coreia tem um impacto negativo significativo em suas atividades diárias, antes de iniciar qualquer terapia. Quando grave, a coreia interfere na função e na capacidade de receber cuidados pessoais; quando leve, pode contribuir para o isolamento social, mas varia de um indivíduo para outro.[62]​​[79]​​​​ O tratamento da coreia na doença de Huntington é de certa forma problemático, e a base de evidências para os tratamentos é limitada.[80] Os medicamentos que reduzem a coreia normalmente têm efeitos adversos sobre o humor, a concentração e a coordenação, os quais são fatores comumente responsáveis pela incapacidade funcional na doença de Huntington.

As opções de tratamento para coreia incluem tetrabenazina ou um antipsicótico atípico.

A tetrabenazina é um inibidor seletivo reversível do transportador de monoamina vesicular 2 (VMAT2) que bloqueia o transporte de dopamina para as vesículas sinápticas no sistema nervoso central.[81][82]​​ Ela causa efeitos adversos centrais de sedação, bradicinesia, inquietação e depressão. Sua ação é semelhante à da reserpina (que não está mais disponível), exceto pelo fato de a reserpina ser não seletiva e irreversível e, portanto, ter efeitos adversos centrais de duração mais longa e efeitos adversos periféricos não observados com a tetrabenazina, como hipotensão e úlceras gástricas. Ensaios clínicos demonstraram que a tetrabenazina reduz significativamente a coreia.[63][82][83][84]​​ A tetrabenazina tem latência mais curta até o efeito e compensação desde a instituição da terapia em comparação aos antipsicóticos e é livre de quaisquer preocupações em relação à discinesia tardia. Entretanto, tem maior probabilidade de causar depressão e sedação.[82] Os pacientes com coreia nos quais é observado um problema significativo são candidatos apropriados para o tratamento com tetrabenazina, particularmente aqueles que não toleram antipsicóticos. É uma boa escolha de primeira linha para pacientes nos quais a coreia isolada precisa de tratamento (isto é, pacientes que não precisam dos efeitos adversos de ganho de peso ou sedação noturna e/ou tratamento da irritação e agitação), embora não seja apropriada para pacientes com história de sintomas depressivos graves e probabilidade de suicídio/ideação suicida.[62]​ É contraindicada em pacientes com probabilidade de suicídio ativa ou depressão não tratada ou inadequadamente tratada. Monitore os pacientes para novo episódio ou agravamento da depressão ou probabilidade de suicídio durante o tratamento. Há interações medicamentosas significativas com tetrabenazina, em particular inibidores de CYP2D6 (por exemplo, alguns ISRSs que podem ser usados para tratar outros sintomas em pacientes com doença de Huntington), e você deve consultar uma base de dados de interação medicamentosa antes de prescrever esse medicamento.

Antipsicóticos estão entre os medicamentos mais eficazes disponíveis para essa indicação. Antipsicóticos atípicos (por exemplo, olanzapina, risperidona) são os medicamentos preferidos na prática clínica devido ao seu perfil melhorado de efeitos adversos, em comparação com antipsicóticos de primeira geração.[85]

Efeitos adversos podem agravar as características subjacentes da doença de Huntington, embora às vezes também possam ser benéficos, como a sedação noturna e o ganho de peso. Esses medicamentos devem ser reservados a situações nas quais a coreia é problemática para o paciente.

Amantadina foi previamente incluída nas diretrizes para tratar a coreia na doença de Huntington como "provavelmente útil". No entanto, sua eficácia é altamente discutível, e raramente é usada como terapia de primeira ou segunda linha.[86][87][88]​​​​​[89]

A história natural do distúrbio do movimento é que, em estágios mais tardios da doença, a coreia tende a diminuir e a bradicinesia e a rigidez tendem a aumentar; portanto, deve-se reavaliar o tratamento medicamentoso e considerar uma redução.

Bradicinesia e rigidez predominantes

Em geral, esses sintomas são de difícil tratamento.[90][91][92]​ Levodopa/carbidopa podem ser testadas.[62]​ Deve haver resposta aparente dentro de 1 mês, caso contrário, descontinuar. A amantadina pode ser usada por 3 semanas, período em que deve haver uma resposta terapêutica aparente; descontinue se não houver resposta terapêutica até esse momento.[86]

Comprometimento cognitivo

Embora um pequeno ensaio clínico randomizado e controlado tenha sugerido que medicamentos anticolinesterase podem ter um efeito benéfico sobre a cognição em alguns pacientes com a doença de Huntington, esses achados não foram replicados.[93] Um estudo randomizado e duplo-cego não encontrou qualquer efeito do citalopram sobre a função executiva em pacientes não deprimidos.[94] Estudos adicionais estão em andamento.

Outras intervenções de suporte

Encaminhe os pacientes para cuidados não farmacológicos adequados. Há evidências de que intervenções fisioterapêuticas podem melhorar a aptidão física, a função motora e a marcha em pessoas com doença de Huntington.[95] Programas de exercícios em casa melhoram a função física em pessoas com doença de Huntington no estágio precoce a intermediário.[96]​ A fonoterapia e a terapia de deglutição não foram testadas rigorosamente na doença de Huntington, mas podem oferecer benefício transitório.

A European Huntington’s Disease Network publicou diversas diretrizes de boas práticas sobre o uso de intervenções não farmacológicas na doença de Huntington, como terapia ocupacional, fisioterapia, fonoterapia e suporte nutricional.[97][98][99][100] EHDN: physiotherapy working group Opens in new window

Uma avaliação quanto à direção feita por um avaliador independente pode ser útil para decidir se dirigir ainda é seguro.

Cuidados paliativos e no final da vida

A discussão sobre planejamento antecipado de cuidados médicos pode ser útil em algum momento do ciclo da doença e deve ser um componente regular da revisão clínica, personalizada de acordo com o preparo e a disposição do paciente para se envolver na conversa.[101]​ Os tópicos podem incluir desejos de cuidados no final da vida, nomeação de procurador permanente, decisões antecipadas para recusar o tratamento e declarações antecipadas.[101][102]

Uma abordagem de cuidados paliativos, integrada pela equipe multidisciplinar, é apropriada durante toda a evolução da doença para pacientes com doença de Huntington, para lidar com sintomas de difícil tratamento.[102][103]

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