Abordagem

O objetivo geral primário do tratamento é otimizar a qualidade de vida do paciente e dar suporte a uma trajetória de desenvolvimento positiva. A abordagem de tratamento é multidisciplinar e frequentemente multimodal.[64]

Um passo inicial e imperativo é educar a família, os médicos, os professores e os colegas sobre os sintomas e a evolução do transtorno a fim de reduzir qualquer estigma e sofrimento associados.[65]

O passo seguinte é estabelecer se há presença de transtornos psiquiátricos comórbidos e avaliar o grau de impacto deles sobre a capacidade funcional da criança em casa, na escola e entre os colegas. É importante lembrar que os transtornos psiquiátricos comórbidos geralmente requerem mais atenção e tratamento que os tiques. Se o transtorno de deficit da atenção com hiperatividade (TDAH), o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), transtornos de humor ou transtornos de ansiedade não relacionados ao TOC estiverem presentes, o encaminhamento para um psiquiatra de crianças e adolescentes é apropriado para avaliação adicional e tratamento. O tratamento da comorbidade pode frequentemente reduzir os tiques de maneira secundária.

Um tratamento específico para os tiques é indicado apenas quando eles causam sofrimento e comprometimento funcional significativos. Muitos tiques de crianças irão se atenuar ou remitir por conta própria após a puberdade.[3][65] Todos os pacientes devem ser ativamente monitorados regularmente, em particular durante o período de desenvolvimento entre 6 e 15 anos de idade, no qual os tiques são em geral mais proeminentes.

Se for indicado tratamento, as abordagens cognitivo-comportamentais baseadas em evidências são a primeira linha para crianças com tiques leves a moderados.

A medicação deve ser recomendada apenas quando a intervenção comportamental não foi efetiva ou não estiver disponível.[66]

Os mesmos objetivos e abordagens de avaliação e de tratamento são usados nos adultos com ST. Os adultos têm maior probabilidade de apresentarem quadros mais complexos, incluindo transtornos psiquiátricos comórbidos e complicações.

Abordagens comportamentais

Uma intervenção comportamental abrangente para tiques (CBIT), com terapia de reversão de hábitos como principal componente, é recomendada como tratamento de primeira linha para a ST.[65]

Vários relatos têm mostrado benefício empírico com a terapia de reversão de hábitos, com respaldo do maior corpo de evidências de terapias comportamentais usadas no manejo da ST. Os estudos revelaram redução da gravidade dos tiques com a terapia de reversão de hábitos em comparação com a psicoterapia de suporte, tanto em adultos quanto em crianças.[67] A melhora na qualidade de vida e do funcionamento psicossocial, os quais permaneceram estáveis a 6 meses de acompanhamento, foi observada tanto com a terapia de reversão de hábitos quanto com a psicoterapia de suporte.[68][69]

A exposição e a prevenção de resposta também podem ser benéficas para a ST.[66][70] Outras terapias comportamentais são, em geral, consideradas tratamentos adjuvantes.[71]

Opções farmacológicas

Existem várias opções farmacológicas para o tratamento dos tiques, a partir do momento em que se opta pelo uso de farmacoterapia.[65] A monoterapia na dose eficaz mais baixa é geralmente recomendada, embora o tratamento deva ser personalizado para cada paciente individual de acordo com suas necessidades.[72][73]

Pacientes sem TDAH ou TOC

A farmacoterapia de primeira linha para tiques leves a moderados é geralmente um agonista alfa-2 (por exemplo, clonidina ou guanfacina).[65] Tanto a clonidina quanto a guanfacina mostraram ser eficazes para os tiques; geralmente, a guanfacina apresenta um perfil de efeitos colaterais ligeiramente mais favorável, já que tem menor probabilidade de causar torpor ou sedação. Contudo, ainda não há comparações diretas com a clonidina.[50][74]

Os pacientes com tiques moderados a graves que causem comprometimento funcional podem ser tratados com um antipsicótico.[65] O haloperidol, a pimozida e o aripiprazol são as únicas medicações aprovadas pela Food and Drug Administration dos EUA. No entanto, os efeitos adversos associados ao seu uso são significativos, tais como: sedação; depressão; ganho de peso; hepatotoxicidade; distúrbios do movimento induzidos por medicamentos; sintomas extrapiramidais agudos (acatisia e reações distônicas agudas); parkinsonismo; e, com uso crônico, síndromes tardias (como discinesias tardias e distonia tardia).[75][76][77] O aripiprazol também pode estar associado a efeitos adversos metabólicos, inclui ganho de peso, aumento da glicemia e resistência insulínica e aumento nos lipídios.[78]

O uso dos antipsicóticos atípicos (por exemplo, aripiprazol, risperidona, ziprasidona) ganhou espaço em relação ao haloperidol e à pimozida, por causa da menor ocorrência de sintomas extrapiramidais. O risco de desenvolvimento de síndromes tardias pode ser menor com os agentes de segunda geração.[79][80] Em um estudo duplo-cego, comparativo e de grupos paralelos de risperidona em comparação à pimozida, ambas foram relatadas eficazes para tiques; no entanto, o grupo tratado com risperidona teve um número menor de efeitos adversos extrapiramidais.[81][82] Um estudo duplo-cego controlado por placebo, realizado com 28 pacientes com ST, mostrou que a ziprasidona foi efetiva na redução dos tiques; a sonolência foi o efeito adverso mais comum.[83] Um estudo duplo-cego e controlado por placebo de aripiprazol em crianças e adolescentes com ST indicou que o aripiprazol foi mais efetivo que o placebo na redução dos tiques.[77] Esse achado foi replicado em metanálises sobre a eficácia do aripiprazol em crianças e adolescentes com transtornos de tique.[84][85]

Outros medicamentos atípicos, como quetiapina, não foram estudados tão detalhadamente, embora existam alguns estudos mostrando achados favoráveis.[86]

O topiramato demonstrou eficácia na ST em comparação com o placebo num ensaio clínico randomizado e controlado, e é uma opção de tratamento.[87][88]

A tetrabenazina, que depleta as reservas de monoamina pré-sináptica e bloqueia receptores de dopamina pós-sinápticos, tem sido usada off-label no tratamento da ST e parece ser bem tolerada.[89] Os efeitos adversos mais comuns são similares àqueles dos antipsicóticos, incluindo os sintomas extrapiramidais, com exceção das síndromes tardias. Ela pode também causar ou agravar a depressão, mas a depressão foi relatada como efeito adverso em apenas 7.6% dos pacientes em uma revisão de tratamentos de longo prazo dos distúrbios do movimento hipercinéticos.[90]

Há relatos de que os benzodiazepínicos como o clonazepam são efetivos no tratamento da síndrome de Tourette.[91] No entanto, não foram realizados estudos sistemáticos para apoiar o uso desses medicamentos, e o potencial para tolerância e/ou abuso deve ser considerado. Eles são, portanto, considerados como último recurso e apenas para tratamento em curto prazo de exacerbações agudas dos tiques.

Não se recomenda o uso do valproato para o tratamento da ST em crianças.[92]

Existem relatos de que injeções de toxina botulínica do tipo A reduzem tanto os componentes motores dos tiques quanto as sensações premonitórias.[93] No entanto, as evidências são limitadas e os estudos têm se concentrado no tratamento de tiques específicos ou leves.[94][95][96] Injeções de toxina botulínica do tipo A podem ser consideradas quando outras opções farmacológicas não reduzirem tiques que estiverem causando sofrimento significativo ou comprometimento funcional.

Pacientes com TDAH comórbido

Os estimulantes do sistema nervoso central, incluindo o metilfenidato e a dexanfetamina, são o tratamento mais efetivo para o TDAH. Metanálises de ensaios controlados não respaldam uma associação entre um novo início ou o agravamento dos tiques e uso de psicoestimulantes.[97][98] O metilfenidato pode ser mais bem tolerado que as anfetaminas e é a medicação recomendada se um estimulante for indicado.[99]

A atomoxetina também demonstrou benefícios; um estudo demonstrou que, em crianças com TDAH e tiques, os tiques melhoraram em relação ao placebo.[100]

Demonstrou-se que a clonidina e a guanfacina são efetivos para o TDAH em crianças com tiques comórbidos em combinação com estimulantes.[101] Uma metanálise sobre a eficácia dos medicamentos em crianças com tiques persistentes e TDAH revelou que o metilfenidato apresentou melhores resultados para o TDAH, e que os agonistas alfa-2 foram melhores para o TDAH e os sintomas de tiques.[97][102]

Uma metanálise e uma revisão Cochrane relataram que o metilfenidato, os agonistas alfa-2 e a atomoxetina foram efetivos na melhora dos sintomas de TDAH em crianças com tiques comórbidos.[97][103] Agonistas alfa-2 e a atomoxetina melhoraram significativamente os sintomas de tiques comórbidos e, embora doses supraterapêuticas de dexanfetamina tenham supostamente agravado os tiques, doses terapêuticas de dexanfetamina e metilfenidato não agravaram.[97]

Pacientes com TOC comórbido

A terapia cognitivo-comportamental (TCC) é um tratamento consagrado para o TOC. É o tratamento de primeira escolha, com ou sem farmacoterapia, para o TOC em pacientes com ST. Ele envolve um método conhecido como exposição e prevenção de resposta, que tem como objetivo habituar o paciente às situações que produzem ansiedade.

Se os sintomas forem refratários ou tratados de maneira incompleta com a TCC, a terapia farmacológica pode ser benéfica. Existem relatos de que os inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRSs), como a fluoxetina, são efetivos no tratamento do TOC e tiques.[104] A clomipramina, um antidepressivo tricíclico, também inibe a recaptação da noradrenalina e da serotonina e demonstrou ser tão efetiva quanto o ISRS fluvoxamina para tratar o TOC.[105]

Tratamentos complementares

Tratamentos complementares, inclusive com ervas e suplementos, são usados frequentemente por famílias no tratamento de tiques e da ST. No entanto, existem poucas evidências quanto à eficácia.[106]

Um estudo randomizado controlado sobre ácidos graxos ômega-3 derivados de óleo de peixe, realizado em 33 crianças e adolescentes com ST, relatou que, embora os esse tratamento não tenha reduzido os escores de tiques, ele foi benéfico na redução do comprometimento relacionado a tiques em algumas crianças e adolescentes.[107]

Um ensaio adicional, randomizado, duplo-cego e controlado por placebo sobre a acetilcisteína não revelou nenhuma evidência quanto à eficácia desse suplemento no tratamento dos sintomas de tique.[108]

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