Abordagem
O disbarismo pode ser amplamente diagnosticado baseado apenas na história e no exame físico direcionado. Exames diagnósticos raramente são necessários e podem até atrasar o tratamento definitivo.[1] Os sintomas da doença da descompressão (DD) são variados e, portanto, deve-se presumir que qualquer novo sintoma que tenha uma relação temporal próxima com a atividade de mergulho se deva a disbarismo, até que se prove o contrário.
Pode ocorrer a formação de bolhas e a contração ou expansão gasosa em muitos tecidos, por isso muitas vezes o disbarismo envolve múltiplos sistemas de órgãos:
Sintomas constitucionais são muitos comuns e incluem fadiga extrema, letargia, cefaleia e dores generalizadas. A natureza vaga e não homogênea dessas queixas muitas vezes pode causar uma apresentação protelada (conhecida como "negação") e/ou um diagnóstico protelado.
Sintomas neurológicos podem ter manifestações cerebrais, cerebelares, espinhais, na orelha interna ou nos nervos periféricos. As bolhas de nitrogênio raramente se dispersam em uma única distribuição anatômica e, portanto, manifestações neurológicas multifocais são comuns.
Os sintomas musculoesqueléticos incluem dor em uma ou mais articulações ou dor difusa em um músculo. A dor geralmente é profunda, constante e incômoda, e muitas vezes não piora com a amplitude de movimentos.
Os sintomas cutâneos podem incluir prurido e/ou erupção cutânea no tronco ("dobras na pele"). Uma erupção cutânea reticular ou com marmorização cianótica (cutis marmorata) pode ser observada nas formas mais graves de DD.
O disbarismo linfático se manifesta como edema, causado pela obstrução linfática.
Sintomas audiovestibulares incluem perda auditiva, zumbido e vertigem.
No trato gastrointestinal, anorexia, náuseas, vômitos, cólicas abdominais ou diarreia são possíveis. A dor abdominal em faixa deve levantar a suspeita clínica de envolvimento neurológico grave iminente.
Sintomas cardiopulmonares incluem taquipneia, dor torácica pleurítica e tosse (conhecida como "engasgos"). Podem se seguir sintomas de isquemia local no tecido e choque hipovolêmico.
DD: história
A DD se desenvolve durante ou após a subida de um mergulho. A maioria dos pacientes desenvolve sintomas até uma hora após emergir de um mergulho.[1] No entanto, pode ocorrer atraso no início dos sintomas. A grande maioria dos pacientes manifestará sintomas até 24 horas após emergir de um mergulho.[1] Muitos casos não são relatados devido à falta de procura de atendimento médico, negação ou diagnóstico incorreto. Portanto, é necessário um alto índice de suspeita clínica, principalmente porque não há ferramentas diagnósticas que possam descartar o diagnóstico de forma confiável.
A história deve abranger fatores de risco específicos para DD, incluindo:
O perfil do mergulho (número total de mergulhos, profundidade, tempo, gás respiratório, velocidade de subida). Se possível, o médico deve sempre obter o computador de mergulho do paciente para revisão com o médico hiperbárico.
o(s) sistema(s) de órgãos afetado(s)
o momento do início dos sintomas (antes, durante ou após o mergulho)
a evolução dos sintomas
alguma estimativa da carga gasosa residual (mergulhos nas 24 horas anteriores, gás respiratório utilizado, a presença de fatores que aumentam ou diminuem a captação gasosa, como desidratação, exercícios físicos ou temperaturas altas ou baixas)
Uma busca por outros eventos que possam sugerir diagnósticos alternativos (por exemplo, condições da água/ondas, roupa de mergulho/roupa seca, enjoo, trauma, encontros com animais marinhos).
Os sintomas podem ser difusos e envolver múltiplos sistemas de órgãos.
Sintomas neurológicos, como dormência e parestesia, são mais comuns no ambiente recreativo.[19]
Sintomas audiovestibulares, como zumbido, vertigem, ataxia, náuseas, vômitos e uma perda auditiva neurossensorial são comuns.
Queixas constitucionais inespecíficas, como fadiga, letargia extrema, cefaleia e dores generalizadas são comuns, e demasiadas vezes são desconsideradas.
Os sintomas também podem ser cutâneos (pele pruriginosa ou rashes), linfáticos (por exemplo, edema dos tecidos mamários ou das glândulas parótidas) ou gastrointestinais (anorexia, náuseas, vômitos, cãibras abdominais, diarreia). Dor abdominal em faixa sempre indica uma lesão na medula espinhal.
Raramente, o envolvimento cardiorrespiratório por uma carga profusa de bolhas na circulação pulmonar causa os "engasgos", com sintomas que incluem taquipneia, taquicardia, cianose, dor pleurítica e uma tosse irritativa.
Os sintomas de isquemia tecidual local dependem do órgão afetado.
Barotrauma: história
Deve-se suspeitar de barotrauma quando as circunstâncias de um mergulho não tiverem permitido um equilíbrio suficiente entre o ambiente externo e os espaços do corpo contendo gases. Isso pode ocorrer na subida ou na descida, podendo afetar vários locais no mesmo mergulhador.[3] Os locais anatômicos afetados mais importantes nos mergulhadores são os seios paranasais, a orelha média, a orelha interna e os pulmões, mas as lesões também podem ocorrer nos olhos, pele, ossos, dentes e nervo facial.
Os sintomas dependerão do local anatômico. O barotrauma da orelha média durante a descida é comum em mergulhadores e pode se manifestar como pressão leve ou dor intensa. Pode ocorrer perfuração da membrana timpânica. A consequente equalização súbita da pressão alivia a dor, mas pode resultar em vertigem pelo estímulo calórico da água entrando no espaço da orelha média. O sangramento na orelha média pode extrudar para e causar secreção na nasofaringe, narinas ou meato acústico externo. Muitas vezes, pode ocorrer barotrauma da orelha interna, podendo causar surdez neurossensorial, zumbido e sintomas vestibulares, como vertigem, náuseas e vômitos, e ataxia.
Barotrauma pulmonar e síndrome de hiperinsuflação pulmonar quase sempre ocorrem na subida.[3] Os sintomas podem se manifestar de quatro maneiras:
Danos no tecido pulmonar, com dispneia, tosse e hemoptise imediatamente após chegar à superfície.
Pneumotórax, com dor torácica súbita, dispneia e taquipneia.
Enfisema mediastinal, com sintomas que aparecem rapidamente em casos graves, ou após muitas horas em casos mais leves, incluindo uma alteração na voz (rouquidão ou um tom metálico e monotônico), dispneia e disfagia. Essa manifestação geralmente não requer tratamento ativo, embora muito raramente possa ocorrer síncope, choque ou perda de consciência.
Embolia aérea com sintomas neurológicos imediatos e graves do tipo AVC, como confusão, convulsões, paresia ou perda da consciência. Qualquer mergulhador com barotrauma pulmonar deve passar por um exame neurológico cuidadoso devido ao risco de embolia gasosa arterial. Deve-se suspeitar de embolia gasosa arterial em qualquer mergulhador que apresentar perda da consciência até 15 minutos após emergir.
Pode ocorrer comprometimento do trato sinusal na descida ou na subida. Na descida, uma sensação de constrição e pressão dá lugar a uma dor sobre os seios nasais e muitas vezes a uma cefaleia mais generalizada. Na subida, pode haver secreção de sangue ou muco pelo nariz ou faringe. O seio nasal frontal é mais comumente afetado, mas também pode ocorrer dor retro-orbital e maxilar. A dor pode ser referida para a região dos dentes superiores ipsilaterais. Também foi reportada dormência na área da divisão maxilar do nervo trigêmeo. Barotrauma dos seios etmoidais e esfenoidais pode causar cefaleia com duração de algumas horas.
Além disso, sintomas menos comuns de barotrauma incluem:
Dentes doloridos (pois podem haver espaços gasosos em dentes infeccionados ou próximos a obturações)[24]
Tecidos faciais inchados e edemaciados e hemorragias conjuntivais causadas por ar preso na máscara de mergulho ("barotrauma de máscara")[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Barotrauma ocular causado por "barotrauma de máscara"Do acervo de Dra. Phillipa Squires, BMJ Education; usado com permissão [Citation ends].
Rashes lineares e pontuados ou hematomas, causados por ar preso em roupa seca ou molhada ("barotrauma de roupa")
Desconforto abdominal, distensão abdominal, eructações e flatos, que podem resultar da expansão gasosa dentro dos intestinos na subida.
DD: exame físico
A DD é amplamente diagnosticada de forma clínica. Uma história completa e um exame físico são tudo o que é necessário para fazer o diagnóstico.[1][7]
Como características neurológicas são comuns, é obrigatória uma avaliação detalhada desse sistema. Muitas vezes, as anormalidades neurológicas são multifocais, com combinações de sinais sugerindo danos no córtex, tronco encefálico, medula espinhal, nervos periféricos ou outras estruturas.
Os sinais cerebrais são múltiplos, e são análogos aos de doença cerebrovascular, embora de padrão diferente. A dispersão de bolhas de nitrogênio geralmente não apresenta uma distribuição neurológica única e, portanto, sintomas neurológicos multifocais podem ser observados. Características comuns incluem defeitos no campo visual (visão em túnel), monoplegia ou hemiplegia, e distúrbios monossensitivos e hemissensitivos. Um exame do estado mental pode revelar deficiências nas capacidades cognitivas.
Os sinais cerebelares incluem ataxia (identificada por teste de Romberg, marcha calcanhar-pododáctilos e pelos testes dedo-nariz e calcanhar-queixo), hipotonia, hiporreflexia, tremor, nistagmo e disdiadococinesia (incapacidade de realizar movimentos alternados rápidos, como bater os dedos). O teste de Romberg sensibilizado é particularmente sensível para uma disfunção neurológica sutil.[25] A pessoa fica em pé com um pé em frente do outro, calcanhar tocando os pododáctilos, com os braços cruzados de forma que as palmas das mãos tocam nos ombros opostos. A manutenção desta posição com os olhos fechados é avaliada por 60 segundos.
Sinais de comprometimento espinhal podem incluir paraplegia, paraparesia e retenção urinária com incontinência por transbordamento. A avaliação e o tratamento da retenção urinária são essenciais ao cuidar de um mergulhador lesionado.
O comprometimento dos nervos periféricos pode se manifestar com parestesia irregular, dormência e fraqueza (comumente afetando os membros, às vezes em uma distribuição em "luva-e-meia" em casos graves).
No envolvimento musculoesquelético, a área afetada pode ser protegida ou mantida em uma posição que ofereça o máximo alívio da dor. Sinais de inflamação ou derrame nas articulações geralmente estão ausentes.
Manifestações cutâneas podem ser locais ou generalizadas. Alterações cutâneas localizadas tendem a serem inocentes, e o comprometimento generalizado, mais desfavorável. Uma erupção cutânea pruriginosa, geralmente eritematosa, é comum. Alguns mergulhadores descreveram uma sensação como se insetos marchassem sobre sua pele. Entretanto, há uma variação significativa na aparência e descrição entre mergulhadores que sofreram de DD cutânea. A cutis marmorata (marmorização da pele) é uma pele cianótica ou eritematosa com manchas vermelhas e roxas variadas que geralmente significa DD mais grave.[3] É possível haver edema localizado após obstrução linfática, muitas vezes no tronco, podendo ir até o períneo.
Podem-se observar manifestações gastrointestinais em DD grave, o que pode causar isquemia intestinal local e infarto.
Sinais cardiorrespiratórios podem incluir taquipneia com estertores pulmonares e baixa saturação de oxigênio indicando edema pulmonar. Ocasionalmente, podem estar presentes sinais de síndrome do desconforto respiratório agudo. Nestes casos, bradicardia, hipotensão e oligúria anunciam um colapso circulatório iminente.
Barotrauma: exame físico
Os sinais dependem do local afetado. As orelhas, pulmões e seios nasais devem ser particularmente avaliados.
Na orelha, pode-se observar hemorragia ou perfuração da membrana timpânica, bem como sangue livre ou bolhas na orelha média. Pode ocorrer perda auditiva condutiva e os pacientes devem ser considerados para audiograma no ambiente clínico apropriado. O barotrauma da orelha interna produz sinais vestibulares como vertigem, nistagmo e ataxia. Vertigem persistente ou perda auditiva neurossensorial posicional podem indicar uma fístula perilinfática.
O seio nasal afetado pode estar sensível à palpação. A dor pode ser exacerbada por tosse, espirros ou segurando a cabeça para baixo. Às vezes, observa-se sangue na máscara ou na nasofaringe. Muitas vezes, existem sinais associados ao barotrauma da orelha média.
O barotrauma pulmonar pode resultar em pneumotórax, que se apresenta com diminuição dos movimentos da parede torácica, hiper-ressonância à percussão e diminuição dos murmúrios vesiculares. O desvio da traqueia pode indicar um pneumotórax hipertensivo.
Enfisema mediastinal ou enfisema subcutâneo também podem ocorrer. Os sinais clássicos são pele "craquelada" no pescoço e na parede torácica superior, sons cardíacos fracos e timbre vocal alterado. O sinal de Hamman (crepitação sincronizada com os sons cardíacos) indica pneumopericárdio. Pode ocorrer paresia do nervo laríngeo recorrente esquerdo.
Embolia gasosa arterial (EGA)
A EGA é a precipitação de bolhas gasosas para a circulação arterial. Mais comum no mergulho, ela se deve a barotrauma pulmonar, no qual a expansão do gás preso nos pulmões causa hiperdistensão e ruptura do tecido pulmonar, permitindo a entrada de gás na vasculatura pulmonar.
Deficits neurológicos agudos são típicos e podem ser multifocais por natureza, não seguindo nenhuma distribuição anatômica. Isso se deve à ampla dispersão de bolhas de gás. A EGA deve ser considerada em qualquer mergulhador que sofra perda da consciência até 15 minutos após emergir.
Narcose por nitrogênio
Esta é uma forma de intoxicação por gás inerte na qual um aumento da pressão parcial de nitrogênio causa uma síndrome de alterações neurológicas e comportamentais, completamente reversíveis no retorno à pressão atmosférica normal. Qualquer paciente com estado mental alterado contínuo no ambiente clínico (em pressão atmosférica normal) não tem narcose por nitrogênio. Há uma variação acentuada entre pacientes quanto à profundidade em que se experimenta a narcose por nitrogênio, mas a maioria dos mergulhadores será afetada subjetivamente a 30 metros de água do mar (msw; 98 pés de água do mar [fsw]). Muitas vezes, o sintoma inicial é uma sensação de euforia leve e estimulação, semelhante à intoxicação alcoólica. O aumento da pressão parcial produz um comprometimento progressivo da destreza manual e uma piora do desempenho mental. Podem ocorrer lapsos de memória, dificuldade de raciocínio e julgamento, excesso de confiança e diminuição de percepção. Por fim, confusão, alucinações e estupefação podem causar coma e morte.
Investigações
O diagnóstico de DD e embolia gasosa arterial é clínico e se baseia principalmente na história e no exame físico isolado. Não existem exames diagnósticos sensíveis ou específicos, e a escolha de qualquer investigação depende da situação clínica e do diagnóstico diferencial.[1][7]
Imagens neurológicas são frequentemente obtidas em mergulhadores que apresentam estado mental alterado, mas geralmente não são diagnósticas. Uma TC ou RNM de crânio negativa não descarta embolia gasosa arterial, pois bolhas raramente são observadas em exames de imagem. A recompressão de mergulhadores lesionados com suspeita de DD ou EGA não deve ser adiada para obtenção de estudos de imagem.
Deve ser realizada uma radiografia torácica em caso de suspeita de barotrauma.[7] A existência de um pneumotórax pode exigir a inserção de um tubo de toracostomia. O pneumotórax pode se agravar com o tratamento na câmara de recompressão e, portanto, um tubo de toracostomia deve ser colocado para o pneumotórax antes do tratamento. Um ECG pode ser útil para descartar diagnósticos alternativos. Pode-se realizar uma ecocardiografia após o tratamento da DD em casos selecionados, pois foi relatado um aumento na prevalência de forame oval patente nesses pacientes.[26]
Exames de sangue não são realizados rotineiramente no diagnóstico de doença da descompressão, pois nenhum deles é sensível ou específico. Eles podem ser úteis na consideração de diagnósticos diferenciais.
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